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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 29 de junho de 2021

ARRANCADOS DA TERRA

 Por toda a sorte de travejamentos históricos, antropológicos, teleológicos e filosóficos presto atenção e estudo à civilização judaica, mesmo correndo o risco de desproporcionado e bazófia a empregar o vocábulo civilização. 
Não sendo judeu, julgo possuir algumas gotas de sangue a correr nas veias dos sefarditas vindos para a Península Ibérica após a destruição do Templo de Jerusalém, num percurso eriçado de cardos, abrolhos, silvas, sarças e pedras dos tortuosos caminhos cruzados e atravessados por mil armadilhas de caça aos judeus. 
Os itinerários da diáspora até chegarem à Península são conhecidos estando publicados em Atlas a possibilitarem-nos a real/realidade de com rigor formularmos o viver aperreado até chegarem a terras nas quais podiam esticar os braços, as mãos modelarem utensílios e artefactos, conceber comeres e beberes conforme os preceitos dietéticos consagrados no Talmude. Os agora raros e famosos cuscos foram concebidos no deserto em fogões portáteis de cerâmica pelos fugitivos judeus a par dos berberes, outras preparações culinárias tiveram a mesma génese (os renitentes em aceitarem a paternidade judaica consultem os receituários da religião mosaica), bem como o precioso beijinho da farinha do qual emanavam os ditos cuscos que ao contrário do propalado por gente inimiga de ler crónicas, cronicões e documentação de letra esgroviada requerem imensa oficina caseira, dias solarengos, colchões adequados e destreza manual. Judeus em Bragança? 
Não vou citar a bibliografia existente bebedouro sempre ao dispor, refiro Mendes dos Remédios, o Abade de Baçal e os processos perpetrados pela sinistra Inquisição, prefiro lembrar acção feia e involucrada na catequese de baixo do olhar do Senhor da Cana Verde, os claustros da Sé que me levou a correr ao lado dos demais meninos a estudarem e receberem o sacramento do Crisma, até à oficina de um sapateiro avô do António Eugénio e gritarmos JUDEU. O homem sentado na tripeça esboçou o gesto de se levantar, nós fugimos, no entanto fui travado pela senhora Dra. Margarida Machado, farmacêutica muito respeitada a qual censurou asperamente a nossa conduta. 
Dada a influência da Mãe do Tony, logo pensei na mão pesada do meu progenitor, logo esqueci a ganga da catequista a nomear malefícios atribuídos aos marranos e restantes judeus. Na rua Direita existiam marcas e métricas de cunho judaico, a Sinagoga, os próprios crentes a demandavam nos dias de culto. 
Na Bragança dos anos cinquenta do século passado existia o acentuado atavismo tolerante, do vive e deixa viver, daí o anti- -semitismo ser subterrâneo ou desprovido de significado social e político, no entanto, os termos judeu e acusa Cristos, eram casquinhados em tons jocosos depreciativos, porque ao fim e ao cabo judeus éramos «todos», por isso irmãos em Cristo. Na semana passada chegou à minha mesa de leitura e cogitação a obra Arrancados da Terra, do investigador brasileiro Lira Neto, no qual em escrita fluente escorada em fontes documentais rigorosas dá ênfase a um grupo de judeus sefarditas de peregrinação em peregrinação, 23 deles estão na génese de Nova Iorque. 
Os sefarditas da Península Ibérica correram Mundo, os nascidos e obrigados a abandonarem a vetusta Bragança muito contribuíram para tal, na sinagoga de Amesterdão o bragançano Oróbio de Castro terçou argumentos doutrinais com o, igualmente famoso Spinoza, ali repousam os seus restos mortais. No Arrancados da Terra, o autor descreve com minúcia o sistema totalitário da Inquisição, a cupidez dos seus membros, a resistência e angústia das suas vítimas, o crapuloso duplo jogo das Cortes as quais no «tapa-destapa» da utilização de cristãos-novos nunca existiu uma réstia de bondade relativamente aos seus financiadores, sim a ânsia pelo dinheiro destinado a suportar extravagâncias, pulsões militares e comerciais da nobreza de sangue azul, hereditária e perdulária. 
Os sefarditas ibéricos lograram levar a bom porto os seus objectivos apesar das tentativas do abafamento de pensamento e ideias provindas do seu labor, importa nos dias correntes não desperdiçarem energias nas bagatelas do quotidiano, continuarem fiéis a si próprios e orgulhosos do seu passado dos dias de dor, também dos momentos de regozijo e glória.

Armando Fernandes

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