Verificação de correspondência suspeita
As buscas na correspondência particular suspeita poderiam desencadear-se, no sentido de obter elementos comprovativos da envolvência em movimentos políticos, estando esta na mão do destinatário ou impedindo que a mesma lhe fosse entregue, sem ser verificada previamente, para o qual foi alertado o Director dos Correios de Bragança.
Em carta enviada ao Ministério do Reino, o Governador Civil de Bragança dá conta das diligências tomadas a este respeito, relativamente a um padre espanhol suspeito, residente na cidade e entregue às autoridades portuenses: “Antes, porém, da saída deste eclesiástico, constou-me que ele tinha no correio uma carta de Espanha e que havia outra que suspeitei era para ele por vir dirigida sob o nome do dono da casa em que se achava hospedado. Ambas elas me foram apresentadas pelos destinatários e com autorização deles abertas perante mim, mas não continham coisa alguma que induzisse suspeita de ter relação com quaisquer planos carlistas, apenas manifestação de esperanças mui vagas de que em breve poderia voltar para Espanha e queixas pela falta de cartas do P.e Matias (...).
O Director do Correio desta cidade havia sido prevenido por minha ordem das desconfianças de que eu tinha de que por esta cidade vinham de Espanha e saíam para ali correspondências para muitos indivíduos suspeitos; pedi-lhe por isso vigiasse ele, avisando-me de tudo o que observasse. Efectivamente este hábil e inteligente funcionário preveniu-me de que certas cartas, pelas condições de segurança com que estavam fechadas lhe faziam crer que poderiam dar alguma luz sobre os planos e projectos que eu tanto ansiava descobrir.
Foi então que ordenei que as cartas não fossem entregues e pedi (...) instruções do que mais convinha fazer (...) autorizando-me V. Ex.ª para todas as diligências que fossem necessárias. O Director do Correio tinha também consultado o seu chefe e este o Ex.mo Ministro das Obras Públicas, obtendo em resposta que se satisfizesse as minhas exigências, mas na presença da autoridade judicial, o que me motivou que a abertura das cartas só pudesse efectuar-se no dia 11 (...). A morosidade e formalidades com que são praticados os actos judiciais, deu lugar a que só no dia 15 o auto e cartas me fossem entregues.
Estes documentos serão enviados a V. Ex.ª a logo que tenha feito certas investigações a que dá lugar um bilhete (...) dirigido por um espanhol ao furriel de Caçadores N.º 3, António Correia, convidando-o a ir ao Porto ou a escrever a Oróbio Brás, morador na Batalha. Este bilhete foi remetido ao Comandante do referido Batalhão para proceder aos devidos interrogatórios (...) indicando eu mesmo os pontos principais sobre que me parecia conveniente que o interrogatório recaísse”.
E a preocupação com a correspondência que se destinava ou vinha de Espanha, entre espanhóis e entre espanhóis e portugueses, mantém-se como prioritária, mesmo que nem sempre as suspeitas se concretizassem: “Constou-me que uma espanhola que reside nesta cidade mantinha activa correspondência com Espanha. Mandei hoje dar-lhe busca na pequena casa que ocupava e apenas lhe foram encontradas algumas cartas de um irmão que tem no vizinho reino, mas que não continham cousa alguma que indicasse que ela fosse receptora ou transmissora de correspondências suspeitas”.
Num outro ofício, enviado para o Ministério do Reino, indicam-se todas as dificuldades para obter informação sobre planos carlistas e os parcos resultados da apreensão de cartas suspeitas, depois de cumprir as formalidades legais exigidas para o efeito – auto de diligência e solicitação pela autoridade judicial da comarca. Algumas cartas eram escritas em estilo figurado, só podendo ser decifradas em Espanha; outras com indicação errada ou falsa de vilas ou povoações que não existem no Distrito; uma outra destinada a Alexandre Mosqueira, na Rua de Trás, não era conhecido o destinatário, procurado dias antes pelo carteiro, antes também de se terem feito diligências no sentido de obter informações sobre planos carlistas espanhóis na cidade de Bragança; a carta de Ramon Fontecha também não lhe foi entregue, por não se encontrar, de acordo com a indicação do carteiro no subscrito do envelope, nem foi reclamada no correio.
“As cartas apreendidas e abertas neste Governo Civil pela autoridade judicial pouca luz lançam na questão dos projectos carlistas (...) mas a carta N.º 11, 12, 13 foi a que mais chamou a minha atenção, acerca da qual procedi às mais rigorosas investigações (...) assinada com o pseudónimo de Roque, é um espanhol, que há perto de um mês residia nesta cidade, exercendo a profissão de marceneiro, chamado João Pelaes Álvares, natural de Pandorado, província de Léon e apresentou a cédula, de data recente, mostrando que não era emigrado. Mandei a cédula (...) ao Governador de Léon, ao qual pedi que me dissesse se o documento era legítimo ou se o seu portador se achava implicado em crimes civis ou políticos – ainda não obtive a resposta.
(...) Fiquei sempre suspeitando que ele não era o que se inculcava e esteve sempre mui cuidadosamente vigiado até que no dia 10 me constou que ele lançara ao correio uma carta para Lisboa, carta que fiz apreender (...). Chamou logo a minha atenção o bilhete (n.º 12) incluso na carta dirigido a um furriel de Caçadores N.º 3, convidando-o a ir ao Porto. Para averiguar o que a tal respeito pudesse haver oficiei logo o Comandante do referido Batalhão, dando-lhe conhecimento do bilhete e pedindo que ele procedesse a rigoroso interrogatório (...). Na administração do concelho foi interrogado o espanhol que escrevera a carta (...) a que foi presente o secretário geral deste Governo Civil, mas que não produziu resultado algum, pelas respostas contraditórias e de todo o ponto inacreditáveis que o interrogado deu. É certo, porém que a carta a que me tenho referido, dirigida a José Reis (...) era para um D. Pascual, que o interrogado se negou pertinazmente a declarar quem era, bem como qual a empresa ‘empreñada’ a que esta carta se referia, apesar de dizer que o conhecia. (...) Não podendo fazer aqui nenhumas outras diligências, acerca das cartas apreendidas, envio-as, com o respectivo auto a V. Ex.ª para os fins que tiver por convenientes; devendo, porém, certificar mais uma vez a V. Ex.ª que não poupo esforços para descobrir os planos e projectos carlistas e que por mim e pelos meus subordinados exerço e faço exercer a mais activa e constante vigilância sobre tão momentoso assumpto”.
O telegrama, dirigido ao Administrador do Correio de Vila Real, reflecte também as dificuldades da apreensão de cartas, suspeitas de traduzirem alguma cumplicidade com os planos revolucionários carlistas, onde a colaboração com várias instituições de distritos mais próximos se tornava imperioso: “Por motivos de grave suspeita rogo se envie ordens ao Director do Correio desta Cidade que retenha em seu poder as cartas de Espanha e as que daqui se expedirem e que por mim lhe forem indicadas até que o governo resolva a consulta que lhe dirijo sobre o assunto”.
Idêntico foi o conteúdo do ofício enviado ao Director do Correio de Bragança: “Por bem do serviço público, rogo a V. Ex.ª (...) enviar-me todas as 2.as e 4.as feiras uma relação das cartas procedentes de Espanha e das que para aquele Reino forem expedidas de Portugal, em que se declare – nome dos destinatários e residências, procedência postal, data da entrada na estação postal expedidora, data da saída – qual a língua do subscrito e, além destes acrescentará V. Ex.ª todos os mais esclarecimentos e informações que julgar convenientes”.
Para o administrador do Concelho de Bragança, envia-se em 21 Outubro de 1870 um ofício, referente às suspeitas em relação a um espanhol que recebia, frequentemente, correspondência de Espanha: “Luciano Martins (...) recebe frequentemente correspondências de Espanha que é de supor não sejam para ele mas que vindo sob o seu nome, encobrem os verdadeiros destinatários e como pelas comunicações que lhe tem sido feitas está V. Ex.ª ao par das tramas dos inimigos da ordem publica em Espanha e em casa do referido Martins residem alguns espanhóis, cumpre que V. Ex.ª chamando este indivíduo a essa administração procure investigar para quem são as aludidas cartas, qual o seu conteúdo e o motivo por que vem sob o seu nome, ocultando-se assim o verdadeiro”.
A procura da identidade de suspeitos, colaboradores e dos seus planos, passava forçosamente, por reter cartas ou documentos escritos e, através deles, obter informações comprometedoras e fundamentadas. Apesar de tudo, muitas vezes achavam-se apenas notícias com dados particulares ou familiares.
Livro de Correspondência da Administração Geral do Distrito de Bragança, N.º 26, Confidencial, Caixa 8, 162, Maço 33, Anos 1870-1874, Fundo Documental do Governo Civil de Bragança, no Arquivo Distrital de Bragança.
Maria da Graça Martins
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