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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Um Certo Turismo Rural a Nordeste

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Estou sempre de regresso ao Nordeste onde é possível escrever como quem come pão centeio, bebe do vinho da pipa e embebeda-se com a água do ribeiro a regurgitar de peixes avaros dos mistérios dos poços fundos.
Então tudo é fácil, o grande livro do Nordeste está aberto e só é preciso copiar a cópia cem vezes repetida na escola da vida.
A tia Augusta, de avental de cotim às riscas penteia-se na varanda, com o bigode muito bem-posto e chama as suas pitas que comem o renovo da vizinha.
O Tio Lopes, há anos que não fala com a tia Augusta, coisa de namoricos antigos, ciúmes velhos em tempos da Senhora da Ribeira. Contudo, a Tia Augusta admira-se como o tio Lopes lavra o seu quintal, rasgando a terra num namoro perene com os sulcos direitos e fundos, acariciando a semente para que a planta nasça num anúncio cúmplice com a natureza.
Por isso, eu continuo a acreditar no Nordeste e no Turismo rural que timidamente já é uma mais-valia.
O Jaime que já esteve em França, vocês conhecem, pois então, ele até comprou uma camioneta para ir ao negócio, mas as coisas não lhe correram bem, pois, vocês conhecem o Jaime, já ergueu o seu pombal, com dinheiro fresco vindo da Europa. A brancura do pombal será o renascer do Nordeste afeito aos voos largos no esvoaçar de mil pombas.
E se o Turismo trouxer gente, ávida de memórias ancestrais, será possível evitar a fatalidade da morte anunciada da nossa terra. E o forno vai cozer de novo trigo alvo arrancado com valentia ao coração do Nordeste que se cansou de trazer ao colo fragaredos infindos e se resolveu na maternidade da farinha, do azeite, das cerejas vermelhas e amêndoas doces, anunciando esta terra prometida onde corre leite e mel.
O moleiro está de regresso ao rio depois de tanta ausência do convívio das noites de lua cheia e da pedra alveira amante da farinha branca como a neve das invernias.
O milagre vai acontecer, porque o Turismo rural reclama que se acorde o lavrador, se avise o pastor, se erga a forja, se renove a casa de pedra, se povoe a capoeira, se acenda o forno, se abra a adega, se faça o folar, se encomendem as almas, se solenizem as Endoenças, que vamos às romarias, que matemos o porco, que façamos alheiras e curemos os presuntos, porque o Turismo rural reclama que tenhamos está força telúrica em preservar as nossas memórias sem descorar o futuro e o desenvolvimento. Memórias que vêm do princípio dos tempos.
E então talvez possamos dizer: o trigo já está na tulha, as vinhas vindimadas e as castanhas ainda esperam mais umas chuvas bem caídas até que os ouriços se comecem a rir para a gente. Os lavradores mais cuidadosos já espreitam o vinho, fazem um garrafão de jeropiga, enquanto as mulheres se entretêm a fazer compotas de quase tudo. Compotas de pêssegos, cerejas, ginjas, amoras, marmelos, figos, numa infusão de açúcar em ponto.
Assim, acredito que o Nordeste tem futuro. Acredito que vindos de longe, das canseiras e do desassossego do mundo, outros Povos chegarão a este último reduto onde a vida ainda é possível, onde o homem foi capaz de humanizar a natureza sem se desumanizar, nesta cumplicidade de quem sabe que a cultura tem que estar ao serviço da humanidade, independentemente deste despudor que se chama aldeia global, onde perdemos a privacidade da nossa casa e a diferença de comer as batatas com a casca porque não gostamos delas doutra maneira.
Com essa gente, vinda de longínquas paragens, virá dinheiro e principalmente mulheres à beira de serem mães e nascerão crianças e de novo abriremos a nossa escola na alegria do “giroflé giroflá” cantado em jogo de roda pelas crianças que vieram de longe.
O Nordeste povoar-se-á na alegria dum desenvolvimento sustentado, de novo correrá leite e mel nos nossos vales tão floridos de estevas e giestas e faremos, sem dúvida, a nova Páscoa, nem que seja a Páscoa duma utopia consentida, mas que desejamos.


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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