“Na ausência de soluções que assegurem a manutenção integral do serviço nos atuais moldes, a VASP informa que se encontra a avaliar a necessidade de proceder a ajustamentos em determinadas rotas, nomeadamente nos seguintes distritos: Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Bragança”, indicou a empresa, em comunicado, citado pelo Correio da Manhã.
A VASP é detida pelo empresário Marco Galinha, também dono do Diário de Notícias, depois da separação de outros títulos, como Jornal de Notícias, O JOGO e TSF.
A empresa distribui pelos quiosques do país os jornais, sobretudo nacionais.
Deputados preocupados
Os três deputados eleitos por Bragança mostraram-se preocupados com a possível falta de jornais nos territórios do interior, pondo em risco a coesão territorial, após o anúncio da Vasp sobre a necessidade de fazer ajustamentos na distribuição diária.
Os dois deputados do PSD eleitos pelo círculo de Bragança, Hernâni Dias e Nuno Gonçalves, afirmaram que “estão preocupados com a situação e esperam que a mesma seja resolvida em nome da coesão territorial, mas dentro dos princípios definidos pelo Governo quanto aos apoios e ao seu caráter concorrencial”.
“O Governo duplicou o porte pago e tem subsidiado entregas em municípios do interior quando fecharam rotas. Há uma preocupação, da parte do Governo, com a coesão territorial e com o acesso à comunicação social de qualidade”, explicou o deputado Nuno Gonçalves.
Segundo os parlamentares sociais-democratas, “o governo não quer criar instrumentos de dependência, nem quer passar cheques a empresas em concreto, e entende que qualquer solução deve ser concorrencial”.
“O Governo afirma que não vai ceder a chantagens e que o pagamento da distribuição deve ser assegurado por quem produz a imprensa”, afirmaram.
Por seu lado, a deputada Júlia Rodrigues, eleita pelo Partido Socialista (PS), manifestou também a sua “profunda preocupação” com a possibilidade de a empresa Vasp poder vir a cessar a distribuição de jornais em todo o interior do país.
“Esta decisão teria um impacto direto na vida das populações, reduzindo o acesso à informação, agravando desigualdades já existentes e colocando em causa o direito dos cidadãos a estarem informados, sobretudo num território que enfrenta desafios persistentes de despovoamento e isolamento”, frisou a parlamentar do PS.
Para Júlia Rodrigues, “é fundamental que o Governo avalie urgentemente esta situação e encontre soluções que garantam a continuidade da distribuição de imprensa no distrito de Bragança e em todo o interior”.
A deputada do PS entende que “a coesão territorial também se faz assegurando que ninguém fique privado de um serviço essencial como o acesso à informação”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), por seu lado, considerou que a redução das áreas de distribuição de imprensa é uma situação “grave” e “suscetível de impacto negativo na garantia do acesso à informação”, estando a recolher informação complementar.
Em comunicado, a ERC afirmava estar a acompanhar a informação divulgada sobre a possibilidade de a Vasp – Distribuição e Logística, S.A. ajustar a distribuição diária de imprensa em oito distritos do interior do país, na sequência de dificuldades financeiras.
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) também manifestou a sua “mais profunda preocupação” face ao anúncio da Vasp.
Presidente da CIM acredita em solução
Já o presidente da Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes, Pedro Lima (PSD), mostra-se “preocupado” com esta situação mas diz acreditar “que [a suspensão] não irá acontecer”.
“O Governo já disse que não aceitará que isso aconteça”, frisou.
No entanto, lembra que “isto é uma questão de coesão territorial” e que os transmontanos “não são cidadãos de segunda”. “Temos de ter a consciência da realidade demográfica. Nós somos mais envelhecidos do que o Litoral. Portanto aqui os hábitos estão um pouco mais atrasados. Os meios digitais são amplamente utilizados, mas, devido a esse grau de envelhecimento, há hábitos diferentes, nomeadamente no recurso a jornais impressos”, sublinhou.
Também o Partido Comunista Português (PCP) se pronunciou na Assembleia da República e questionou mesmo o Governo sobre esta matéria.
“Uma eventual decisão naquele sentido criaria uma intolerável situação de desigualdade entre territórios e populações no acesso a publicações periódicas”, lê-se.
O deputado Alfredo Maia, antigo jornalista, questionou o Governo sobre os compromissos que o Governo assumiu para com a VASP “com vista à garantia de distribuição de publicações periódicas no interior”, bem como “o grau de cumprimento desses compromissos e como o justifica”. Por fim, perguntou “que medidas pretende tomar o Governo” perante a ameaça da VASP.
Tabacarias dizem que ameaça é injustificada
Viriato Fernandes, proprietário de três tabacarias e quiosques em Bragança, recorda uma reunião com o dono da distribuidora em que foi anunciada a intenção de pressionar o Governo.
“Isto é uma maneira de pressionar o Governo. Eles não têm prejuízo porque nós é que pagamos os portes”, garantiu ao Mensageiro.
Ainda assim, o empresário admite que, sobretudo desde a pandemia, tem verificado uma mudança de hábitos na população.
“Os jornais vendem-se menos.
Baixaram cerca de 80 por cento. Desde que começaram a partilhar notícias pelos telemóveis já se sentia. A pandemia foi um rombo total”, disse.
O investigador Giovanni Ramos, do Instituto Politécnico de Coimbra, autor do estudo sobre os desertos noticiosos, sublinhou, em declarações ao Mensageiro, que a questão da pirataria é um dos problemas que tem afetado a circulação dos jornais, mas pede que se olhe para esta situação “com atenção”.
“Acho que é um grande alerta"
O facto de fazerem essa ameaça é uma oportunidade de discutir o problema mais a fundo.
Todos os anos os jornais perdem mais um pouco a circulação em papel. Mas se olharmos para o panorama de há dez anos, vemos que as quebras são acentuadas. É preciso pensar num modelo que seja sustentável. Daqui a pouco a situação ficará irreversível”, defende. “O problema afetou os jornais locais, que já não estão presentes em muitos concelhos, mas agora afeta os nacionais.
Estes cidadãos não têm o direito de serem informados? Já os estávamos a privar de informação dos jornais locais e agora vamos privá-los dos jornais nacionais?”, questiona.
A Associação de Imprensa de Inspiração Cristã (AIC) manifestou “a sua indignação absoluta perante a possibilidade do fim da distribuição de jornais em vários distritos do Interior de Portugal por parte da única operadora que assegura esse serviço, a VASP”.
“Esta situação representa um atentado direto ao direito fundamental dos cidadãos à informação, claramente consagrado no Artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece a Liberdade de expressão e informação e diz claramente que “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações” e que “o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”.
A desigualdade no acesso à informação é incompatível com o regime democrático e representa um retrocesso civilizacional que não pode ser tolerado.
É urgente sublinhar, com toda a clareza, que sem informação não há cidadania plena e sem cidadania plena não há democracia real”, sublinha a AIC, em comunicado.


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