Sobre o Blogue
SOBRE O BLOGUE:
Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
A Dona Alegria
Vestia e pintava-se dentro do colorido mexicano – verde, amarelo, vermelho –, por isso, a sua figura excêntrica a considero digna de figurar num quadro de outra magnificente extravagante mulher, a pintora de sobrancelhas cabeludas Frida Kahlo. A Dona Alegria não fazia mal a uma mosca que aterrasse no seu rosto carregado de pós-de-arroz, rouge e tinta preta nos sobrolhos. Às vezes desandava da cidade indo para a casa do irmão, em Lisboa, o discreto general Neto, figura da corte salazarista. Desde miúdo que sempre vi a Senhora garrida, refulgente, a cirandar no pequeno reino do burgo a sorrir, olhada de lado por muitos e muitas devido a ser de poucas falas, de viver na etérea ilusão da permanente juventude. A ilusão pode parecer ridícula, o poeta Fernando Pessoa assim classificava as cartas de amor refinado exemplo da ilusão. A dona Alegria escondia-se debaixo do manto diáfano da fantasia (o sagaz Eça), porque apesar de delida acreditar no sido tocada pela Fada da eterna juventude superadora das vicissitudes de gastar os dias e as noites numa cidade conformista, burocrata e triste, como era Bragança nos anos cinquenta e sessenta do século passado. Não por acaso o filme A Grande Ilusão obra de Jean Renoir de 1937 (pensem na família do realizador) que nos permite aquilatar do benefício da ilusão quando somos atormentados por desgostos terríveis e angústias de tal calibre que leva os desiludidos desesperados superam suicidando-se. O Ora lembrado Mário de Sá-Carneiro e Manuel Laranjeira o exemplificaram.
Na Bragança desse tempo albergava no seu bojo várias criaturas cuja caixa «dos pirolitos» rebentava os códigos normativos da civilidade e etiqueta, nunca foi o caso da Dona Alegria, excêntrica sim tal como outra alma fora do senso comum, o "doutor" Gregório apaixonado por ela. O doutor Gregório carregava a fama de enquanto aluno Universidade de Coimbra ter saltitado de curso em curso, sem ter algum. Conheci-o, escorrido de carnes, olhar e modos de mansidão interrompida se um matuto intrometido ousava tocar-lhe na pasta atafulhada de recortes de jornais. A pasta encerrava a ilusão académica da frequência sem retorno social e económico. Estou certo de alguns leitores ainda se recordarem do seu nariz adunco entrapado em virtude de uma chaga purulenta no género do Nariz de Sola título de um livro editado na colecção Miniatura dos Livros do Brasil.
Este par de excêntricos, eivados de ilusão de natureza diferente povoavam o imaginário de boas e más-línguas, os dois seriam namorados porque o Dom Quichote de Carragosa amaria a Dulcineia de Bragança, por isso, mesmo nos dias friorentos empurrados pelos ventos da Sanábria, ele fazia sentinelas ou plantões defronte das janelas que atrás dos vidros se viam vasos e cortinados, estes, de vez em quando afastados por mãos de unhas pintadas de cor escarlate.
Sei, quão vale a rede ilusória de "tapar o sol com uma peneira", capaz de suportar o incomensurável sofrimento da perda de um filho, incomensurável todos os dias, por assim ser, e é, nesta época de espectros e zombies pandémicos, aferro-me à minha ilusão na esperança de conseguir levar a carta a Garcia no enfrentar nova e repelente peste. Que todos os leitores levem a sua carta a bom porto é o meu desejo.
Armando Fernandes
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