Um Reino Maravilhoso, de Miguel Torga (1941) era citado com tanta frequência em cerimónias, discursos, vídeos promocionais e afins que a sua repetição exaustiva rondava o ridículo. Claro que o texto teve o seu tempo e terá a sua beleza, mas como jornalista já não aguentava ouvir as duas palavrinhas mágicas.
Este texto é só para vos estimular a parar de repetir sempre a mesma coisa; é só para vos desafiar a tirar do gira o disco riscado.
Escrevi isso numa nota de um livro meu que anda por aí, sem fama nem glória (como é próprio a tudo que é meu e nosso) e, desde que voltei, pensei até que já vos tivesse passado essa fixação, mania, paixão.
Creio que não. Tudo está bastante igual, estancado entre a praça das bolas e o belíssimo Castelo, não há dia que passe sem vos vir à mente a citação do um escritor de Vila Real. De Vila Real! Por amor de Deus! Ainda se os houvesse em Mirandela, a “flor do Tua”, sempre ficaria mais perto!
Há coisas que devemos deixar de dizer, para que deixem de existir. Não, podeis continuar a citar essa coisa dos reinos, quando todos os reis estão mortos.
O que deveis de deixar de dizer e, sobretudo, escrever, sugiro, sejam coisas como: “interior”; “Portugal profundo”; “desertificação rural” e outras que por ora esqueci, mas dizeis e vos colocam de parte, à parte de um país normal, são da cabeça e nada esquizofrénico.
Eu sei que não faltam razões para vos queixardes. É assim hoje, como foi outrora, no tempo do Camilo Castelo Branco e, nesse tempo ainda havia gente a obrar a terra, a fazê-la parir à força espigas de pão nosso e erva da nossa carne.
Eu sei. Mas, de pouco servem palavras quando não tendes o poder de mudar as coisas. Eram quatro deputados. Passaram a três. Talvez cheguem a dois... E os exemplos, alguns semelhantes ao anjo do Camilo... podemos debater outras coisas, como uma mudança na legislação eleitoral, por exemplo. Eu sei, quereis a regionalização, mas não podemos mandar neles. Eles são mais. Teremos de ser, certamente, um pouco melhores. Talvez nem fizesse grande diferença mudar a lei eleitoral legislativa, mas dar-me-ia mais ânimo saber que o meu voto, como nas presidenciais, conta igual a qualquer outro. Reparai, os deputados, três, não nos podem realmente representar. Têm o dever de disciplina e essas coisas todas. E também sabeis que na hora de escolher sois mais portugueses do que apenas portugueses transmontanos. Escolheis o que quereis seja primeiro-ministro ou estais no contra. E, se sois do contra, lá ficam os vossos votos, em vão contados, a boiar em saco roto, igualzinhos aos não votos dos que nem sequer deram um passo e fizeram um X com a caneta apoiada no dedo médio. O dedo médio até dava jeito à nossa belíssima capital, mas nós (em larga escala) seremos daqueles requintadíssimos “portugueses de bem”, porque nem escolha teremos.
Não sei o que seria melhor. Assim, talvez fosse bom para os inomináveis e não é isso que quero, mas seja feita a vossa vontade, que eu, hoje, como outrora, depressa me despacho disto tudo, porque em verdade vos digo se pode viver no mundo inteiro (e morrer também, claro!).
Então, enquanto reflectis ou não reflectis em outras reivindicações, sugiro apenas que pareis de vos tratar como parte decepada deste catita país, pequenino e, um nada, fofinho.
Primeiro, isto aqui não é um reino, nem uma república. Faz parte de uma República sem rei nem grande dote, que não se deveria dar ao luxo de desperdiçar o tanto que desperdiça, talvez por ainda se julgar dona do “Novo Reino” sublimado, ou porque seja difícil gerir contas pequenas. Se fazeis parte, ou reivindicais a independência, como a Catalunha, a integração no reino de Espanha, ou parai lá com isso, porque não resulta!
Segundo e mais importante ainda, Portugal não tem interior porque um país é um interior cercado sobre si mesmo dentro de uma fronteira. Se quereis dizer que estais longe da praia, então sejamos concretos, Bragança não tem comboio para Lisboa porque os Lisboetas não vêm aqui à praia. Os fundos vão para o Porto, porque eles têm aquele passeio da Foz que é máximo! A inclinação marítima é coisa que vem já dos tempos da Taprobana, coisa para ter mais de 500 anos. Não é fácil calcar deste lado e invertê-la, mas podemos viver com inclinações. Chamemos-lhe o que é, e não é interior nenhum que aqui não andamos com a entranhas de fora, nem com o peito ao léu no Inverno! É uma inclinação, um desequilibro mental, não nosso, mas do país, coitadito, inclinou e agora continua inclinado e inclinado estará.
Insisto, quando não podemos mudar a realidade, podemos mudar as palavras. Isso é nossa liberdade. Podemos descrevê-la melhor, interiorizá-la melhor, fazer dela uma realidade mais aceitável. Em vez de sermos do interior, somos do rectângulo inclinado sobre o Atlântico. Fica bonito! Ou então, mais prático, sou de perto de Espanha o que é muito real. “As regiões ao pé de Espanha são discriminadas em relação às regiões do litoral na atribuição de fundos comunitários”. Ficava bem nas notícias que eu, graças a Deus, já não escrevo. (Não é preciso dizer “negativa” porque discriminação em português significa sempre coisa má) Chamava a atenção de Espanha, o que é preciso. Também é preciso chamar a atenção da Europa. Para os restantes europeus um país do tamanho de Portugal ter um tal interior “esquecido e ostracizado” não faz qualquer sentido. Agora se lhes formos dizer que o dinheiro vai todo para os ricos das praias e os que estão ao pé de Espanha, por estarem ao pé de Espanha, não apanham nada, nem linhas, nem comboios, nem ligações à Europa (auto-estradas só depois das outras e a pagantes), nem gente que sai toda para povoar lá os bairros das cidades grandes deles... Até podia resultar. Não sei. Melhor era sem dúvida.
Depois, vem tudo o resto. Aqui, pelo menos este ano, não há desertificação nenhuma. (Há é muito mato a crescer entre pinheiros, eucaliptos e estevas e Deus permita que não se esqueçam daquilo que já aconteceu.) Existem duas palavras na língua portuguesa para definir dois conceitos distintos, embora semelhantes. Uma é desertificação, que deveria ser usada apenas para definir o conceito de lugar ermo, sem vegetação e sem espécies animais de grande ou médio porte, incluindo animais que se chamam gente. Outro é o despovoamento e contra esse já D. Sancho lutava no seculo XII. Parece que é coisa antiga, coisa de reino pequeno. Mas, ao pensar nisso, vejamos os que fez D. Sancho I e, em vez de “combater a desertificação”, passemos a sugerir políticas de repovoamento (não o cinegético que esse está a bombar, lá para a minha zona) dos concelhos despovoados. Afinal o que eram os forais? Poderíamos sugerir “novos forais” (fica bonito e chama a atenção), assim forais para a administração do território com baixa densidade populacional, a requalificação agrícola, a qualificação tecnológica (porque à industrial já não chegaremos) e isenção de pagamento de impostos ao “rei”.
Pois, aqui vem logo o problema de dar mais poder aos presidentes de câmara o que em dicionário português médio e desprivilegiado de fidelizações (a não ser as bancárias e as das telecomunicações) mais “incentivos” à fixação de população por mérito incerto ou condicionado e, até, desmérito. Além disso, quem teria coragem de fazer uma reforma agrícola e uma requalificação rural, de verdade, incluindo esses recursos riquíssimos que, como a fronteira é só humana, vieram de Espanha, os cinegéticos, sim? Então deixemos as coisas como estão. Não vale a pena sequer estar a pensar em outra coisa. Não falemos mais disso. Não estamos desertos nem despovoados. Somos só portugueses e os portugueses uns são ricos, outros pobres e outros, cada vez menos, remediados.
Como somos portugueses, e cidadãos do mundo, não nos tratemos a nós próprios como súbditos de um rei imaginário, que vive num paraíso encantado de sonhos onde irão afluir toneladas de turistas, colocados a torrar nas fragas, no sol de Julho, ou no escuro do Inverno, a juntar cepas no lume de um lar que é nosso mas vive só na nossa cabeça, sugiro apenas...
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