(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Não me canso de o afirmar, estas terras guardam imenso! Há mais de três décadas que as vasculho, e já terei alguma legitimidade para o afirmar. Pena é que nunca tenhamos sido incentivados para valorizar o tanto (mas é mesmo tanto!) que temos. Pena é, igualmente, que a historiografia deste país pouca dedicação devote a este canto nordeste. Após esses mais de 30 anos de busca e «queima de pestanas», de alguma forma, já percebi os motivos para tal… Apenas porque esta região não cumpre os cânones para um tal de conceito de «pátria una e indivisível» que nos foi sendo vendido por essa mesma historiografia tradicional, com grandes resquícios da «escola da Velha Senhora»… É melhor continuarmos a acreditar que fizemos parte do «Condado Portucalense», ou que somos «Lusitanos»… Ou que é «anti-nacional» falarmos Ásturo-Leonês...
A verdade, porém, é que só a partir do reinado de D. Dinis esta região foi efectivamente integrada na esfera do poder régio e, com tal, no Reino de Portugal. Até lá, não obstante algumas tentativas tímidas, desde Afonso Henriques, passando pelo filho Sancho I, até ao seu neto, Afonso II, de “butare a manápula” a esta região, os Bragançãos e os seus apaniguados, fossem outros cavaleiros, especialmente Leoneses, os mosteiros beneditinos, as ordens religioso-militares (Templários e Hospitalários), é que mandavam, efectivamente, nestas terras. A realidade é que o primeiro a tentar a chamada «centralização régia» foi D. Afonso III, o pai de D. Dinis. Mas seria este, todavia, a concretizar esse desígnio.
Desígnio que apenas se concretizaria após a morte do «último Braganção», o seu Aio e Mordomo-mor. Até lá, o «respeitinho» pelo todo-poderoso D. Nuno era «muito bonito». Com efeito, a partir do ano da morte da referido «último Braganção», foi um «ver se te avias», por parte de D. Dinis, a distribuir forais pelo actual distrito de Bragança, a gerar conflitos com a senhorialização do espaço, fosse confrontando os senhores nobres das terras, fosse fazendo-o com as ordens religiosas que, de facto, eram detentoras de um incomensurável poder na região.
E 1285, há precisamente 740 anos, foi profícuo nessa concretização do «poder régio», bem visível na forma como D. Dinis foi recortando o vasto alfoz do poderoso concelho de Bragança, retirando-lhe força, através da criação de novos concelhos ou reforçando alguns previamente existentes. Assim aconteceu, no primeiro dos casos, com a criação do concelho de Sanceriz, e, no segundo deles, com a renovação do foral de Rebordãos, concelho anteriormente criado através de um primeiro foral outorgado por D. Sancho I. Como tal, Rebordãos e Sanceriz, pelo aniversário «redondinho», deveriam ter estado em festa, neste ano que gora termina... 740 anos não são 74...
Na actualidade, símbolos a atestar esse poder municipal medieval, permanecem dois pelourinhos, presumivelmente do século XIV (ou seja, “pr’á’í” com uns 700 «anecos»!), respectivamente, em Rebordãos e Sanceriz. Ambos os imóveis classificados, há mais de 90 anos, como de Interesse Público. Desconheço é se o interesse público é muito… O de Rebordãos é particularmente curiosíssimo, porque fica “nua baranda”. Rebordãos que também possui outro Monumento (ou o que resta dele), também classificado, há precisamente 70 anos, como de Interesse Público: o Castelo de Tourões ou do Tourão. Fortificação essa que será de finais do século XII ou inícios do século XIII, porque há quase 820 anos já existência tinha, com autonomia em relação ao concelho de Rebordãos. Ou seja, o castelo era “ua cousa” e o concelho de Rebordãos era “outra cousa”. Mas isso não interessa dissecar aqui…
Hoje, por lá moram as ruínas, “num passa d’um monte de calhaus’e”, no dizer do Povo. Povo que, como não poderia deixar de ser, também lhe chama «Castelo dos Mouros»! E, como não poderia deixar de ser também, lá vem a lenda do «Rei Mouro» e do «Tributo das Donzelas»! E da donzela que, um dia, acendeu um vela num lameiro próximo do castelo, como sinal para o Povo o assaltar. Por isso, pela memória popular, ainda por lá permanece o «Prado da Vela Acesa», «Lameira da Vela Acesa» ou «Lameiro da Talvela». E assim foi destruído o «Castelo dos Mouros», quase 500 anos depois de os ditos Mouros, presumivelmente, terem andado por aqui… Paradoxos...
Já quanto a Sanceriz, só para rimar, é uma terra que muito me diz. Não apenas por, na actualidade, ser “ua piquena” anexa de uma freguesia com o mesmo nome da minha, mas também por, há precisamente 725 anos, D. Dinis ter trocado os direitos que aí passou, «à força», a ter, pelos direitos sobre outra povoação. Troca que aconteceu com um “cabaleiru’e da nha terra”. Cavaleiro esse que se transformaria no Senhor de Sanceriz, e até era familiar directo do «último Braganção», o qual até tinha sido, conjuntamente com o Mosteiro de Castro de Avelãs, o anterior… Senhor de Sanceriz! Curiosidades…
O que não falta, por aqui, são curiosidades. Imensas curiosidades!… Como, por exemplo, desse mesmo ano de 1285, a «tomada», por parte de D. Dinis, do padroado da igreja de Lamas de Orelhão, que levaria ao reconhecimento, por parte dos respectivos habitantes, que pouco poderiam fazer, através da outorga ao rei desse mesmo padroado. Ou as «turras» que D. Dinis passou a ter com o Mosteiro de Castro de Avelãs, a propósito das suas imensas possessões, nomeadamente sobre as que tinha em Rebordãos e Sanceriz! E o Abade do dito mosteiro, “guitchu’e”, para se defender das investidas de D. Dinis, tratou de fazer umas doações, nomeadamente dos bens que o mosteiro tinha em Rebordãos, à Sé de Braga. Seria mais difícil, para D. Dinis, lutar contra o Arcebispo do que fazê-lo contra o Abade de Castro de Avelãs. Entre muitas outras curiosidades…
Isto são mesmo terras do “catantchu’e”! Só não percebo muito bem como não conseguimos valorizar o tanto que têm… Mas lá vou tentando… “Auga mole im pedra dura”…
(Fotos editadas: DGPC)
Rui Rendeiro Sousa – Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer.
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas.
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana.
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros.
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.



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