Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 28 de julho de 2020

“OS FRUTOS SECOS SALVARAM-NOS DESSA DESGRACEIRA QUE FOI O ANO DE 2017”

Carlos Aguiar é agrónomo e terminou o curso em 1987. Pouco tempo depois veio para Instituto Politécnico de Bragança, onde é professor e investigador. A agricultura e a botânica são a sua paixão, que diz ter nascido com ele.
Carlos Aguiar
Há uma relação fundamental entre a espécie humana e a realidade botânica e zoológica, aquilo a que chamamos a inter-relação ecológica. Mas o que acontece é que, no último século, há uma percepção de que a espécie humana estará a provocar uma situação apocalíptica. Parece que estamos a caminhar alegremente para a extinção da espécie humana.
As espécies têm, em média, uma duração de 10 milhões de anos. Portanto, a única coisa segura sobre a espécie humana é que um dia se vai extinguir, isso é seguro e aplica-se a todas as plantas e animais. O futuro é algo imprevisível. O que a história geológica e a história da vida nos conta é que há períodos em que as coisas mudam muito rapidamente, muda o clima, há períodos de extinção e, esses períodos, explicam explosões adaptativas, aquilo a que chamam o aparecimento de novas espécies. Portanto a história da vida da terra é feita de períodos de extinção e períodos de estase. Obviamente que o nosso efeito no planeta é muito significativo e à escala geológica vai ser lido como um período de extinção.

Mas estará o ser o humano a contribuir para essa extinção?
O planeta é finito e tem recursos finitos e nós, como os outros animais, temos que nos alimentar e ter um sítio onde nos abrigar e há uma fatia, cada vez maior, desses recursos que estão a ser capturados pelas sociedades humanas. A questão que se põe é se esse processo de captura excede ou não aquilo que o planeta nos pode dar. A evidência mostra que sim. Há uma prova disso mesmo, que é o consumo de combustíveis fósseis. O carvão foi gerado no Carbónico, há volta de trezentos milhões de anos, e o petróleo, a meio do Mesozóico, ou seja, estamos na escala entre os 150 e os 200 milhões de anos. Estamos a usar algo que foi armazenado no subsolo e esse recurso é finito e todo o funcionamento desta máquina imensa que são as sociedades humanas depende de um recurso que é escasso e finito. A grande dúvida é se poderemos manter este grau de complexidade e esta abundância de humanos perante um cenário de escassez de energia e de recursos.

O apocalipse está mesmo aí como alguns anunciam?
O apocalipse depende da escala a que a gente vê. Se olharmos para o universo à escala do 10 elevado a 100 anos, o universo será uma sopa fria. Mas a questão é se vale a pena preocuparmo-nos com o assunto. Talvez não valha a pena. Temos que começar a trabalhar o futuro seriamente.

Não se trata então de vermos o apocalipse na próxima esquina mas de podermos gerir esta realidade, o nosso presente e o nosso futuro?
Sim, nem que seja porque nos torna mais proactivos.

E entretanto, vai-se encontrando uma espécie de bodes expiatórios, geralmente com cornos, neste caso parece que são as vacas que aparecem como a fonte fundamental da nossa tragédia. Isto tem alguma razão de ser?
Não, não tem razão de ser nenhuma. Quando nós falamos em animais, vacas, cabras, ovelhas, o que quer que seja, primeiro temos que contextualizar o problema. Não se deve apontar o dedo à espécie vaca, à espécie cabra, ou à espécie ovelha. Temos sim que analisar o sistema de agricultura ou de produção. Uma coisa é termos grandes extensões de engorda de vitelos com milho importado da Argentina, soja importada do Brasil, sabe-se de onde, e outra coisa é termos animais a pastar as nossas montanhas usando recursos endógenos. São coisas totalmente distintas. Se nós fizermos uma contabilidade em CO2 equivalente e olharmos para esses sistemas de engorda industrial, a verdade é que são sistemas que produzem grandes quantidades de gases de estufa, é um facto e não vale a pena esconder. Agora aquilo que estamos a descobrir é que alguns modelos de produção animal até podem ser amigos do ambiente, aquilo a que chamam agora carbono positivo. Nós temos evidências na produção de gado maronês ali para a Serra do Alvão e temos que analisar Portugal como um país pequeno. A verdade é que esses sistemas são provavelmente carbono positivos, isto é, termos os animais a pastar nas montanhas vai ter uma tradução prática de sequestro de carbono na matéria orgânica do solo. A libertação de metano que existe por vaca é largamente compensada pela sequestração de carbono e outros estragos que estão associados ao abandono maciço das montanhas.

Mas o consumo massivo de carne nas sociedades industrializadas, com explorações intensivas, pode efectivamente conduzir a que não haja essa recuperação da relação ecológica, mas um acentuar do “processo de envenenamento”?
Isso é factual. A verdade é que temos que pôr a carne no lugar certo do menu. A carne é um bom alimento e comer carne moderadamente não é prejudicarmos nem a nossa saúde nem o ambiente. Isso é o primeiro ponto, o segundo é que temos que diferenciar as carnes, elas não são todas iguais. Não é a mesma coisa uma carne que vem de um fidelote à volta de Lisboa, onde engordam os limousines e a nossa mirandesa ou maronesa, essas raças que estão associadas a sistemas de produção que se justificam mesmo em termos ambientais. Quero acrescentar que nós somos uma espécie omnívora é preciso não esquecer isso.

O consumo de carne anda muito associado ao aumento da esperança de vida e à melhoria significava da resistência a determinado tipo de doenças…
O que posso dizer é que a carne consumida de forma moderada e inteligente não prejudica a saúde, pelo contrário. A prova disso é que as crianças que não comem carne têm que ter algum suplemento.

Mas o aumento do consumo leva a que seja produzida carne industrializada…
O problema da carne industrial é muito complexo. Mas dentro dos meus modestos conhecimentos, as pessoas podem comer uma posta de vitela maronesa e estão a contribuir para um ambiente melhor. Posso assegurar-lhe que é assim. Agora, se estiverem a consumir uma posta que veio da Holanda e esteve a ser maturada e se parece com outras, já não é a mesma coisa.

Mas haverá uma altura em que o consumo de carne não responde ao número de população que há no planeta?
Até determinado nível de consumo de carne, a carne não vai comprometer outras produções. Há territórios onde o único uso que lhes pode dar e a gestão mais inteligente desses espaços é passando pela herbivoria. Muitas plantas que nós temos dependem da herbivoria. Os bovinos chegaram cá há muito tempo e houve uma co-evolução entre as plantas e os animais e eles têm um papel fundamental na paisagem. Aquilo a que chamamos em Ecologia de perturbação. Perturbação pela herbivoria é fundamental para termos ecossistemas saudáveis e equilibrados. Podemos concluir que, se não mantiverem a produção industrial de carne, provavelmente não teremos condições para alimentar conveniente mente a população mundial? O sistema de produção agrícola global depende de muitos factores, a produção animal não é o ponto crítico. Quando analisamos um sistema, a primeira coisa que temos que fazer é analisar os nós. O maior problema está no fósforo, nos fertilizantes fosfatados. É esse o problema humanitário numa escala de 50 anos. Porque os adubos fosfatados não são renováveis. De alguma forma tem que haver uma ciclagem disso tudo de maneira a criar sistemas de agricultura que são continuamente ciclados e não se perdem para fora do sistema. O problema do fósforo é que se perde e vai parar à água do mar. No futuro os sistemas de agricultura vão ter que ser de maior proximidade e vai ter que haver uma maior ciclagem desses nutrientes e os animais vão ter um papel fundamental nesse processo. Essa lengalenga de excluirmos os animais e deixarmos de comer carne isso é uma estupidez e não tem sentido nenhum.

Mas isso significa que não vamos conseguir produzir ao nível em que produzimos hoje? Temos que reduzir a população?
Provavelmente não. O mundo é finito e a população não pode crescer eternamente.

Relativamente à relação com a cobertura vegetal, o arquitecto Ribeiro Teles diz que limpar as florestas é uma estupidez, porque se está a tirar a componente orgânica que permite a renovação da floresta. Como é que isto pode ser dito de forma clara? Porque há medidas que vão no sentido de uma intervenção muito significativa, mas que podem levar a que a floresta muito limpa possa morrer daqui a 30 anos…
Eu acho que esse não é o nó principal. Não nos devemos focar por aí. O grande drama é talvez outro, chamado paradoxo do fogo. Se nós combatermos o fogo, combatermos o fogo, combatermos o fogo, o que acontece é que um dia o fogo quando vem queima tudo. E portanto, nós temos em boas partes do nosso território, áreas que estão prontas para arder de forma violenta e vai ser um problema.

A limpeza nessas áreas é uma solução?
Nalgumas dessas áreas, não sei muito bem como é que se vai limpar e a limpeza pode atingir valores do tipo mil euros o hectare. Como é que se vai tirar mil euros de um terreno que está baldio? Estão os portugueses disponíveis para pagar um milhão de euros para limpar mil hectares, que continuam a ter um risco de arder?

Então qual será a solução?
Nós já fomos encontrando algumas soluções. Por exemplo a expansão de frutos secos na Terra Quente e entrando já pelas bordas da Terra Fria. Isso foi extraordinário, os transmontanos deram uma lição imensa ao país. Em 2017 o país ardeu e Trás-os-Montes não, por causa do amendoal, da oliveira, do castanheiro… Portanto os frutos secos salvaram-nos dessa desgraceira que foi o ano de 2017. Mas temos um problema que são as montanhas e as zonas baldias, obviamente que passa muito por fogos controlados e pela herbivoria, pelas vacas, pelas ovelhas e pelas cabras.

Aquela solução que foi encontrada há 70 anos, no actual território do Parque Natural de Montesinho, que está cheio de pseudotsugas e pináceas, é para manter ou era melhor de outra maneira?
Quando eu olho para uma fotografia aérea e para as zonas de montanha a verdade é que vejo uma área gigantesca de vale e cúmero. A questão é quanto é que custou o hectare e qual foi o retorno? O retorno não foi nenhum ou muito pouco e de maneira nenhuma pagou o investimento, por isso eu assusto-me com a história de que vêm aí uns milhões e vão outra vez investir na floresta. É muito melhor termos eucalipto naquelas serras litorais, porque ao menos produz limpeza, do que estarmos a subsidiar coisas que vão ser para arder. Sobre as pseudotsugas, deram algum rendimento? As pseudotesugas eram para entrar na fileira de papel. Entraram? E os ciprestes que se andaram a plantar, entraram na fileira do papel ou outra fileira? Que eu saiba não entraram muito. Para que é que pagámos? Se nós nos habituarmos a colocar as coisas deste modo, qual é o retorno, o que é que a gente ganhou com isso, talvez as coisas funcionem melhor. Temos que ser francamente mais economicistas e a natureza agradece.

Qual é a sua perspectiva para o futuro deste país e deste mundo relativamente à alimentação e à ecologia?
Numa escala relativamente, curta de 20 anos, eu pessoalmente acho que a agricultura desempenha um papel, que se tem que fazer contas, que não se pode estar a desbaratar dinheiro porque sim ou por coisas que não estão justificadas. Resumindo, se tomarmos decisões com uma base técnica e uma base económica, as coisas hão-de funcionar melhor. Lembro-me na década de 80, os velhos agrónomos dizerem que o futuro disto são os frutos secos. Eu como jovem licenciado achava que eles estavam enganados, mas eles estavam certos e foram capazes de antever isso.

Jornalista: Ângela Pais/Teófilo Vaz

Sem comentários:

Enviar um comentário