Desde balões a papel de embrulho, todos tendemos a produzir mais lixo nesta altura do ano. Pedimos a duas cientistas dicas para sermos mais cuidadosos com o ambiente ao celebrar as festas.
Seja a névoa que se segue a um feriado ou a loucura de comprar presentes em cima da hora, a quadra festiva pode ser um remoinho de consumo. Os resíduos domésticos aumentam entre o Advento e o Ano Novo e um dos maiores culpados podem ser as decorações festivas. Balões de utilização única, confetti, faixas e outras decorações tornam-se lixo e libertam microplásticos, que são uma preocupação crescente para a saúde humana e o ambiente.
Mas quem quer pensar em microplásticos quando já está preocupado com obrigações ou cheio de espírito natalício? Até o consumidor com mais consciência ambiental poderá ficar aborrecido com isto.
Os cientistas dizem que as decorações festivas merecem ser levadas a sério e que pode ser fácil fazer escolhas mais sustentáveis – por isso, perguntámos-lhes o que fazem.
Conversámos com Sara Silva, toxicologista e investigadora de microplásticos na Universidade de Ciências da Saúde, em Lisboa. Durante o Verão, o grupo de investigação de Silva escreveu uma carta argumentando que as decorações deveriam ser consideradas uma fonte grave de poluição por plásticos e incluídas nas negociações em curso para criar um tratado global sobre o plástico. Também falámos com Trisha Vaidyanathan, directora científica da Beyond Plastics, cuja investigação se foca em saúde e poluição por plástico.
As respostas foram editadas para fins de clareza e comprimento.
National Geographic (NG): Por que razão esta época do ano é tão prejudicial para o ambiente?
Sara Silva (SS): Glitter, confetti, balões, a neve falsa que abunda durante o Natal, lanternas de plástico – tudo isto foi intencionalmente concebido para ser pequeno e facilmente disperso. Quando são libertados, estes enfeites são quase impossíveis de recolher e muito difíceis de reutilizar ou reciclar. Por isso, nestas épocas festivas, costumamos ver surtos de plástico no ambiente.
Rebentar cem balões, por exemplo, pode libertar até 33 milhões de microplásticos, que é algo que as pessoas podem não ter em mente. E o glitter não está apenas nas decorações, mas também… nos brinquedos das crianças. Isto pode levar à ingestão destas partículas porque as crianças põem tudo na boca.
Trisha Vaidyanathan (TV): Queremos comprar mais e mais coisas para criar aquele ambiente festivo no nosso próprio mundo ou comprar presentes para os outros. O plástico pode ser injectado de uma forma desnecessária – e nem sempre foi assim.
Quer seja algo uma peça descartável, os embrulhos que utilizamos para os nossos presentes ou decorações de mesa de utilização única… tudo é um reflexo do grande problema [os plásticos].
NG: Tendo em conta o foco da vossa investigação, mudaram a forma como decoram a vossa casa para a quadra festiva?
TV: Sim, é claro que penso nisso de forma diferente. Penso: ‘valerá a pena ter este homem de neve em plástico em cima da minha lareira, se ele vai durar mais tempo do que eu?’ Esta maneira de reenquadrar as coisas ajuda frequentemente, alterando o nosso estado de espírito para: ‘será que isto me vai trazer assim tanta alegria que vale a pena durar centenas de anos?’
No ano passado, fiz flocos de neve com papel velho que já não estávamos a usar… foi muito divertido. Tive a ajuda dos meus primos e da minha família e pusemos os flocos de neve nas janelas da casa.
SS: Sim, claro que tento ser mais consciente nas minhas escolhas.
[Procuro] grinaldas feitas de papel – gosto de artes manuais, por isso faço algumas. Procuro ideias no YouTube e experimento fazê-las com papel. Estou sempre à procura de novas ideias de decoração.
Também leio os ingredientes [quando compro enfeites], para ver se têm polímeros [plástico]… Tento prestar atenção a isso. E tento dar essa informação à minha família!
“Quando são libertados, estes enfeites [Glitter, confetti, balões, neve falsa] são quase impossíveis de recolher e muito difíceis de reutilizar ou reciclar. Por isso, nestas épocas festivas, costumamos ver surtos de plástico no ambiente.”
(Sara Silva)
NG: Já achou difícil ou constrangedor conversar com outras pessoas sobre escolhas mais sustentáveis?
SS: Os meus pais são um pouco mais tradicionais no que diz respeito à enfeites, por isso podem ser mais difíceis de convencer. Mas como estão fartos de me ouvir, deixam-me organizar a decoração da casa. Os meus amigos aceitam melhor as minhas sugestões… estão mais receptivos a fazer mudanças.
TV: Acho que devo ter-me tornado mais irritante [para a família e os amigos] desde que trabalho nesta área. Mas eu acho que conversarmos com a nossa comunidade é uma forma simpática de o fazer, partilhando o nosso conhecimento, em vez de esperarmos que o leiam na Internet ou algo do género.
É importante manter o foco no facilitismo dos resíduos de plástico. Existem coisas que vamos guardar para o resto da vida e talvez transmitir à geração seguinte, mas a verdadeira questão é todo o plástico que vamos deitar fora passado um ou dois anos, ou um dia, ou alguns minutos depois, no caso do papel de embrulho.
NG: Existem alguns enfeites específicos que evitem sempre?
SS: Se brilhar, costuma ter glitter… e o glitter não só é feito de microplásticos como costuma estar revestido com metais, o que pode aumentar a sua toxicidade.
E a neve falsa também é feita de microplásticos, literalmente. A maioria das pessoas não sabe que está a espalhar microplásticos nas lojas e nas suas casas para fins decorativos… Eu não uso neve falsa. Tento fazer essas alterações [nos meus hábitos].
TV: Os fios brilhantes costumam ser feitos de PVC [cloreto de polivinilo], que é um dos plásticos mais nocivos… o cloreto de polivinilo é uma enorme fonte de preocupação para a saúde. Os blocos de construção do plástico de PVC são carcinogénicos.
E a neve falsa que pomos nas janelas – eu cresci na Califórnia e nós fazíamos isso porque não tínhamos neve verdadeira – é feita de polímeros sintéticos, outro tipo de plástico.
O papel de embrulho é algo a que também tenho prestado atenção ultimamente. Embora pareçam papel, muitos papéis de embrulho não são recicláveis porque estão cobertos por uma camada fina de plástico… sobretudo se tiverem glitter ou elementos de alumínio.
Além disso, os recipientes que utilizamos para comer ou beber [podem libertar microplásticos]… como um eggnog quente numa caneca de plástico. É algo que me preocupa muito [pela minha saúde].
“Os fios brilhantes costumam ser feitos de PVC, que é um dos plásticos mais nocivos… o cloreto de polivinilo é uma enorme fonte de preocupação para a saúde. Os blocos de construção do plástico de PVC são carcinogénicos.”
(Trisha Vaidyanatha)
NG: No passado mês de Julho, a Sara e três outros cientistas escreveram uma carta, apelando à inclusão das decorações de plástico no Tratado sobre o Plástico das Nações Unidas, que ainda está a ser negociado. Sara, porque achou que era importante incluir as decorações? E porque é importante regulamentar?
SS: Vimos que a proposta actual não era muito ambiciosa em termos de peças de decoração. Só referia os balões… e não mencionava a maioria dos plásticos decorativos que utilizamos.
Se este tratado global seguir em frente e incluir esta fonte de plástico não essencial – porque não temos de acabar com as decorações de Natal, evidentemente, poderemos ter decorações, mas sem materiais [de microplástico] – será realmente possível fazer esta mudança e reduzir as decorações de plástico.
TV: Tenho sempre o cuidado de esclarecer que, embora cada pessoa se deva sentir capacitada a dar o seu melhor e encontrar formas de mitigar [a poluição de plástico], devemos estar zangados com as pessoas que causaram este problema. Este problema foi causado por empresas que vendem enormes quantidades de plástico que conseguem produzir a baixo custo. Precisamos de melhores regulamentos que mantenham essa produção sob controlo e colocar o ónus nas empresas para inverter esta crise.
NG: Tem algum conselho para alguém que queira fazer escolhas mais amigas do ambiente nas suas decorações natalícias, mas que não saiba por onde começar?
SS: Comece por tentar aos poucos. Não tem de mudar a sua vida e a sua rotina inteira. Até pode ser ano após ano: tente mudar algumas coisas já e talvez mudar outras no próximo ano.
E há imensas ideias giras no YouTube e no Pinterest – tente ser criativo!
TV: Existem tantas alternativas às decorações em plástico que vemos nas lojas. Eu não faço grandes comemorações natalícias, mas celebro o Diwali [festa religiosa hindu] em Outubro com a minha família. Começámos a usar diyas em plástico e luzes LED e deitávamos sempre tudo fora porque se avariavam ou se perdiam. Acabámos por comprá-las todos os anos porque parecia mais barato, mas, provavelmente, podemos voltar a usar velas, que é como deveria ser.
No ano passado, fiz grinaldas de laranja desidratada para a nossa casa e podemos decorar com pinhas, velas de cera de abelha, paus de canela, arandos e grinaldas de pipocas – todas estas coisas existem e já foram usadas no passado. Nós é que temos dificuldades em lembrarmo-nos delas quando estamos diante de uma exposição gigantesca e colorida de peças de plástico produzidas em massa.
Não foi assim há tanto tempo que o plástico não era tão omnipresente nas nossas vidas. Por isso, também não foi assim há tanto tempo que conseguíamos ter experiências festivas alegres sem todo este plástico. Temos apenas de nos lembrar quais são as alternativas.
Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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