(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Anos houve em que a Feira das Cantarinhas não teve o brilho doutros passados e servia o facto para desespero de alguns que nunca estão contentes com a "roupa que têm". Sim porque maior ou mais pequena, com sol ou com chuva, sempre se realizou na Cidade a Feira que desde a Idade Média é uma tradição muito brigantina.
É sabido que há épocas, espaços de tempo mais ou menos longos em que as crises dominam as sociedades reagindo estas mais ou menos aleatoriamente, pois as circunstâncias são-nos apresentadas de modo inesperado e a sociedade reage confusa e quase sempre desordenada.
Eventualmente este será o maior e mais inesperado acontecimento epidémico jamais enfrentado. E é também a epidemia que ocasionada por uma classe de vírus, novo e com capacidade de mutação e readaptação às condições de defesa que a humanidade lhe opõe. Finalmente é a primeira vez que uma situação se universaliza ao ponto de se ter espalhado por todos os continentes, causando o pânico em todas as comunidades atingidas e deixando um rasto de morte da ordem das centenas de milhar.
E chegado aqui, vamos manter a calma, sem perder a vontade nem a cabeça e deixar que os nossos médicos e cientistas façam o seu trabalho bem assim como as equipas de primeiros socorros e também os nossos Bombeiros cujo lema é Vida por Vida.
Eu, quando chega este tempo morno sinto dentro de mim um não sei quê de nostalgia que me condiciona o pensamento e me faz sentir num tempo passado que desejaria repetir ciclicamente. Ciclos anuais onde as rotinas não fossem portadoras de exceções que levam ao imobilismo e à perda de memória.
A feira das cantarinhas tem para mim uma carga simbólica grandiosa, que me faz pensar que o ritual contido no evento, era o princípio de um tempo que começava com o sol a brilhar mais e por essa razão as cerejeiras ganhavam o seu fulgor e de verdes se tornavam em vermelho e as cerejas me faziam lembrar a boca das moças do meu tempo de rapaz que eram a encarnação da beleza absoluta.
O vaivém constante de ranchos de cachopas que de tenda em tenda contestavam as brejeirices dos rapazes que as tentavam seduzir, num jogo eterno que a humanidade pratica porque assim está inscrito no código genético da sua condição. O ambiente era de festa, parecia que as dores se haviam findado e tinham sido substituídas por um estado de graça que perduraria até que Maio crescesse e nos trouxesse o fruto das nossas ilusões.
Foi tempo de sentir as várias fases em que se divide uma vida, pois a experiência do tempo cronológico é marcante para definir o pensamento que nos guiará através da vida e determinará o nosso sentir nos melhores e piores momentos.
Era a Feira das Cantarinhas um marco em vários aspetos, na excitação causada nas pessoas que demandavam a zona central da cidade para comprarem, ou tão só apreciar os montes de maravilhas que se expunham em grande quantidade pelas ruas.
Os feirantes desta Feira tinham um modo diverso do de outras feiras, esta era possuidora de uma mística que transversalmente influenciava as pessoas e criava como que um arco de entrada num tempo mais luzente que nos proporcionava uma outra realidade.
A Primavera estava com metade do seu tempo cumprido e a luz era mais clara, os frutos eram mais tenros e o gosto de viver era mais pungente. Nas ruas a multidão tagarelava, mil vozes que soavam a cantilena numa mescla de sotaques em que as vogais tinham mais força e os verbos no futuro eram mais vezes conjugados pois o futuro num tempo de calor era um desejo generalizado, após tanto tempo passado desde Outubro e que como as fragas de Sésamo se abriam ao pronunciar a fórmula mágica: -Abre-te Sésamo… E as fragas se abriram e os tesouros ficaram à mercê daqueles que demandaram tal lugar de magia.
Este ano não terei motivo para recordar esse tempo mágico da minha juventude em que o instinto era o meu guia, não sabendo ainda que as coisas que damos por adquiridas e que pensávamos imutáveis afinal, um dia, podem não virem a nós porque forças escuras e vindas das trevas o evitarão e nos farão compreender quão pequenos somos perante o gigantismo das forças ocultas. Resta-nos seguirmos em frente em direção à luz que vem com o Sol e Deus nos legou para que possamos ver os caminhos planos que as nossas vidas deverão trilhar para sermos felizes.
(O pouco que Deus me deu / Cabe numa mão fechada / O pouco com Deus é muito / O muito sem Deus é nada, (popular).
E termino estas minhas cogitações com a certeza que não verei este ano a Felicidade estampada no rosto das raparigas quando recebem as cantarinhas que os rapazes lhes oferecem num ritual de séculos que sedimentaram este uso de cotejamento tão peculiar da nossa Cidade e Região.
As verdadeiras Cantarinhas são fabricadas em Pinela e vendidas na Feira, mas devo também demonstrar o meu apreço pelas que os Oleiros do Minho fazem, pintam e decoram, com primor de uma arte secular e que tanta beleza nos transmitem.
Os meus parabéns aos Oleiros regionais e de outras terras que tão meritório trabalho executam para que a Feira das Cantarinhas seja o Ex-Libris da Região Bragançana
Bragança, 30/04/2020
A. O. dos Santos
(Bombadas)
Sr. AOdS, noutros tempos anos 70/80 vive nessa cidade (Bombadas) recordo de ouvir, sou filho do Cadima...
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