Negociantes e almocreves portugueses e espanhóis, trabalhadores rurais, mendigos, vagabundos e criminosos deslocavam-se, por razões de negócio, trabalho ou mendicidade, entre Bragança e a Espanha. Mesmo tendo em conta o exercício regular de uma atividade comercial legalizada, o fenómeno do contrabando obrigava a uma apertada vigilância sobre todos eles.
O Governo Civil de Bragança referia que sendo os passaportes obrigatórios, existiam fortes motivos para os negociantes e almocreves espanhóis não os solicitarem atempadamente ou nunca os exigirem, devido ao contrabando que, de forma furtiva, pretendiam realizar, não dando visibilidade, assim, à sua atividade. Com efeito, os espanhóis tinham “repugnância” em pedir passaporte para o exterior, porque “como de ordinário vêm buscar a este Reino façanhas, por contrabando”, não estavam interessados em dar conhecimento às autoridades os seus desígnios.
A lei determinava que era imperioso elaborar e registar corretamente as licenças ou guias de circulação dos estrangeiros que exerciam atividades comerciais como negociantes, almocreves e outros que se dedicavam ao transporte de mercadorias ou a vendas ambulantes, bem como conhecer-se o itinerário dos almocreves espanhóis, oriundos de Zamora ou de outras partes da região de Castela-Leão, que se dirigiam para Bragança.
Quanto às licenças concedidas a negociantes espanhóis, determinavam os regulamentos que estes não podiam ter lojas comerciais enquanto a licença não estivesse selada competentemente. Muitos comerciantes locais atestavam a favor de mercadores espanhóis com quem transacionavam produtos, confirmando os seus contínuos giros comerciais, dado que eram conhecidos e abonados pelos negociantes da Cidade de Bragança, estando, assim, dispensados de apresentar “passaporte visado”. Por exemplo, em 1840, os cidadãos espanhóis Pedro Romero e Pedro de Santiago foram encontrados sem passaporte, mas não foram presos porque, tal como a maior parte dos espanhóis comerciantes que entravam e andavam na região, em negócios, eram conhecidos pelos habitantes locais, que serviam de testemunhas abonatórias.
Os espanhóis que entravam pela raia seca com o objetivo de se ocuparem nas fainas agrícolas temporárias, a um ritmo cíclico e sazonal de sementeiras/colheitas, em migrações igualmente temporárias, tinham de se apresentar às autoridades das terras da fronteira, para estas inspecionarem a sua legitimidade, procurando, no entanto, dentro da conformidade da lei, facilitar ou não criar obstáculos de maior à entrada no Reino “destes espanhóis que vierem ocupar-se nos trabalhos rurais, exigindo-lhes somente o simples passaporte da autoridade local dos seus respetivos domicílios, sem necessidade de ser visado pelos nossos cônsules ou agentes diplomáticos.
Os jornaleiros que de Espanha entrarem neste País a procurarem serviço e trabalho rural, serão considerados como pessoas conhecidamente pobres e nessa qualidade devem ser- lhes concedidos gratuitamente os passaportes necessários para transitarem pelo interior do Reino, como bilhetes de residência, a fim de permanecerem nas terras em que eles efetivamente trabalharem” – assim refere a portaria de 29 de abril de 1840.
Com efeito, as migrações periódicas ou deslocações sazonais para certos trabalhos agrícolas, a partir da Terra Fria, mais concretamente do Município de Bragança, para Espanha, constituíam uma realidade que vinha já desde o século XVIII. Bandos de trabalhadores atravessavam a fronteira para participarem nas ceifas em Sanabria, Alcanizes, Zamora e por vezes mais longe, em migrações pautadas pelo calendário agrícola da região de Castela-Leão.
Para além de negociantes, almocreves e trabalhadores rurais, circulavam também outros espanhóis das mais diversas categorias. Ainda em 1876, o Governador Civil de Bragança dava instruções aos regedores das paróquias confinantes com a Espanha para vigiarem com especial cuidado e “incessantemente todos os espanhóis que não forem dos que habitualmente se ocupam em negócios próprios ou venham empregar-se nos serviços agrícolas, apreendendo e fazendo apreender os que encontrarem suspeitos ou se apresentarem para entrar ou sair do Reino sem estarem munidos de passaporte ou que pretenderem sair, e sem mostrarem documento passado em Espanha os que pretenderem entrar em Portugal”.
Os criminosos, mendigos e vagabundos, identificados como tal, eram vistos como elementos marginais e perigosos que podiam comprometer a segurança das povoações, unindo-se a quadrilhas de saqueadores e malfeitores, como refere a circular de 3 de dezembro de 1847.
O Governo Civil de Bragança, em 1860, tinha plena consciência de que as providências adotadas relativamente à mendicidade eram geralmente esquecidas, considerando que se viam “por toda a parte mendigos estranhos e principalmente naturais do Reino vizinho e os próprios do Distrito deixam de trazer as placas de metal que os identificam para com a sociedade, nos pedidos de esmola daqueles de seus membros que a autoridade reconheceu como incapazes de viver com o suor de seus rostos e como pede a dignidade humana”.
Identificar quem circula na região e quais as razões do seu trânsito ou permanência, permitiu recensear numerosas situações relacionadas com as infrações, punições e diligências da mais diversa natureza, que nos permitem concluir que os espanhóis faziam parte do quotidiano de Bragança, a quem a Cidade não era estranha por razões de natureza familiar, residência, trabalho, atividade ambulante ou fixa na Cidade ou Concelho, em movimentações temporárias, sazonais ou definitivas que, não raras vezes, extravasavam os limites territoriais do Município.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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