A paróquia constituir-se-á ao longo dos Tempos Modernos (séculos XV a XVIII) como a principal instituição de agrupamento e organização sócio-política das comunidades locais portuguesas.
A definição e construção da paróquia é, como é sabido, uma realidade essencialmente eclesiástica e religiosa. São conhecidas as principais instituições e os regimentos publicados pela Igreja e sua reorientação particularmente depois do Concílio de Trento para a reforma eclesiástico/ pastoral, com implicações paroquiais. Elas enviam-nos para aqueles textos normativos e enquadradores essenciais da vida paroquial e eclesiástica portuguesa local de Antigo Regime, a saber, as Constituições Sinodais dos Bispados: em Braga, as dos Arcebispos D. Diogo de Sousa, 1505 e D. Henrique, 1538, contemporâneas da promulgação das Ordenações do Reino; na diocese de Miranda, os 1.os estatutos confirmados pelo papa em 1564 que constituem como que as suas primeiras constituições sinodais). E também os Regimentos de Visitadores, o Registo Paroquial (previsto nas Constituições Bracarenses de 1538 e nas de Lisboa de 1537), a feitura dos Tombos das Igrejas e a criação de outros instrumentos para o governo eclesiástico-paroquial e social dos fregueses, como os que se instalaram na diocese bracarense com a instituição do Registo Geral (1590), e dos Livros de Usos e Costumes, instituídos pela Pastoral de 1706.
Por elas se instalaria o poder e o domínio eclesiástico do pároco na paróquia.
É possível no que à Diocese de Braga diz respeito – por ela abrangendo-se deste modo quase todo o Norte de Portugal –, medir e seguir as etapas da colocação de alguns dos instrumentos mais visíveis deste poder e ordenamento paroquial: na realização dos Tombos das Igrejas, prática “universalmente” realizada no século XVI, sobretudo ao longo da década de 40 que fixarão rigorosamente os limites da paróquia, quadro territorial definitivamente estável; no processo de implantação do Registo Paroquial, presente em todas as paróquias, pelo menos também desde meados do século XVI, a instituir o definitivo quadro e corpo dos fregueses.
Por eles serão fixados os 2 elementos essenciais para o exercício do poder e jurisdição paroquial, um território e uma população. E também os equipamentos de suporte ao exercício daquele poder e jurisdição eclesial-paroquial, a igreja matriz para a celebração da missa conventual dominical e centralização da piedade dos paroquianos nas devoções diocesanas e paroquiais; as principais confrarias de apoio à divulgação das devoções centrais do Cristianismo em Reforma e luta Contra-Reformista (Nome de Deus, Santíssimo, Rosário, Almas, com forte intensificação no século XVII e 1.ª metade do século XVIII); a instituição dos Livros de Usos e Costumes (que se generalizam nos termos da lei, no século XVIII) onde se fixam por escrito, rigorosamente, os deveres em concreto dos paroquianos para com o seu pároco e Igreja, base da jurisdição e direito paroquial no que diz ao pagamento de direitos (bens d’alma e direitos paroquiais), mas também as práticas dos sacramentos.
Por eles serão fixados os 2 elementos essenciais para o exercício do poder e jurisdição paroquial, um território e uma população. E também os equipamentos de suporte ao exercício daquele poder e jurisdição eclesial-paroquial, a igreja matriz para a celebração da missa conventual dominical e centralização da piedade dos paroquianos nas devoções diocesanas e paroquiais; as principais confrarias de apoio à divulgação das devoções centrais do Cristianismo em Reforma e luta Contra-Reformista (Nome de Deus, Santíssimo, Rosário, Almas, com forte intensificação no século XVII e 1.ª metade do século XVIII); a instituição dos Livros de Usos e Costumes (que se generalizam nos termos da lei, no século XVIII) onde se fixam por escrito, rigorosamente, os deveres em concreto dos paroquianos para com o seu pároco e Igreja, base da jurisdição e direito paroquial no que diz ao pagamento de direitos (bens d’alma e direitos paroquiais), mas também as práticas dos sacramentos.
De um modo geral estes Livros de Usos e Costumes incorporam os Estatutos da Confraria do Subsino, principal suporte da vigilância deste Costumeiro. Como é possível também medir e seguir a instalação e desenvolvimento da instituição do regime das visitações e prática visitacional que vigiarão activamente a vida eclesial, religiosa, moral e civil dos párocos, paróquia e fregueses e se transformarão no principal agente de enquadramento de controlo e de normalização eclesiástica e paroquial da diocese Bracarense.
Tal processo cristalizar-se-á na forte centralização da vida paroquial da Igreja Matriz, sob a condução apertada da vida social paroquial pelo pároco e vigilância dos visitadores que é um fenómeno essencial à constituição da Paróquia rural portuguesa.
A polarização da paróquia na Igreja, deve reenviar-nos, desde logo, para os processos que ao longo dos Tempos Modernos conduzem à construção ou reforço da Igreja Matriz e à centralização nela das principais actividades e poderes eclesiásticos-religiosos. E desde logo, a construção do equipamento da Igreja Matriz completo, com as suas torres sineiras, com seu altar-mor, sacrário para o Santíssimo e devoções maiores e suas confrarias colocadas nos altares. E por eles a afirmação do poder do pároco sobre todo o espaço da igreja (e não só sobre a capela-mor), não podendo sofrer a concorrência de titulares ou padroeiros. Mas também para a definição do poder e direito paroquial sobre um domínio e um território bem delimitado pelo Tombo da Igreja. E o exercício de uma tutela eclesiástica – dos visitadores em actos de visitação – que apoia e vigia o exercício do poder paroquial, como elemento de suporte fundamental do exercício do poder eclesiástico e espiritual da Igreja, mas também as acções de formação que continuam e vigiam a formação realizada nos Seminários e instituições de formação de clero paroquial. Tal processo de centralização da ordem eclesiástica na igreja matriz, no pároco, nas autoridades visitacionais, é, sem dúvida, o instrumento mais importante da unificação e reforço da ordem e poder eclesiástico neste espaço paroquial ao longo dos Tempos Modernos e do reforço da paróquia.
Este é um processo contínuo, que se desenvolverá essencialmente ao ritmo da Contra-Reforma e pode dizer-se ultimado, no essencial, por meados do século XVIII, depois do Governo de D. João V.
Um outro aspecto, essencial da construção e domínio deste poder e ordem eclesiástica, tem a ver com o papel do benefício paroquial eclesiástico, na paróquia, vida social e económica dos fregueses e seus reflexos na comunidade. Nos Benefícios paroquiais eclesiásticos, assentam em geral muitos encargos essenciais ao funcionamento da paróquia, a saber, o sustento dos párocos, (quer ele seja senhor da parte maior ou menor dos dízimos), das igrejas, dos visitadores, dos fregueses e pobres da paróquia, incluindo outros encargos assistenciais que «constitucionalmente» lhe podem estar fixados.
Por isso neles, independentemente da maior ou menor captação e fixação local dos seus rendimentos (dízimos), assenta em grande parte a força e riqueza da paróquia e até da comunidade. O crescimento generalizado dos rendimentos dízimos, bem documen-tado para o Entre Douro e Minho, medido entre ± 1730-1760 (período em que se inscreve a escrita destas Memórias) ao exprimir o bom andamento da agricultura, crescimento e robustecimento demográfico, traduziu-se também em bons tempos para os benefícios paroquiais e repercutiriam também nas Igrejas e comunidades.
Por isso neles, independentemente da maior ou menor captação e fixação local dos seus rendimentos (dízimos), assenta em grande parte a força e riqueza da paróquia e até da comunidade. O crescimento generalizado dos rendimentos dízimos, bem documen-tado para o Entre Douro e Minho, medido entre ± 1730-1760 (período em que se inscreve a escrita destas Memórias) ao exprimir o bom andamento da agricultura, crescimento e robustecimento demográfico, traduziu-se também em bons tempos para os benefícios paroquiais e repercutiriam também nas Igrejas e comunidades.
De um modo geral a Igreja e Monarquia, fazem um esforço de cooperação – em relação com as críticas do século XVIII ao mau uso dos dízimos e benefícios –, por um mais correcto e ajustado exercício dos direitos de apresentação (padroado) e encargos e deveres dos padroeiros e beneficiários (laicos ou eclesiásticos). Neles assentará em grande parte este crescimento e fortalecimento da vida local e paroquial portuguesa como é visível por meados do século XVIII, espelhado de modo bem visível no geral embelezamento exterior e interior das igrejas paroquiais.
Tal crescimento demográfico e económico exprime-se também no forte desenvolvimento social da comunidade que se manifestará na constituição de ricas e poderosas irmandades e confrarias, que adentro dos programas e incentivos eclesiásticos e até monárquicos, não deixam de afirmar quadros próprios e autonómicos da vida social e religiosa. Elas exprimem por excelência, a vitalidade religiosa e o desenvolvimento social das terras e são elementos essenciais da constituição do novo quadro sóciopolítico paroquial. Praticamente não há paroquiano que não integre uma ou mais irmandade e confraria. O seu papel na conservação e suporte ao funcionamento das igrejas e capelas é fundamental. Como é também na conformação religiosa, da piedade e da devoção das paróquias e seus associados e paroquianos.
A paróquia como «corpo místico»
A paróquia só ganhará porém sua completa definição enquanto realidade transcendente, corpo místico que realiza uma caminhada histórica e um destino espiritual e comunitário. Caminhada histórica que a articula enquanto comunidade que se realiza localmente no plano dos enquadramentos sociais e políticos mais gerais em que se insere, mas também que pelos feitos dos seus mais ilustres se articula aos desenvolvimentos históricos da Monarquia e Igreja portuguesa. A descrição histórico-geográfica de Portugal dela partirá e nela configurará a sua descrição corográfica do território desde o século XVI.
Caminhada espiritual que assenta na transmissão de valores e referentes espirituais que a ligam à realização do plano divino no território da sua comunidade paroquial, onde elementos como o culto dos mortos, mas também dos santos, são actos marcantes de religiosidade paroquial. As suas instituições sócio-religiosas são os elementos essenciais à constituição e realização de síntese de identidade e transcendência deste corpo místico paroquial, que articula a vida terrena e espiritual e liga a história humana da paróquia e seus paroquianos à divina.
Neste âmbito, a paróquia organiza-se em ordem à instalação das instituições essenciais à prática social e religiosa dos mandamentos e ensinamentos da Igreja e prática social que se regula pelas obras de caridade – de que o desenvolvimento confraternal é particular testemunha –, mas também pelas preces e devoções que atraiam os favores e protecção divina e dos seus santos, contidos no Padre Nosso, na grande Invocação da Virgem – na devoção do Terço e do Rosário – na devoção e protecção dos santos, o padroeiro da paróquia e os demais de culto geral e local. E mobiliza-se sobretudo para a sua preparação para a vida espiritual que prepara a Morte e a vida do Além.
Estes são domínios absolutamente constantes e presentes na vida social comunitária, que marcam profundamente a Piedade e o Devocionário destas populações, fortemente enquadradas pela Igreja, pelo Pároco e pelas instituições paroquiais (com suas confrarias). Tal exprime-se sobretudo na generalizada prática de dotação de bens de alma que salvam e protegem a vida futura, e preparam a Bem-Aventurança Celestial e se exprimem na larga prática testamentária, então essencialmente enquadrada pelo Direito canónico e eclesiástico.
A preparação da morte e de uma Boa Morte é uma preocupação constante, presente na constituição das antigas confrarias da Boa Morte e agora sobretudo organizada a partir da confraria das Almas do Purgatorio, universal às paróquias. Mas também nos serviços do funeral, hábitos de enterro, missas de corpo presente, acompanhamento de eclesiásticos e confrarias, na reserva do local de enterro. Mas sobretudo na dotação de bens d’alma. Que nalguns casos, extremos, promove a alma a Universal Herdeira. Mas que em muitos casos, associa aos legados pios de missas, aniversários e capelas à alma, os familiares e por vezes também os vizinhos, vivos e sobretudo defuntos. Por aqui se exprime por excelência a constituição deste corpo místico de base fortemente familiar, mas que associa activamente a paróquia no envolvimento colectivo das devoções e invocações e na construção dos espaços de enterramento e das igrejas, as capelas, os adros, morada terrena, casa comum, por onde se faz a articulação e a passagem da vida terrena para a eterna e onde se evoca e actualiza a comunidade de vivos e defuntos no mesmo corpo místico, em trânsito terreno. Na constituição dos Legados Pios os párocos têm muitas vezes um papel activíssimo e central, como motores das últimas vontades e muitas vezes também como administradores testamentários.
É um corpo paroquial forte e coeso, que irá sofrer fortes investidas do Estado de Ilustração que se pretende laico e profano e que desferirá medidas drásticas para a sua dissolução, desligando as realidades terrenas das espirituais, desarticulando, no fim de contas, as bases deste corpo místico. Manifesta-se em especial na diminuição do Direito Canónico (pela Lei da Boa Razão, de 1769) e por ele o domínio civil da ordem eclesiástica, nas primeiras medidas contra o regime testamentário eclesiástico (pela Lei Testamentária de 1769), nos bens e autonomia das confrarias, entre outros «privilegios» eclesiásticos.
A ordem régia e municipal na paróquia
É através do município e ordem municipal que a Coroa e a Ordem Senhorial ao longo dos Tempos Modernos se articulam com as paróquias, acabando no essencial o município por enquadrar e suportar quase completamente a condução das medidas e políticas régias para o território.
A intermediação das cãmaras para a extensão e suporte da ordem e poder régio fixou-se particularmente a partir do exercício de tarefas de construção do seu poder económico e meios financeiros e também da ordem e direito público régio. No que diz respeito à construção dos meios económicos e financeiros, tais tarefas municipais dirigir-se-ão em especial ao lançamento e cobrança de impostos, em particular dos dois mais importantes impostos internos da Monarquia, as sisas e as décimas, primeiro com o encabeçamento das sisas, por finais do século XVI, depois com a presidência e controlo das superintendências das décimas pós 1640. Para a realização destas tarefas fiscais e financeiras e também para a instalação e estruturação local dos serviços régios – justiça, saúde, defesa – organizará a partir das câmaras, a Coroa, o essencial da sua «burocracia» para o governo régio e local do território, estruturando aí os juízos da correição, da provedoria, das superintendências fiscais, dos partidos municipais régios (saúde, ensino, música), das ordenanças.
Maior envolvência nas terras assumirão as câmaras, desde meados do século XVIII, através da condução dos processos de aforamento dos baldios dos povos que a Coroa lhes entrega e concede em propriedade administrativa. Por ele alargarão substancialmente as camaras o seu poder e fazenda, controlando um património – os montes baldios – de muito valor e grande disputa pela sociedade rural, como pelas receitas realizadas com os foros, melhorarão substancialmente as suas fontes de receita. Por estes aforamentos introduziriam as camaras a mais radical e continuada apropriação privada dos baldios, e por eles, o individualismo agrário em toda a economia e sociedade campesina.
A actuação das câmaras, por efeito da sua configuração ao serviço da administração fiscal e territorial da Coroa, mas também da sua actuação essencialmente virada para as questões económicoagrícolas e fiscais (regime das terças para garantia de subsistência às vilas, almotaçarias, aforamentos, fomento rural, rendas e coimas municipais, cobranças de impostos régios), terá efeitos muito limitados sobre o ordenamento social e condução administrativa das localidades, em termos sobretudo do desenvolvimento concelhio. A relação que estabelecem com as comunidades é, deste modo, uma relação político-fiscal-senhorial-rentista, que decorre de uma dinâmica senhorial e individualista.
A sua principal expressão, como se disse, foi a dos caminhos abertos ao individualismo por efeito do aforamento dos baldios, que dos montes se passa a todos os domínios de práticas colectivas nos campos, nos rios, afectando outros quadros de vida e organização social-comunitária e economia camponesa.
A articulação das camaras com as comunidades locais faz-se através da sua administração directa, pela câmara em reunião da vereação e em juízo geral; para as necessidades correntes com as suas escrivaninhas, em especial, o escrivão geral; pelas camaras em correição pelos termos – com ou sem a presença do juiz de fora – e pelas almotaçarias. A comunicação «administrativa» faz-se pelos oficiais porteiros ou outros oficiais subalternos da camara, do juízo geral ou de outros juízos camarários. A articulação indirecta e presença do município junto das comunidades faz-se pelos juízos de vintena, constituídos em geral nos lugares de mais de 20 moradores. São em princípio corpos de oficiais – constituídos em regra por um juiz, um número variável de quadrilheiros e jurados (os oficiais e seu número pode variar de terra para terra e região para região). São em princípio oficiais eleitos pelos povos, que se vão empossar à camara e levantar os seus regimentos e as posturas municipais para o governo dos povos. Vigiam o cumprimento das posturas e ordens municipais, mas também as régias. Encoimam até ao montante das suas alçadas e nos domínios da sua jurisdição, dão o rol das coimas à camara. Deles se apela para o juízo da almotaçaria ou da camara.
Nalgumas terras esta articulação pode ser feita por outras estruturas representativas das paróquias ou freguesias, designadamente pelos oficiais do subsino ou juízes eleitos da freguesia.
Memórias Paroquiais 1758
Sem comentários:
Enviar um comentário