Bragança é o concelho onde vivem mais comunidades ciganas em barracas e acampamentos e foi hoje escolhido para início de uma série de visitas pelo país da Subcomissão Parlamentar para a Igualdade e não Discriminação.
A Subcomissão tem como missão elaborar, até julho, um relatório sobre racismo, xenofobia e discriminação étnico-racial e hoje, em Bragança, a deputada relatora do documento em preparação, Catarina Marcelino, encontrou o que considerou ser “inaceitável” em Portugal no século XXI.
“Cabe-nos a nós, enquanto parlamentares, verificar e chamar a atenção de quem tem responsabilidades políticas e públicas sobre esta matéria para que a situação se altere”, afirmou, no âmbito da visita que fez às comunidades ciganas que vivem no bairro dos Formarigos.
De acordo com Catarina Marcelino, “há um estudo do Instituto de Habitação (IRU) que diz que Bragança é o local do país onde vivem mais comunidades ciganas em habitação não clássica, ou seja em barracas e em acampamentos e nós escolhemos esta realidade para vir visitar e verificar no local esta situação”.
Segundo o Serviço Diocesano das Migrações e Minorias Étnicas da Diocese de Bragança-Miranda, esta é a “situação mais chocante” a nível local, que segue estes casos e acompanhou hoje os parlamentares.
Ana dos Anjos tem 80 anos e vive numa das barracas do bairro dos Formarigos. As visitas encontram-na sentada ao sol, na rua, em frente a uma lareira improvisada com lixo, junto à porta da barraca onde dorme entre lenha e um amontoado de objetos.
É diabética, cardíaca e vive “em condições inqualificáveis”, como vincou Fátima Castanheira, do Serviço Diocesano, que vai vê-la frequentemente para “ver se toma os medicamentos e dar-lhe algum carinho”.
“É o que me vale, que as filhas não olham por mim”, desabafa Ana, que conta que tem onze filhos e nenhum quer saber dela.
Nunca teve uma verdadeira casa, mas não gostava de sair dali e muito menos de ir para um lar: “Eu quero viver aqui”, vincou à Lusa, garantindo que ainda faz a comida e vai para a cidade a pé.
Ana vive “de pedir e da reforma de cinquenta contos (250 euros)” e tem um cadeado no que serve de porta da barraca.
Junto a Ana vive uma comunidade de cerca de 20 pessoas, a maioria crianças e jovens, uma realidade parecida com o local onde vivem, em caravanas, António Rodrigues e Maria Alzira, depois de a casa da câmara que habitavam ter ardido há cerca de dois anos.
Vivem da reforma de “trezentos e tal euros” de António, que dá de comer também “aos netos, aos filhos”.
Construir “pequenas moradias ao jeito deles”, com “cozinha grande com uma lareira para fazer lume e depois o quartinho para os meninos e o quartinho para as meninas”, é a solução apontada por Fátima Castanheira.
O Serviço Diocesano não trabalha com fundos. Apoia sobretudo no encaminhamento das situações, nomeadamente para o Rendimento Social de Inserção (RSI).
Afirmando que têm também feito “chegar à Câmara Municipal” estas situações, Fátima acredita que “da parte da comunidade cigana as coisas têm mudado”, com mais elementos a passarem pela formação profissional, embora ainda persista “o estigma”, nomeadamente na aceitação no mercado de trabalho.
Apesar de no local hoje visitado brincarem crianças, assegurou que “todos os meninos estão na escola, no pré-escolar ainda que não seja obrigatório” e “a transformação está-se a fazer exatamente aí”.
A escola do 1.º ciclo dos Formarigos mantém-se aberta com as crianças desta etnia, onde, em oito alunos, só uma não é cigana, como observou Raul Gomes, do Agrupamento de Escolas Emídio Garcia, que coordena um projeto que faz a mediação entre estas comunidades e o meio urbano.
O presidente da Câmara, Hernâni Dias, deslocou-se também ao local para confirmar que o município fez um levantamento das famílias desta etnia que estão distribuídas pela cidade e duas ou três aldeias, com pelo menos uma centena de elementos.
A autarquia tem vindo a realojar algumas em habitação social e na zona histórica, quando é possível, mas “não consegue resolver por si só” o problema, disse o autarca, indicando que aguarda “verbas e programas específicos nacionais que possam ajudar”.
Os parlamentares visitarão nos próximos meses comunidades ciganas, afrodescendentes e brasileiras, porque a maior parte das queixas apresentadas à Comissão Contra a Discriminação Racial são destas comunidades.
A deputada Helena Roseta explicou que um levantamento das carências habitacionais feito a pedido do parlamento dava conta que “no país existem à volta de 26 mil famílias” nestas condições, mas os números podem ser “bastante maiores”.
A parlamentar recordou o programa 1.º Direito que está a arrancar com 40 milhões de euros este ano, sendo que, para terem acesso, os municípios têm de fazer aprovar pela Assembleia Municipal uma estratégia de habitação.
Agência Lusa
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