Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Se tivesse nascido em 1900 e não tivesse sucumbido à gripe espanhola de 1918, do virus influenza e pesaroso ouvisse falar que morreram cem milhões de pessoas em todo o mundo, o meu pai, decerto, me teria dado um macho e andaria pelo mundo a comprar e a vender. Calcorreando caminhos velhos.Talvez vendesse azeite, vinho, polvo seco e mercearia… talvez comprasse peles, cornichoilos e todas as miudezas da horta que coubessem nos alforges. Depois comeria umas batatas à espanhola na taberna da tia Carçona, pagava com um pataco e seguia viagem. Com sorte ainda encontrava junto ao pontão, as raparigas que lavavam no ribeiro e poderia sonhar com noites alvas, na alvura do linho que corava ao sol. E talvez fosse feliz…real… humano e produtivo.
Se tenho nascido nesse tempo poderia ser um comerciante, ter um Soto com uma balança romana, aprender a sapateiro como os meus tios, oficiais nas suas sapatarias, ser um homem com colete, negociando nas feiras. Assim, aprendi a pensar e a inquietação do pensamento e acho que me falta tempo, porque me enganei no tempo e por isso escrevo estas coisas como um vício, enquanto ouço o meu pai, para todo o sempre, levantar-se cedo, comer umas sopas de ovo e partir para o negócio. Acho que me enganei no tempo… no espaço… mas por contradição gosto do que faço, nesta permanente interrogação filosófica… mas tenho que voltar de novo:
- Tia Carçona, quanto me levais por uma espanholada?!
- Quereis trocar por um litro de azeite?!
Entretanto deixo este desabafo que não serve para nada, enquanto sonho com as ladeiras de Izeda condensadas na pobreza do meu texto inútil… memórias… talhadas na obediência cega da circunstância e do acaso enquanto vou resistindo a outra pandemia... dum tempo real...estranhamente real.
Se tenho nascido nesse tempo poderia ser um comerciante, ter um Soto com uma balança romana, aprender a sapateiro como os meus tios, oficiais nas suas sapatarias, ser um homem com colete, negociando nas feiras. Assim, aprendi a pensar e a inquietação do pensamento e acho que me falta tempo, porque me enganei no tempo e por isso escrevo estas coisas como um vício, enquanto ouço o meu pai, para todo o sempre, levantar-se cedo, comer umas sopas de ovo e partir para o negócio. Acho que me enganei no tempo… no espaço… mas por contradição gosto do que faço, nesta permanente interrogação filosófica… mas tenho que voltar de novo:
- Tia Carçona, quanto me levais por uma espanholada?!
- Quereis trocar por um litro de azeite?!
Entretanto deixo este desabafo que não serve para nada, enquanto sonho com as ladeiras de Izeda condensadas na pobreza do meu texto inútil… memórias… talhadas na obediência cega da circunstância e do acaso enquanto vou resistindo a outra pandemia... dum tempo real...estranhamente real.
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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