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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

BRAGANÇA: ANOS DE 1700: QUADROS SOCIAIS- PRESO COMO FAUTOR DE HERESIAS

Já em outra ocasião falámos de António Malheiro da Cunha e das suas origens, humildes e pouco de acordo com o ordenamento canónico. Criou-se na Ervedosa, mas cedo foi para a cidade de Bragança, onde teria proteção do avô materno, António Malheiro e onde, naquele tempo, a carreira militar se apresentava muito atraente. 

Subiu a carreira a pulso e ocupava o posto de sargento-mor na praça de Bragança quando, Sua Majestade lhe concedeu do Hábito de Cristo. Para, efetivamente o receber, tornava-se necessário provar a sua limpeza de sangue e modo de vida “à lei da nobreza”, eufemismo para dizer: riqueza, abundância de bens. Veja-se o relatório das “provanças”: - A António Malheiro da Cunha foi V. Majestade servido fazer mercê da Ordem de Cristo e das provanças que se lhe fizeram para a poder receber, constou ter a limpeza necessária. Porém, que o mesmo justificante é maior de 50 anos e que seu pai foi sapateiro e lavrador seareiro, a mãe tecedeira e a avó materna mulher humilde, pelos quais impedimentos se julgou não estar capaz de entrar na Ordem; do que se dá conta a V. Majestade, como perpétuo administrador desta… Lisboa Ocidental, 17 de Janeiro de 1720. (1) Recorreu o justificante, argumentando que foi pelos seus próprios méritos que o Rei o condecorou com a Ordem de Cristo, apresentando o próprio alvará de Sua Majestade e solicitando ao mesmo Soberano que o dispensasse das “provanças”. 

Era um recurso geralmente apresentado pelos candidatos que não pertenciam à Nobreza e tal condecoração era a porta de entrada para a mesma classe. O alvará de António Malheiro tem particular interesse por nos mostrar um pouco da evolução guerra. Veja-se então o mesmo alvará: – El-Rei, havendo respeito aos serviços de António Malheiro da Cunha (…) feitos nas províncias do Alentejo, Trás- -os-Montes, Beira e Principado da Catalunha, em praça de soldado, cabo de esquadra e sargento e nos postos de alferes, ajudante, capitão e sargento-mor de infantaria e nas praças de Bragança e mais, por espaço de 30 anos, 3 meses e 7 dias continuados, de 9 de Novembro de 1686 até 16 de Março de 1717, em que ficara continuando: no de 1704, sendo alferes, ir com 100 soldados de socorro para Alfaiates e assistir nela 8 dias, por recear que o inimigo a invadisse; no de 1705 se achar nos ataques de Valença e no assalto que se deu a brecha sair ferido com uma besta pelo braço esquerdo da parte a parte e no dito ano se achar na restauração de Marvão; no de 1706 nos sítios de Alcântara e Cidade Rodrigo e nas mais operações do exército que penetrou Castela até Valença e assistir, sendo já capitão, no quartel de ??? Pequena???, com contínuos rebates do inimigo; no de 1707 na batalha de Almansa, com muito valor até ficar prisioneiro e com 5 feridas muito perigosas, uma destas de bala que lhe levou o beiço de baixo e parte da língua com os dentes; e ficando prisioneiro em Bayona voltar para este Reino onde, no ano de 1708 se achou nas operações do exército no Alentejo; e sendo provido nos postos de sargento-mor das praças se haver com muita vigilância e cuidado em tudo o que tocava á sua obrigação com satisfação de tudo; Há por bem fazer-lhe mercê de alvará de ofício de justiça ou fazenda até 50 mil réis e de 80 mil réis de tença efeitos em um dos almoxarifados do Reino em que couberem sem prejuízo de terceiro e não houver proibição com o vencimento, na forma da Ordem de SM, dos quais serão 12 mil réis para sua mulher, D. Mariana de Morais e 50 mil réis em sua filha chamada também D. Mariana de Morais e os 12 que restam a cumprimento dos 80, os logrará ele a título do hábito da O. Cristo que lhe tem mandado lançar. 

Lisboa Ocidental, 31 de Março de 1719. (2) Atendeu el-Rei ao pedido do suplicante concedendo-lhe a Ordem de Cristo. Por esta altura tinha já a guerra terminado e António Malheiro era já um homem de prestígio na sociedade brigantina. E desde há anos, um esforçado colaborador da inquisição. Em prova disso está o facto de em Novembro de 1714, na ocasião da vaga de prisões que vimos tratando, ter sido depositado em sua casa o mais influente e notável dos 9 prisioneiros: Francisco Rodrigues Ferreira. Aliás, ele fora já “ocupado outras vezes para fazer prisões de cristãos-novos e por muitas vezes teve prisioneiros em sua casa”. Era capitão naquela altura e tinha um irmão, igualmente militar e com o mesmo posto que, em paralelo, era familiar da inquisição – Domingos Pires Malheiro, que por aquela altura faleceu. (3) E então ele decidiu candidatar-se, apresentando o requerimento em Julho de 1719. A essa altura, se bem que tendo casa montada em Bragança, António Malheiro da Cunha encontrava-se servindo no posto de sargento-mor da praça de Chaves. O seu processo de habilitação é muito interessante, por nos dar notícias de acontecimentos históricos e da paisagem social da região da Lombada, onde nasceram e viveram seus antepassados. 

Assim, ficamos sabendo, por exemplo, que a aldeia de Moimenta foi 3 vezes arrasada pelos espanhóis na guerra da Guerra da Sucessão de Espanha, com incêndio da igreja e dos livros de registo de batizados e casamentos, (4) pelo que não foi possível provar a naturalidade de um avô. Nem a do próprio candidato, pois também na Ervedosa os livros desapareceram, queimados no tempo da guerra. Da identidade dos seus pais e dos avós, já falamos quando se tratou do seu irmão Domingos, que era o familiar do santo ofício que dirigiu a coluna de prisioneiros para Coimbra. Chegado a Bragança e entrado na vida militar, António Malheiro tratou de casar, o que consumou com Brígida de Morais, “filha de um coveiro”, da qual, estranhamente, parece que as origens se não investigaram, com a profundidade costumada. Terá funcionado a “cunha” do padre Inácio Bernardes a quem o candidato escreveu, recordando as falhas dos arquivos paroquiais, acrescentando: - Peço a Vossa Mercê, que veja como temos de acabar de concluir este negócio (que se não podem achar livros que deem inteira razão destas coisas. Peço a V. M., podendo ser, que esta diligência venha cometida ao reverendo abade de Vinhas ou ao de Rebordãos (…) Espero que V. M. me faça honra e favor de encaminhar este negócio, que o saberei merecer. Chaves, 1 de fevereiro de 1721. (5) Voltemos a Bragança onde António malheiro ficou viúvo e voltou a casar, com Mariana de Morais, viúva de um alferes e mãe de um rapaz que se preparava para ser padre, tendo já recebido as ordens menores. Vale a pena espreitar os seus antepassados, nomeadamente o seu avô paterno, António Pires, natural de Moimenta, que veio para Bragança a servir os padres do colégio e o seu pai, Miguel Pires, que tinha a profissão de “entalhador e imaginário”. E este será um nome a ter em conta para a história dos entalhadores de altares e escultores de imagens de santos. 

Resta dizer que António Malheiro da Cunha recebeu carta de familiar do santo ofício em 28.7.1721. E se era pobre quando veio para Bragança e se alistou como soldado, então era já um homem de elevado estatuto social, com fazenda avaliada em mais de 6 mil cruzados (2 contos e 400 mil réis) e com um ordenado 300 mil réis/ano. Para que os números representem alguma realidade, diga-se que a jorna de um operário andava então nos 100 réis. E se ele era filho de um sapateiro, os seus descendentes contar-se-iam entre a elite da nobreza brigantina e trasmontana, reescrevendo a história da família.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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