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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O meu irmão Marcelo

 Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Hoje e porque o meu amigo Hugo me pôs esta geringonça a funcionar reato a actividade que espero seja benéfica para a minha saúde mental e possa assim sentir-me mais sociável e passar para vós algumas lembranças do meu tempo de criança.
O meu irmão Marcelo era mais Velho do que eu três anos, o que lhe conferia um ascendente sobre mim no tempo de infância que ainda hoje faz parte das memórias que mais vívidas estão no meu cérebro. Era ele o meu protector e também o que mais vezes me mantinha em sentido ou me fazia fungar os narizes. Ninguém excepto o meu pai foi capaz de lhe fazer mudar a ideia.
Se ele tivesse intenção de fazer algo que fosse contrário ao que estava estabelecido, fazia-o mesmo que à partida soubesse que o meu pai lhe daria uma sova, pois mais vezes do que menos, ele era denunciado por alguém que conhecia a sua rebeldia e tirava prazer de ver ou saber que o meu pai se punha doente e descarregava nele a sua frustração por não conseguir os resultados que conseguia com os outros.
O meu pai não era um homem violento, antes pelo contrário, mas era um homem do seu tempo, que detestava que algum de nós não respeitasse o Status Quo que estava tacitamente estabelecido. Convenhamos que houve sempre fugas à doutrina que ele professava já que os nossos irmãos mais velhos não eram Santos, excepto de apelido, mas não sei muito do seu modus vivendi pois eram significativamente mais velhos do que nós.
Mas voltando ao meu irmão Marcelo, a energia e a sagacidade eram nele presentes sempre que estando na rua as circunstâncias se exacerbassem para pancadaria com os seus oponentes que mais das vezes queriam o contrário do que ele queria mais para demonstrar a força desses galarotes sem crista que se lhe opunham e defendidos pelo pelotão das velhas e gente que invocava a contenção e não resistia em cobrir a sua baixeza, acusando os outros das faltas  cometidas e rejeitadas.
Como ele não fosse dos de capinar sentado era acusado pelos afins dos que ele ia tombando sem se importar com as mentiras dos que lhas faziam e lhas pagavam.
Era um lutador o meu irmão Marcelo. Ser-me-á difícil descreve-lo na sua forma física e anímica, apenas posso dizer que quando estive com ele no Brasil há uns dez anos me pareceu bastante semelhante comigo fisicamente e espiritualmente fiel aos seus princípios de, português, cristão e de haver sido batizado à nascença.
Assim, soube eu nessa altura nos momentos em que os três irmãos, Ele, Rui e eu próprio estávamos juntos e algumas passagens da nossa vida eram trazidas ao de cima e confidenciadas aos outros ele contou uma passagem da sua, que me impressionou e da qual tirei uma lição da maneira absolutamente irremovível, como ele é o mesmo Marcelo, apenas diferente na serenidade que do seu falar se escuta e o percurso de vida vai sendo revelado.
Vamos à descrição do caso:
Possuía ele um pequeno Bar numa Avenida na qual estava estabelecido havia um par de anos. Não havia freguesia nessa hora por ser após almoço e ele estava de costas voltadas para o balcão e para a porta de entrada quando entra um homem corpulento que se lhe dirige com uma atitude de desafio: -Joaquim me dá uma cachaça que estou sedento. Meu irmão olha-o de frente e responde:- Fica sabendo que não sirvo a cachaça porque meu nome é Marcelo e tu sabes que é assim, foi minha mãe quem me nomeou e é desta maneira que me chamarás para eu te atender! O outro riu e ripostou:- Mas os portugueses não são todos Jaquims? E disse-lhe também que lhe desse a garrafa da cachaça ou ele partia o bar sem pena de coisa alguma e que o deixaria morto naquele chão brasileiro. Meu irmão saltou o balcão sem lhe dar tempo de se preparar e começou a soqueá-lo tendo o cara brasileiro desistido da refrega apenas quando ficou exausto e caído no chão onde ele dizia que o meu irmão restaria.
Chegadas as autoridades, perguntaram o que havia sucedido, tendo o meu irmão alegado com o diálogo havido entre os dois e fez sobressair a arrogância do outro, baseado na premissa que por ele lhe ser fisicamente inferior e levado por uma suposta superioridade racial, poderia escacar tudo e matá-lo sem que houvesse justiça que o prendesse.
Claro que o Marcelo também ficou machucado na refrega. Foi levado ao Hospital e ainda esteve lá algum tempo até dominar uma febre intestinal que foi causado pelo esforço despendido para dominar aquele bruto.
Enfim é uma passagem um pouco difícil de compreender como o preconceito de alguns pode ser veículo de racismo estúpido que na sua suposta razão leva os homens a estes extremos. Acrescento que o Marcelo no tempo desta passagem da sua vida era homem dos seus 30 anos e tinha o grau mais alto da disciplina de Karaté. Eu, ao hoje vos desvendar algo de muito meu, pondo o meu irmão na ribalta revelando parte do que eu assisti na minha relação com ele quando miúdos, em que ele me protegia até ao fim das suas forças, mas também me dava uns piparotes que ele moderava como podia e o seu grau de serenidade era maior ou menor.
No Brasil tive ocasião de lhe perguntar se ele tinha algum ressentimento para com o meu pai, ele sem demorar um segundo respondeu-me:- Ao nosso pai devo apenas respeito e amor eu sei que ele me castigava para me corrigir, para me livrar da maldade do mundo e reconheço que me queria a mim como queria aos outros. Sem ele eu poderia ter caído, mas aprendi com ele a ser um homem e a compensar o meu corpo com a minha mente. Há coisas das quais não abdico, de ser filho dele e da minha querida mãe, de ser português de Bragança e do direito que tenho em me defender a mim e aos meus.
Passaram muitos anos desde que ele foi embora para o Brasil até ao dia em que falei com ele de novo e o que sucedeu foi algo de lindo para mim que retive como coisa sacra as palavras de lealdade à Pátria e à família.
Obrigado meu irmão.



Bragança 20/01/2024 
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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