(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Talvez muitos não se tenham questionado, ainda, acerca da associação de uma celebração profana, as «Festas dos Rapazes», relacionadas com o Solstício de Inverno ou o culto Romano ao «deus sol invicto», bem como com a saturnália e a juvenália Romanas, a uma festa religiosa na qual se celebra Santo Estêvão.
Desde os primórdios do Cristianismo, a Igreja procurou erradicar os «costumes gentios» das gentes, algumas personalidades se destacando nessas tentativas, como são bons exemplos Santo Agostinho ou, nos que respeito diz ao actual território português, São Martinho de Dume. Todavia, as diversas tentativas revelaram-se um fracasso, tendo tido de se aplicar o princípio do «se não consegues vencer o inimigo, junta-te a ele».
À luz dos conceitos actuais, e para quem desconheça certos costumes medievais, poderá estranhar o facto de ser vulgar, numa época na qual o Clero era detentor de outras características, a sua participação activa nas então designadas genericamente como «Festas das Calendas de Dezembro». Participação que incluía danças e paródias, vestidos em trajes de mulher ou outros com aparência monstruosa, os quais ocorriam dentro das próprias igrejas. Um dos primeiros testemunhos relativamente a estas ocorrências provém de um mosteiro beneditino do século XI!
Seria a partir, essencialmente, do século XIII, no qual surgiu o receio, por parte das entidades eclesiásticas, de uma confusão entre as celebrações profanas e as religiosas, já que as igrejas eram, inúmeras vezes, locais onde se efectuavam bailes ou jogos, servindo, até, como locais de mercado, que incrementam as tentativas para controlar certas posturas consideradas pagãs. Como eram por exemplo, o uso de máscaras ou a execução de espectáculos considerados grotescos dentro das próprias igrejas, durante os ofícios divinos!
Dada a dificuldade em erradicar estes costumes ancestrais, uma das formas obtidas foi a cristianização de rituais pagãos, nomeadamente através da atribuição de certas datas festivas a acontecimentos da vida de Jesus ou de santos. Assim aconteceria com o dia 25 de Dezembro, ao qual foi atribuído o «nascimento» de Cristo, bem como ao dia 26 de Dezembro… atribuindo-lhe Santo Estêvão. Este que é considerado o primeiro proto-mártir Cristão, exemplo de dedicação a Cristo. Tendo sido atribuído a este dia os factos que conduziram à sua morte, através de apedrejamento, indexando-lhe o seu «dies natali», ou seja, «o dia em que o primeiro mártir nasceu para o Céu». Em simultâneo, Santo Estêvão também era celebrado a 3 de Agosto, o dia da sua «inventio», ou seja, aquele em que teriam sido descobertas as suas relíquias. Seria esta data, muito posteriormente, omitida do Calendário Romano Geral.
No entanto, numa outra versão, que inclui um provável presbítero oriundo de «Bracara Augusta», Paulo Orósio, passou a ser apontada a data de 26 de Dezembro como a data da descoberta das suas relíquias. E assim se sobrepôs a festividade de Santo Estêvão, um exemplo de jovem com valentia, a umas festas protagonizadas por... jovens mascarados! Jovens estes que, para lá de outras motivações, também celebravam a fecundidade da «mãe-terra», mantendo-se a crença de que isso propiciaria uma boa colheita de pão. Rapidamente surgiu a lenda de que, com a trasladação dos restos mortais do santo, ocorreu um milagre para a agricultura e, consequentemente, para a colheita do pão, o principal alimento da Idade Média: começou a chover, terminando com um largo período de seca. Surgindo, ainda uma outra lenda: a de que o valente e jovem mártir Santo Estêvão terá operado o milagre de transformar em pão as pedras com as quais o apedrejavam.
E assim, em alegre simbiose, passaram a conviver os jovens e endiabrados «Mascarados» com o jovem mártir Santo Estêvão. Bem como o ancestral «culto ao pão» e os festejos pagãos ao mesmo associados, passaram a conviver pacificamente com designações como «Pão de Santo Estêvão» ou «Mesa de Santo Estêvão». E as antigas «Festas das Calendas de Dezembro» passaram a tomar o nome de «Festas de Santo Estêvão»… E haveria tanto mais para dizer… “Mas, pur’i, já tchega”…
(Foto: Lendasetradicoes)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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