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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 13 de agosto de 2022

A CONTROLADA REVOLTA INTERIOR DO SENHOR MINISTRO

 O ministro Couto dos Santos escreveu-me.
 É verdade. Mesmo sem me conhecer de parte alguma, escreveu-me. Zangou-se com o Expresso e, zás, pegou na caneta, e em vez de responder ao dito jornal — escreveu-me a mim! A mim e a milhares de professores.
 Como princípio e precedente, acho mal. Que diabo, as testilhas entre governantes e órgãos de comunicação social são mais que muitas. Se a moda pega, lá se vai uma boa fatia do Orçamento Geral do Estado só para circulares aos cidadãos. O ministro da Saúde é maltratado no Independente? Toca a escrever uma circular aos médicos e enfermeiros. O ministro da Justiça acha que o Diabo não tem razão? Toca a escrever uma circular aos juízes, delegados, advogados, escrivães e guardas prisionais, quando não aos próprios reclusos. O ministro da Indústria tem comentários a opor a uma nota do Diário de Notícias? Toca a escrever uma circular aos mineiros, estivadores, padeiros, operários da construção civil e correlativos.
 Assim não vamos lá. Mais juízo, apesar de tudo — embora decerto não mais razão — mostrou o presidente da Assembleia da República, que, como todos sabem, anda em guerra com os jornais todos à uma. Pois, em vez de estar a meter na caixa do correio de cada português as suas razões, pespegou uma nota de fim-de-noticiário no Canal 1 da RTP. Honra lhe seja feita, ao professor Barbosa de Melo, o do estômago magnífico: depois daquela coisa chata das flores para a sua residência, não quer dar azo a falatórios e faz agora uma aplicação dos dinheiros públicos mais do agrado do Tribunal de Contas.
 Isto de o ministro Couto dos Santos enviar uma circular a cada professor, em que começa por se dirigir a Senhor(a) Professor(a), para logo adiante introduzir um novo vocativo, Senhores Professores (como se dali para a frente as Senhoras Professoras deixassem de lhe interessar, ou como se se tratasse de contar uma anedota picante que as senhoras não devessem ouvir), não deixa de parecer uma provocação. Porque andam os professores há que tempos a reivindicar, a requerer, a manifestar-se e a escrever-lhe, e ele moita carrasco — para lhes responder exactamente quando eles não lhe tinham perguntado coisa nenhuma. Já é vontade de contrariar.
 É certo que os professores da minha escola não lhe ligaram meia. Apareceu aquela montanha de sobrescritos sobre a mesa da sala dos professores, e por ali tem andado ao deus-dará, ocasionalmente mirados de soslaio por um ou outro mais curioso, acaso lida a circular por alguém mais intrépido ou mais generoso —  mas por lá se conservam na quase totalidade. É certo que muitos dos envelopes desapareceram, porque os professores os acharam úteis para guardar alguma da papelada em que hoje anda afogado qualquer professor do sétimo ano de escolaridade. Mas o interesse pela carta do ministro Couto dos Santos não foi muito além desse pragmático aproveitamento dos envelopes. Foi muito dinheiro deitado fora.
 Ironia das ironias —  ou sarcasmo dos sarcasmos? — , bem perto do sítio onde foram despejadas as circulares, está afixado um papel que anuncia aos professores que já podem adquirir na reprografia da escola dois documentos essenciais para o desempenho da sua função docente, no quadro deste polvorinho pedagógico que anda no ar: os «Objectivos Gerais do III Ciclo» e os «Esclarecimentos sobre a Avaliação do 7º Ano». Custam os dois papéis cento e cinquenta mil-réis, salvo erro. A circular e respectivos envelopes pouco menos devem ter custado por exemplar. Digam lá: não seria mais sensato, lógico e pedagógico oferecer aos professores aqueles documentos do que o remoque do ministro Couto dos Santos ao Expresso? Obrigam-se os professores a comprar material que efectivamente lhes faz falta, como instrumento de trabalho que o patrão devia fornecer —  e impinge-se-lhes de borla a prosa chilra de um ministro que nasceu para tudo (como tem demonstrado) menos para escrever circulares!
 O ministro Couto dos Santos termina a sua circular (confesso o meu delito: eu fui um dos que leram a malfadada circular) falando de uma controlada revolta interior. Eu, que pelos modos não tenho esfíncteres interiores tão fiáveis como os do senhor ministro, receio que não possa controlar tão bem quanto ele a revolta de ver como a Educação —  que ainda ontem na televisão o primeiro-ministro continuava a apontar como a prioridade das prioridades —  se vai desintegrando, desvaliando, banalizando, barateando, obtendo um sucesso dos diabos na produção de analfabetos que há-de dar com o País em terra.

Apostila:
 Já me não lembro que testilha foi esta do ministro Couto dos Santos com o Expresso. Talvez tenha a ver com propinas, que naquele tempo andaram muito contestadas, ou com as provas de acesso ao Ensino Superior, idem.
 António Couto dos Santos, engenheiro químico de formação, foi ministro da Educação entre 1993 e 1995. Mas a sua polivalência levou-o a desempenhar muitos outros cargos, desde ministro e secretário de Estado em diversos ministérios, a deputado da Assembleia da República, a dirigente partidário, a gestor de comissões, fundações e associações. Verdadeiramente o que se chama um homem-orquestra!

(Repórter do Marão, 16 de Abril de 1993)

A. M. Pires Cabral

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