Em 1807 mandou Napoleão, imperador dos franceses, invadir Portugal pelo seu marechal Junot, por esta nação não aderir ao bloqueio continental, medida impolítica que foi a sua ruína, quando supunha que seria a da Inglaterra, por fechar às suas mercadorias os portos da Europa.
D. João VI, então rei de Portugal, fugiu para o Brasil, deixando o reino entregue a uma junta de governadores.
Com os franceses vinham também os espanhóis, então seus aliados.
A província de Trás-os-Montes foi, ainda assim, a mais poupada na incursão destes ferozes devastadores, talvez porque Junot e Taranco, general espanhol, não chegaram a acordo relativamente ao seu governo.
Um e outro para aqui mandaram ordens que pouca execução tiveram.
Também cá penetraram alguns destacamentos espanhóis a pretexto de procurar desertores.
Junot, tendo em vista aniquilar todos os meios de resistência da nação portuguesa, por decreto de 11 de Janeiro de 1808 mandou recolher todas as armas ao arsenal de Lisboa e licencear as tropas de linha, operando assim o desarmamento geral da nação; mas as da nossa província por cá ficaram, o que depois foi de grande vantagem para auxiliar o levantamento geral contra os franceses.
O exército português foi depois reorganizado por decreto dos governadores do Reino de 30 de Setembro de 1808, que mandava recolher, o mais breve possível, aos seus antigos quartéis, todos os oficiais, oficiais inferiores, soldados e tambores, voltando assim Bragança a ter os corpos de infantaria nº 24 e cavalaria nº 12.
Por alvará de 15 de Janeiro de 1810 cuidaram os mesmos governadores do recrutamento militar, e segundo ele a província de Trás-os-Montes fornecia recrutas para os dois já ditos regimentos de Bragança, e para infantaria 12 em Chaves, caçadores 3 em Vila Real e 5 em Miranda do Douro.
As crueldades cometidas pelos franceses em Portugal foram inauditas!
O roubo, a violência, o morticínio com requintes da mais desumana barbaridade, o sacrilégio e a prepotência, exercendo-se omnimodamente, eram insuportáveis: as igrejas profanadas e roubadas, com assomos de malvadez só própria de bandidos da pior espécie; delas faziam estrebarias, dos altares manjedoiras e dos santos estilhas para cozinharem o rancho!
Não se atendia a idade nem a sexo: velhos, crianças e mulheres, nada escapava ao furor destes vândalos do século XIX. A gente portuguesa fugia para os montes abandonando tudo; mas lá mesmo era perseguida: mulheres e raparigas achadas naquelas habitações selvagens eram obrigadas a sujeitar-se às mais desenfreadas paixões para evitar a morte, e algumas vezes se viram assassinadas pelos tigres a quem tinham acabado de satisfazer seus brutais apetites.
É por isso que um contemporâneo e bragançano ilustre dizia que o proceder destes invasores devia «fazer recahir sobre o nome francez um odio inextinguivel até ás mais remotas gerações». Deles refere no tomo 117, p. 273, prova 69 da sua obra, geralmente cheia das atrocidades francesas, crimes verdadeiramente assombrosos, que ombream em perversidade com os mais requintadamente bárbaros memorados na história.
Mas já agora cedamos o lugar a um outro nosso ilustrado conterrâneo que, melhor do que nós, sintetize o pensamento que temos em vista. «A terceira invasão francesa, diz ele, causou um coro imenso de dores, de desonras, ignominias, afrontas, ultrages, perdas, prejuízos e danos. As tropas da divisão do fero Loison não combatiam e não lutavam, saqueavam e violavam; à sua rectaguarda só ficavam as cinzas do incêndio, os detroços do saque e as lágrimas dos violentados».
A extrema rapacidade das hordas napoleónicas deixou na nossa literatura o conhecido rifão: — isto é roupa de franceses.
Demais, no intuito de desnacionalizar o sentimento da pátria procuravam destruir quanto pudesse evocá-lo e tentando lisonjear-nos ao mesmo tempo, o bronco Junot, que se arrogava fumaças de dador da paz em Portugal e portador da nossa idade de ouro, na sequência de uma brutalidade ultra-tarimbeira, incapaz de compreender a grandeza da epopeia portuguesa, prometia para cada província um Camões!!!
Tantos insultos enchem por fim a taça do sofrimento e esgotam a paciência nacional. Ao mesmo tempo a Espanha, que ia achando insuportável o jugo de tão tirânicos aliados, rompe por toda a parte contra eles. Portugal e Espanha fraternizam em igual comunhão de sentimentos.
Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança
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