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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Nós, Transmontanos, Sefarditas e Marranos - JOSÉ NUNES (N. FREIXO ESPADA À CINTA, 1696)

Nasceu em Freixo de Espada à Cinta pelo ano de 1696, no seio de uma família cristã-nova com largo historial na inquisição que, poucos anos antes, tinha queimado uma sua tia materna, chamada Marquesa da Fonseca. (1) Francisco Nunes era o nome do seu pai, que tinha a profissão de torcedor de sedas. Faleceu antes que o filho completasse 14 anos, altura em que este seria iniciado na lei de Moisés por sua mãe, Filipa da Fonseca, a qual era originária de Trancoso e tinha 16 anos quando, em 1667, se apresentou na inquisição de Coimbra, onde confessou suas culpas, posto o que foi mandada de regresso a casa. Passados 17 anos, em 1684, morando em Freixo e sendo já casada, foi presa pelo mesmo tribunal, saindo penitenciada em cárcere e hábito perpétuo, no ano seguinte. (2) Em Abril de 1735 os inquisidores de Coimbra decretaram que fosse novamente presa. Tal não aconteceu porque Filipa era já falecida.
Chegado à idade adulta, certamente por viver em permanente constrangimento, apontado como judeu e filho de judeus, José Nunes abandonou Freixo de Espada à Cinta e, depois de estar cerca de um ano em Murça de Panoias, dirigiu-se para a cidade do Porto e dali embarcou para o Brasil. Foi ter ao Ribeirão do Carmo, região da Baía, onde as minas de ouro, recentemente descobertas, exerciam forte atração. Não foi nas minas que ele começou a trabalhar, mas como caixeiro de seu parente Francisco Ferreira Isidro. (3)
Com a prisão de F. Isidro, em 1726, o caixeiro mudaria de ofício, metendo-se também na aventura da exploração mineira. E Talvez por chegar a notícia da descoberta de diamantes nas minas de Cerro Frio, para lá se dirigiu o nosso Freixenista que, no “arraial” mineiro, adquiriu uma casa bastante boa, a julgar pelo preço de compra – 166 400 réis. Comprou também dois escravos (um macho e uma fêmea), por 480 000 réis. Não sabemos quem lhe vendeu os escravos mas ele dá-nos notícia de um homem, originário de Vila Nova de Foz Côa, com familiares em Freixo de Espada à Cinta que, naquela região do Brasil era “tratante de negros” – Francisco Fernandes Camacho. (4)
E estes, casa e escravos, eram os bens que ele tinha quando o prenderam e arrolaram suas pertenças. (5) Curioso que não tinha ouro nem diamantes mas tinha uma razoável dívida para com Rodrigo Nunes – 500 oitavas de ouro! E perguntado sobre a sua profissão, dizia-se “vendeiro”.
José Nunes foi preso em outubro de 1733, ficando no Rio de Janeiro a aguardar embarcação para Lisboa, onde chegou ao findar do mês de agosto do ano seguinte.
Metido na cadeia, logo entrou de confessar que fora doutrinado por sua mãe e que, embora se apresentasse publicamente como cristão, ele seguia os preceitos da lei de Moisés sempre que podia. E logo acertou nas pessoas que o tinham denunciado e que foram: Francisco Gabriel Ferreira e Leonor de Campos Currales. (6) Não acertou em sua tia, Filipa Mendes, o que foi desculpado pelos inquisidores do modo seguinte:
- A diminuição de sua tia Filipa Mendes (é compreensível) porque, conferidas e examinadas as genealogias, consta não ser sua tia direita, se pode presumir esquecimento, e principalmente no réu que não ocultou os parentes mais chegados.
Na verdade, no processo de José foi também incluída a genealogia da mesma tia. E se foram compreensivos nesta “diminuição”, a verdade é que ele denunciou muitas pessoas que com ele se tinham declarado judeus e feito cerimónias judaicas, “pessoas conjuntas e não conjuntas e com muitas das quais não estava indiciado”- como os inquisidores também anotaram.
Na lista dos denunciados por José Nunes contou-se a sua irmã, Ana Nunes e o marido desta, Manuel Soares, Baeta, de alcunha. Estes haviam sido presos pelo santo ofício de Coimbra em Junho de 1725. Manuel faleceu mesmo nos cárceres da inquisição, em 30.5.1726 e Ana saiu penitenciada no auto público da fé celebrado um mês depois. (7)
À data da prisão, o casal tinha dois filhos, chamados, respetivamente, Francisco e José Soares, que ficariam “ao Deus dará” pois que, com a prisão dos pais e o sequestro dos bens, a casa de morada foi cerrada e selada. Não sabemos que idade tinha então o Francisco, que seria o filho varão mais velho. E dele nada mais sabemos, a não ser que, em 1734, era já falecido e que falecera em Amesterdão, onde viveu como judeu e com o nome hebreu de David. O José, por seu turno, contaria uns 6 anos e podemos seguir o seu percurso de vida até aos 20 anos.
Por agora acompanhemos Ana Nunes no regresso a Freixo de Espada à Cinta, depois que saiu da prisão de Coimbra. Vendo-se viúva e sem eira nem beira, pegou no(s) filho(s) e abandonou o país, refugiando-se em Londres. Ali, ela aderiu abertamente ao judaísmo, tomando o nome de hebreu de Sara. E tratou de dar uma educação judaica ao(s) filho(s). Assim, sabemos que o José foi circuncidado, com o nome judeu de Daniel, e passou a frequentar a sinagoga e a aprender a lei de Moisés.
Na Inglaterra permaneceram por 5 anos. Dirigiram-se depois para França, instalando-se na cidade de Bordéus. Ali viveram 3 anos e Sara casou segunda vez com um judeu público chamado David. Nessa ocasião, Daniel Soares decidiu-se a procurar vida noutras paragens, dirigindo-se para a cidade Amesterdão.
Da vida de José Soares na grande metrópole holandesa, durante 3 anos e meio pouco sabemos. Porventura não conseguiria integrar-se plenamente na “nação hebreia” e encontrou inesperado apoio em uma mulher católica e no frade agostiniano que ali conheceu, chamado frei Joaquim Sarmento. Este o terá convencido a regressar à religião católica em que foi batizado. E os dois resolveram abandonar a Holanda e meter-se a caminho de Lisboa, onde chegaram dias antes do Natal de 1739.
Nessa mesma noite José Soares foi apresentar-se no tribunal da inquisição onde contou a sua vida de judeu, que fora batizado em Freixo de Espada à Cinta e cresceu e foi educado como cristão até à idade de 6 anos; que depois fora instruído pelos mestres judeus e como judeu frequentava as sinagogas, em Londres, Bordéus e Amesterdão. Dizia-se inspirado pelo Espírito Santo, pedia perdão de suas culpas e prometia ser bom cristão. (8)

Notas:
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 7885, de Marquesa da Fonseca. Anos antes haviam sido processadas a mãe e a irmã desta, chamadas respetivamente Beatriz da Fonseca e Maria da Fonseca.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 4511, de Filipa Fonseca.
3-ANDRADE e GUIMARÂES, jornal Nordeste nº 1087, de 12.9.2017.
4-Francisco Fernandes Camacho era natural de Fozcôa, casado com Luísa Maria Pereira, de Mogadouro. O casal morou muitos anos no Brasil, onde lhe nasceram 4 filhas e um filho. Começando a inquisição a prender pessoas das suas relações, mandou a mulher e os filhos regressar ao reino e a Vila Nova de Fozcôa, onde sua mulher foi presa, acabando queimada pela inquisição de Coimbra. Sabendo-se denunciado e pressentindo que seria também preso, embarcou para o reino. Chegado aos Açores, foi apresentar-se ao bispo de Angra, dizendo que vinha do Brasil apresentar-se na inquisição de Lisboa mas que se encontrava doente e ficaria nos Açores até se curar. Trazia, inclusivamente, um papel escrito onde contava tudo isso, pedindo ao Bispo que o enviasse para o tribunal de Lisboa. Ele, porém, em vez de rumar a Lisboa, tomaria um barco, fugindo para a Inglaterra. Tempos depois mandou ordem para que os filhos fossem ter com ele. Com esse objetivo, apanharam um batel na Ribeira de Lisboa e dirigiam-se para um barco fundeado ao largo do Tejo. Não embarcaram porque se levantou uma tempestade e o batel voltou para terra. A história foi contada por Francisca Lopes, uma das filhas de Francisco Fernandes Camacho, que foi depois apresentar-se na inquisição de Lisboa. – ANTT, inq. Lisboa, pº 3784, de Francisca Lopes.
5-ANTT, inq. Lisboa, pº 430, José Nunes.
6-Leonor Campos Currales foi presa juntamente com 3 irmãs: Maria, Mariana e Violante. Processada também na mesma altura foi sua cunhada, Ana Henriques, natural de Ventozelo, mulher de seu irmão Diogo Campos Currales. Eram filhos de Diogo Currales, cirurgião, originário de Castela e de Maria de Campos, natural de Foz Côa. O sobrenome “Currales” tê-lo-ão tomado da terra da naturalidade do seu pai.
7-IDEM, pº 6131, de Ana Nunes; pº 9671, de Manuel Soares, o Baeta.
8-IDEM, inq. Lisboa, pº 8020, de José (Daniel) Soares.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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