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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 7 de novembro de 2020

O MANSO E O GUERREIRO V – O PORTO DO VINHO

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Hoje o Júlio Manso e o Tomé Guerreiro encontraram-se na Taberna do Pataquim. Uma escuridão sobre o Monte Meão bifurcando-se entre a Lousa e a Cardanha prenunciava borrasca estival. Muitas vezes não passava de susto, mas pelo sim pelo não, era melhor não arriscar. Aproveitavam para alargar o diálogo a outros que igualmente se abrigavam dos humores de S. Pedro que devia ter dormido mal a sesta a avaliar pelo relampejar que estalava no céu seguido de fortes ribombadas.
– Já não passamos sem apanhar com uma boa carga d’água.
– Pode ser que não. Já puseram o S. Martinho à porta – ripostou o Júlio, molhando a palavra e aludindo à tradição centenária de colocar a imagem do Bispo de Tours no cadeirão paroquial sob a arcada da porta de entrada da igreja, para que a tempestade passe ao largo ou que não cause grande estrago.
– Com este calor, se chover, vamos apanhar com uma boa carga de míldio!
– Lá se vai o Vinho do Porto!
– Do Porto? Do Porto porquê? 
– Porque é assim que é conhecido. 
– Aqui não. Aqui é Vinho Fino. Do Porto não tem nada. Só o nome...
– Isso é a mais pura das verdades. Devia ser Vinho Fino do Douro. Mas o Porto é quase como um íman. Atrai tudo o que tem valor e fica com ele.
– O Vinho generoso é uma boa metáfora sobre a auto-intitulada capital do Norte. Serve-lhe às mil maneiras este norte desertificado e esquecido para que a Invicta possa, contrariamente a Lisboa, manter-se dentro da zona de convergência. Mas quando se trata de distribuir os meios adicionais que por nossa causa acaba por receber abotoa-se bem primeiro e só depois é que deixa cair algumas migalhas.
– E às vezes nem isso.
– Tens toda a razão. Às vezes nem migalhas nos tocam. Veja-se o que aconteceu quando o ex-ministro Jorge Moreira da Silva quiz que um pequeníssimo aumento nas tarifas da água nos consumidores do litoral permitisse uma assinalável baixa nos preços unitário do interior que têm custos de exploração mais elevados. Foi o Porto que liderou a contestação e que veio inviabilizar este pequeno gesto de solidariedade.
– O que é válido para a água, não devia ser também para a eletricidade? Os custos não são mais baratos aqui que no litoral? 
– São, claro que são. Contudo o preço que os tripeiros pagam é rigorosamente igual ao dos transmontanos.
– Oh ti Tomé, não me diga que ainda continua com a candidatura da Agência Europeia do Medicamento atravessada.
– Atravessada não está. Porque haveria de estar? Agora, o que eu mais quero é que venha para o Porto, claro. É a única forma que temos de a ter por cá e sempre é melhor que fique em território português do que vá para outro lugar, apesar de tudo.
– Apesar de tudo? Parece pouco convicto, homem. 
– Não são favas contadas, podes crer. Vai ser muito difícil ganhar essa disputa.
– Mas o Porto fez o que lhe competia...
– Pois fez. Só tem a ganhar. Ao contrário de nós. 
– Ao contrário? Porquê ao contrário?
– Porque nessa competição, tal como na questão da água, nem as migalhas vamos arrecadar. Não ganhamos nada nisso e ainda podemos perder...
– Perder? Perder porquê?
– Veja bem: se a proposta portuguesa ganhar o concurso, os louros e proveito vão inteirinhos para o Porto. Para nós nada sobra dessa mesa.
– Não sobrará não, mas também não vejo que prejuízo podemos ter.
– O estrago pode ser grande. Se a União Europeia optar por outra cidade o golpe não atingirá significativamente o Porto que já fez valer e bem o seu peso relativo. Quem vai pagar o insucesso de uma troca de última hora da cidade candidata é o movimento regionalista. O Porto encontrará sempre uma outra benesse compensadora. O centralismo lisboeta é que olhará cada vez com mais desdém para a necessária descentralização.
– Mas isso não é grande novidade...
– Pois não. Só que agora já não se trata apenas de uma posição teórica e de princípio. Agora têm um exemplo para brandir. Poderão sempre argumentar que se a candidatura fosse melhor, entenda-se a original preparada por e para Lisboa, não teríamos perdido esta importante batalha! Tenham ou não tenham razão!

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

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