Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)
"As cartas tinham mãos que enlaçavam. Tinham corpo que se fazia presente sobre a distância das emoções ansiosas de chegar. As cartas eram os nossos olhos no coração do outro."
Escreve-me uma carta, pediste-me. Escreve-me uma carta...
E eu escrevo. Com o toque da pele sobre a textura delicada do papel, escrevo-te uma carta. Escrevo-te uma carta com as palavras que não saberia pronunciar.
Poderia ser a primeira de muitas cartas.
Mas hoje, sabes, já não se escrevem cartas de amor, meu amor. Perdeu-se a magia única da surpresa do sorriso, o encontro das letras descobertas dedo a dedo, despidas linha a linha com a suavidade de muitas pétalas que caem aos pés nus de quem se ama.
As cartas tinham mãos que enlaçavam. Tinham corpo que se fazia presente sobre a distância das emoções ansiosas de chegar. As cartas eram os nossos olhos no coração do outro.
Traziam consigo a alegria de todas as esperas. Uma forma tão própria de abrir portas e janelas no interrompido destino do tempo. Um modo tão único de prever a voz que nos permanecia nas memórias mais doces. Um modo tão especial de não apenas tocar, mas de nos afundar em mãos imaginadas, em lábios silenciosos.
Escreve-me uma carta, pediste-me.
Permite-me, então, que o teu olhar se encerre dentro de mim e deixa-me dançar ao compasso do pensamento que cumpre as letras de toda a nossa intimidade. E nele, oferecer-te a soma de tudo o que te sinto.
Braço dado com a imaginação do teu suspirado abraço, como poética confidência, te confesso que o perfume da nossa carta ganhou forma no sentir do que, um dia, me sussurraste em surdina, enquanto elogiavas a minha forma sincera de sorrir. Um sorriso largo, livre, vivo. É assim que gosto de te ver, disseste.
Como gostas de me ver desprevenida debaixo do teu olhar atento. Cabelos desalinhados, alça à vista sob uma manga desavergonhada descida sobre o ombro. Um retorcer pueril de lábios que não adivinham os teus olhos de gato.
Como gostas de me ver no dedilhar dos poemas que duvidas que te escrevo.
Como gostas de me ver nas sombras e luzes das fotografias que afirmas não gostares de ver, só porque não foram pensadas apenas para ti.
Como gostas de me (escre)ver num umbral de páginas brancas onde um tinteiro de alquimia te serve de inspiração.
Foi quando te entendi a simplicidade que seduz. Foi apenas quando te entendi nos pormenores escondidos do que te comove.
Talvez agora descubra porque me amas e eu nem saiba.
Porque há amores assim, sem sílabas, amores que não sabem dizer.
Às vezes, seriam precisas cartas de amor, como esta, que me pediste. Cartas verdadeiras de amor, para (nos) aprendermos a escutar.
Paula Freire - Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021: Cultura sem Fronteiras (coletânea de literatura e artes) e Nunca é Tarde (poesia).
Prefaciadora do romance Amor Pecador, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021) e da obra poética Pedaços de Mim, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021).
Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."- Bragança e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, sendo administradora da página de poesia e fotografia, Flor De Lyz.
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