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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 15 de março de 2020

A CASA DA CÂMARA MUNICIPAL. O TRIBUNAL DE AUDIÊNCIAS

Em rigor, desconhecemos quando é que, para decidirem sobre os assuntos de interesse coletivo, os vereadores da Câmara deixaram de subir os degraus de acesso ao interior do edifício românico que tinha sido lançado sobre a abóbada granítica da Casa da Água, ao lado da Igreja de Santa Maria. Mas acreditamos que entre as razões ponderosas que aconselharam o abandono deste austero volume pentagonal, ritmado por uma sucessão de aberturas com arcos de volta perfeita, deve ter estado a constatação de que o coração da Cidade já não batia no interior do recinto amuralhado do castelo.

Primitiva Domus Municipalis de Bragança

Datado da primavera de 1825, um ofício do juiz de fora apontava um conjunto de iniciativas e melhoramentos, reformas levadas a cabo nas artérias urbanas, fontes e pontes, citando ainda, sem se alongar, as reformas introduzidas nas “casas do Senado”. Eventualmente, esta notícia poderá ser complementada com uma outra divulgada por Pinho Leal, em 1873, quando escreveu que “há coisa de trinta anos, uns vereadores tiveram a lembrança de lhe mandar abrir umas janelas quadradas”. Distantes de qualquer valor estilístico, as inovações introduzidas no vetusto edifício da Câmara, em última análise, parecem inscrever-se no esforço de sincronia da instituição municipal com a complexidade resultante da definição de novos campos em que variantes como a religião, a política, os direitos individuais e a gestão urbana, passariam a assentar em bases muito diferentes das práticas que eram correntes no Antigo Regime.
Bastaria centrar a atenção nas disputas acentuadas pelas invasões napoleónicas ou nas que muito se acenderam depois de 1820, com as contradições, os voluntarismos e as resistências que se manifestavam à medida que fluíam pelos aglomerados transmontanos as mesmas palavras de ordem que, anos antes e noutras paragens, tinham sido ouvidas no assalto à Bastilha. A própria Igreja, tão amante da tradição e da estabilidade, ver-se-ia envolvida num mar de imprudências e desordens que lhe minaram o prestígio. Olhe-se para o estado do Seminário de S. José, onde em 1824 se ensinavam matérias de escassa relevância, “já inutilizado… já devassado e aberto, habitando nele até pessoas do outro sexo, e já finalmente abandonado”.
E se o controverso D. Luís da Veiga Cabral da Câmara chegou a deixar o Paço Episcopal para morar em Castro de Avelãs, outros motivos aconselharam, após a morte de D. José da Silva Rebelo, o vigário capitular António Xavier da Veiga Cabral da Câmara a viver, pelo menos entre março de 1831 e abril de 1832, no Paço de Bragança.
Visava-se, sobretudo, “evitar estragos e roubos” na residência episcopal. Houve até casos em que próprio temor ao sagrado foi posto em causa, com a profanação das partículas consagradas e de roubos em igrejas como Santa Maria de Bragança. Neste ambiente de relativa desorientação pesavam os atritos criados com o Vaticano e o campo onde se cruzavam as linhas que separavam o clero miguelista do clero liberal.
Esta amálgama de comportamentos em que se chegou a pisar o plano inclinado da insânia deu a alguns o pretexto para defenderem que o edifício do Paço Episcopal seria mais útil ao serviço público se passasse a ser ocupado com repartições municipais. Uma ideia que parece não coincidir completamente com as palavras de José de Castro, quando afirmou que entre 1834 e novembro de 1840 a Câmara realizou as suas sessões no Paço do bispo.

Monsenhor José de Castro

É verdade que na reunião realizada em 4 de janeiro de 1840, sob a presidência de Francisco de Figueiredo Sarmento, os da governança local concordaram “que as sessões da Câmara se transferissem para o Paço Episcopal”, embora sem explicitarem as razões. Quatro dias depois, registava-se noutra ata que a Câmara estava necessitada de uma casa de audiência e que, de forma circunstanciada, era vantajoso reunir informação sobre “a necessidade que havia dela e a conveniência de que para tal fim se desse o edifício do Hospital Militar”, certamente a unidade que, desde o tempo de D. Pedro II, existia no cimo da Rua dos Gatos. O que, concretizando-se, significava a deslocalização da Câmara para proximidades das Eiras do Arcebispo e da Praça da Sé. Acreditamos que tal ocupação não chegou a concretizar-se. Contudo, no orçamento para 1840 inscrevia-se a verba de 60$000 réis destinada ao pagamento da renda para a casa de audiências.
A informação atual ainda não é suficiente para, com rigor, se poderem descrever todas as opções que se consideraram entre o momento em que a Câmara Municipal deixou a Casa da Cisterna e o momento em que se comprou a sede na Rua Direita. Em 1838, entregaram-se 15 300 réis a João Rodrigues, mestre serralheiro, pelos trabalhos realizados “na casa da Câmara, na torre, e cadeia pública”. Na prisão civil, já em maio do ano anterior se tinha ocupado na reparação das grades e de “outras pequenas obras”; e na torre, provavelmente, ter-se-á ocupado com o relógio. No que respeita aos trabalhos realizados na Câmara, os conhecimentos atuais não permitem determinar a incidência. Certamente que o mestre serralheiro João Rodrigues, sem que disso tivesse plena consciência, foi ainda um intérprete das convulsões que atingiram o País e a Cidade, as quais podem ser sistematizadas nas duas linhas da lauda correspondente à sessão de 5 de fevereiro do mesmo ano, onde se registou o pagamento “ao canteiro por deitar abaixo o pelourinho da Vila 4 000 réis (e) ao serralheiro 480 réis”. Logo a seguir à ordem para a desmontagem do símbolo das antigas liberdades municipais, a Câmara Municipal noticiou a assinatura de um compromisso relativo ao “arrendamento das Casas para as Audiências sitas na Costa Grande, por cinco anos, por preço anual de 30$000 réis”.
Uma informação importante, apesar dos seus contornos serem suficientemente difusos para tolherem o conhecimento do edifício no que respeita à sua configuração, ao seu estado e até quanto à possibilidade de verificarmos a continuidade da sua existência nos nossos dias. Mesmo assim, talvez por causa dos frios que muitas vezes antecedem o São Martinho, anotamos a despesa efetuada “com os vidros nas casas das audiências, na importância de 23$330 réis”.
Melhorias que davam resposta a necessidades básicas de conforto e que tinham em vista não anular a dignidade que convinha a um edifício de representação. Apesar disto, supomos que as intenções de ocupação deviam ser limitadas no tempo, uma vez que a atenção da vereação já estava centrada no empreendimento do Barracão das Eiras, um edifício de grande área para onde se projetava uma caserna para hospedagem da tropa de Infantaria e de Cavalaria que frequentemente entrava na Cidade, juntamente com um teatro e com as novas instalações para os serviços da Câmara Municipal e do Tribunal das Audiências.

Compra da nova Casa da Câmara e Tribunal de Audiências. 1862
Em dezembro de 1848, a Câmara continuava a pagar 40$000 réis de renda pelas suas instalações, juntamente com a Audiência, sendo que as “casas da secretaria” pagavam 15$000 réis. Mas nesta altura já se tinha percebido que o rendimento proveniente da incidência de dois reais sobre cada arrátel de carnes verdes não gerava fundos suficientes para se poder iniciar os trabalhos da obra da Câmara nova no Barracão das Eiras. A impossibilidade das receitas alcançarem os montantes necessários amoleceu vontades e, por isso, em 1850 já se declarava andarem “os fundos do Barracão legalmente distraídos para as obras da calçada” que então se construía entre a Travessa do Rio e a Rua do Loreto.
Em meados de novembro de 1853, quando se programavam as demonstrações públicas de dor por D. Maria II, declarava-se que a guarnição devia estar pronta junto “aos antigos Paços do Concelho”, sitos dentro da cidadela. Uma indicação que comprova como a sede do Município já não se encontrava dentro da Vila.
Em 1858, a Audiência ocupava um edifício distinto da Câmara, porque em julho deste ano pedia-se a “remoção do Tribunal do local em que acha”684 para outra casa, uma vez que carecia das condições necessárias para o seu bom funcionamento. O que significava que o primeiro andar de uma casa pertencente ao bacharel Manuel José Ribeiro, que se tinha tomado de arrendamento por 28$800 réis anuais, não se adequava bem à função do Tribunal de Audiências. Em resposta, a edilidade prometia o edifício da Alfândega, que iria ficar vago, e apontava as vantagens da proximidade da cadeia e da guarda principal. Em breve, outras possibilidades se iriam abrir.
Entretanto, a evolução do processo de apropriação da cerca e das construções do convento das freiras beneditinas ofereceu à Cidade o espaço e os edifícios que permitiram alimentar a ilusão de uma modernidade que, aparentemente, radicava no estabelecimento em sede própria dos diferentes serviços públicos. Adiante, ao tratarmos dos espaços pertencentes aos antigos conventos femininos veremos como a Cidade, através das instituições em que revia e se organizava, de índole eclesiástica ou civil, tentou fazer um corte com o passado e acentuar algumas diretrizes de caráter urbano.
Vencida a metade do século XIX, a acalmia política do País tendia a traduzir-se em medidas de fomento que permitissem recuperar o tempo e as oportunidades desbaratadas. Seria, pois, a crença num futuro mais promissor que levou os homens da Câmara de Bragança a olhar para o território que tinha pertencido às beneditinas. Aí seria a nova sede municipal. Porém, um documento lavrado em maio de 1859, se não anulava, pelo menos amortecia as expectativas dos mais otimistas: “como a Câmara não tenha até hoje podido começar no extinto Convento de São Bento desta Cidade as obras necessárias da casa para acomodação da Câmara, Administração do Concelho e Tribunal das Audiências”.
Embora não se explicitasse, vê-se que algumas dificuldades assombravam o presente mas sem serem determinantes já que, no ano seguinte, o Governo Civil pedia ao diretor das Obras Públicas para remeter “a planta dos Paços do Concelho”.Um testemunho que devia ser encarado como a resultante de uma vontade persistente e da firmeza de intenções, amplamente confirmado pelas resoluções produzidas em 3 de maio de 1860. Finalmente, acreditavam alguns, Bragança teria uma Câmara Municipal com a capacidade necessária para alojar condignamente os seus serviços.

Antigo edifício dos Bombeiros Voluntários de Bragança, antes e após a sua recuperação em 2004

No resto deste ano e no seguinte, alguns sucessos importantes ocorreram, embora não sejamos capazes de materializar a sua substância. Verificar-se-ia uma decisiva mudança de planos, a qual ditou o abandono do espaço na cerca de S. Bento a favor de um edifício de boa arquitetura na Rua Direita.
Na sessão de 27 de fevereiro de 1862, Diogo Albino Sá Vargas apresentou uma procuração dos herdeiros do comendador José António de Castro Pereira, na perspetiva da venda das casas da Rua Direita com frente para a Rua do Espírito Santo. Foi nesta sessão que os vereadores autorizaram o Presidente a assinar a escritura. Em 3 de março de 1862, celebrou-se a “escritura de compra e venda de uma morada de casas nobres e duas contíguas, nas ruas Direita e do Espírito Santo, entre a Câmara Municipal desta Cidade e o excelentíssimo Diogo Albino de Sá Vargas como procurador dos herdeiros do comendador José António de Castro Pereira”, outrora residente na Rua de Santa Catarina, na cidade do Porto. À frente da Câmara Municipal estava o barão de Santa Bárbara e seria no seu mandato que correriam as diligências essenciais para a aquisição do edifício, conforme a deliberação municipal que também mereceu o aplauso do Conselho Municipal, de 27 de novembro de 1861, e a anuência do Conselho do Distrito reunido em 10 de dezembro de 1861.
Vencidas todas as diferenças que se levantaram, e acertadas as condições do negócio, puderam as partes assentar as suas bases fundamentais, especialmente as que determinavam o preço e o faseamento resolutivo. Assim, estipulou-se que um primeiro pagamento de 1 000 000$000 de réis seria efetuado no dia 31 de dezembro de 1862 e um segundo, de igual valor, teria lugar em 30 de setembro de 1863. A partir desta data, a Câmara ficava obrigada a pagar mais 10 000 000$000 de réis ao ritmo de um 1 000 000$000 de réis de seis em seis meses. Portanto, o total do negócio cifrava-se nos doze contos de réis, “metal sonante de ouro ou prata, com exclusão de notas ou de outro qualquer papel que represente moeda ainda que curso forçado tenha”689, ficando também à conta da Câmara a contribuição de registo, selo e direitos de mercê, se os houvesse.
Relativamente às dificuldades de tesouraria, que eram relativamente correntes, é importante darmos atenção à ata da sessão de 5 de julho de 1862, porque aí consideravam os juros e tomavam-se providências para acautelar quaisquer eventualidades que pudessem obstar ao pagamento das letras passadas a favor dos vendedores. Ora, o que estava em causa era o desejo da Câmara Municipal em levar adiante e concluir a estrada do Sabor, “para o que foi auxiliada com uma verba votada pela Junta Geral na sua última sessão”, e, entre outras de menor importância, a obra do Tribunal das Audiências. Nesta perspetiva, como forma mais direta para a realização de capital, só se vislumbrava a venda de terrenos baldios “no termo da Cidade e fora dele”, um lance que poderia render quatro contos de réis.
Da escritura extrai-se a natureza da compra: casa nobre de dois andares e suas pertenças com seus armazéns situadas na Rua Direita e com saída também para a Rua de Trás, além de mais duas casas contíguas mas pequenas que tinham sido compradas ao conselheiro José Marcelino de Sá Vargas (de que se lavrou escritura em 12 de julho de 1834) e integrarão o casal do falecido comendador.
Quanto ao destino dos edifícios, pois na realidade eram duas grandes casas, considerava se: “a casa de que se trata é vendida para os Paços do Concelho – acomodação da secretaria de administração – e Tribunal das Audiências, que contém duas frentes, uma para a Rua Direita com dois andares, tendo o primeiro janelas de sacadas com balcões e gradarias de ferro, e a da Rua do Espírito Santo (Rua de Trás) igualmente dois andares sem janelas de sacadas”.


Agora, era o momento da Câmara abandonar de vez o projeto que alguns almejaram da mudança para o edifício das freiras de S. Bento. Por isso, satisfeita com as acomodações para os serviços e para o tribunal, a vereação, na sessão de 10 de julho de 1862, pôs “à disposição do Governo Civil deste Distrito a parte do extinto convento de S. Bento que lhe tinha sido designado pela carta de lei de 22 de julho de 1853”, uma oferta que foi imediatamente aceite.
No andar da casa da Rua de Trás funcionaria durante muito tempo o Tribunal, em cujos baixos também esteve, talvez provisoriamente, a cadeia. Contudo, a largueza de espaço permitiria que o vereador Carlos Almeida, interessado em dar solidez ao serviço contra incêndios, tivesse proposto a concessão provisória “do baixo do edifício dos Paços do Concelho do lado da Rua do Espírito Santo conhecido pelo compartimento do centro e o imediato a este pelo lado esquerdo em que se acha atualmente o material para o serviço da extinção de incêndios, a fim de ser destinado ao depósito do mesmo material e mais utensílios em poder da Companhia dos Bombeiros Voluntários”.
Aos bombeiros dava-se preferência nos empregos da Câmara. O seu uniforme era “cor de pinhão” com jaqueta e boné de corte militar. Os bonés teriam uma chapa com as armas da Cidade e os “chefes de turma” tinham um distintivo com duas estrelas de metal amarelo no braço direito.
Na Casa da Rua Direita ficavam as repartições da Câmara. Mas como a atmosfera finissecular tendia a cativar alguns espíritos mais sensíveis às curiosidades do passado e à espessura dos valores definidores da identidade nacional, entendeu-se engrandecer a Cidade com um museu. Neste sentido, a Câmara, acolhendo a proposta do vereador Sebastião Macias, deliberou “organizar um museu arqueológico em uma sala dos Paços do Concelho enquanto não obtenha edifício próprio, recolhendo-se e colecionando-se ali os objetos que para esse fim fossem oferecidos à Câmara”.
Ocupando agora um edifício notável, onde se manteve até 1937697, podia a autarquia emitir sinais relativos ao seu interesse na promoção da cultura. Porém, deixemos algumas notas relativas a um projeto mais antigo de uma sede municipal, que iria manter grande proximidade com um teatro.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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