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SOBRE O BLOGUE:
Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
(Henrique Martins)
COLABORADORES LITERÁRIOS
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
quinta-feira, 23 de julho de 2015
A Morte do Abade Baçal
Eis como soube morrer.
Num pobríssimo leito de ferro, arqueado pelo tempo e pelo peso, entre cobertores caseiros, está o nosso Abade. No quarto, abaixo de modestíssimo, dois retratos: o dele, ainda na força vital, e o da Mãe, o seu grande amor. Atrás do leito, a Bênção Apostólica do Santo Padre.
No ambiente, a luz frouxa de uma lanterna de petróleo mal descobre o vulto dos parentes e amigos.
A cabeça onde coube tanta ciência tem a serena majestade de sempre.
Os olhos de uma luz viva e suave fixam um ponto vago. Sem ruído, tínhamos entrado eu, o Dr. Raúl Teixeira e o infatigável Dr. Francisco Moz. Ao sentir-nos, os seus olhos grandes deitam brilho e doçura.
A cada um de nós, uma palavra de afecto.
Silêncio. Muito surdo o Abade. Eu de pé, o Dr. Raúl Teixeira sentado, e o Dr. Francisco Moz, em redor do leito, em serviço clínico.
Os olhos do arqueólogo insigne passeiam por todos. Depois, numa voz que nunca lhe conheci, batendo as sílabas, dizendo com naturalidade de artista, pondo em cada palavra um traço de ternura, põe-se a recitar versos de João de Lemos. Era o patriota, e enamorado da terra fecunda e verde. É o hino à natureza, à sua roseira, à sua murta e ao
rosmaninho. …É o serrano convicto a despedir-se da sua aldeia, é o patriota raiano que sonha e canta e vibra como um clarim com as letras e sílabas de Portugal.
Nós, estátuas de assombro e comoção.
O Sábio eminente, o padre de batina limpíssima, fala novamente.
O seu pensamento entrara por terras de Espanha, abrira as portas da cidade de Ávila, subira ao Carmelo, e ouvira dos lábios de Santa Teresa a maravilha de amor, despida de interesse e receio, posta em 14 versos milagrosos. E o Abade recita com unção comovida:
«No me mueve, mi Dias, para quererte».
Depois desta declaração de amor desinteressado a Cristo cravado numa Cruz, o Abade fatigou-se. Fala ainda de novo. A voz sai-lhe enternecida.
Em versículos latinos, pede, para a sua alma, a Divina Misericórdia.
O Dr. Francisco Moz empurra para dentro lágrimas que teimam em vir para fora. O Dr. Raúl Teixeira encolhe-se na cadeira, e derrete-se em lágrimas. Os camponeses amigos sentem que algo de muito grande se passa.
E o Abade de Baçal repete, como num eco, Amplius… Amplius... E chegará, Padre Castro?
A minha resposta: – Tem ali, Senhor Abade, a Bênção Apostólica do Santo Padre.
Um olhar vivíssimo comenta a minha resposta, fecha os olhos e cai ensimesmado.
Dias depois, de novo o Abade, cercado dos seus amigos predilectos.
O Abade esteve à espera deles para morrer. Morrer? Voltar-se para o outro lado desta vida, para a outra que não tem fim.
Assim acabou o Abade de Baçal – um padre cheio de austeridade, um patriota de altíssimo valor, um grande sábio cristão, o maior bragançano de todos os tempos.
"Só a nossa terra possue, a dentro das cidades e villas, esta instituição admirável, de um cunho eminentemente cristão porque era christã a alma extraordinária que a creou, porque foi um povo de monjes e de soldados que a consolidou, porque foram christãos os reis que a ennriqueceram de previlegios, de tenças, de foraes, de mercès, porque christianissima é a sua bandeira - Nossa Senhora da Misericordia - abrigando, por entre as pregas do manto immenso, os miseraveis da terra".
Monsenhor José de Castro
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