Não há dúvidas de que o número de cegonhas-brancas residentes em Portugal, que permanecem no país o ano todo, está a crescer. Basta olhar para os dados dos últimos censos de Inverno: em 1995 havia cerca de 1000 cegonhas nessa situação, em 2006 cerca de 8.000 e em 2015 foram contadas 14.434 cegonhas. Este ano, na primeira semana de Outubro, já eram 19.295.
“Há apenas umas décadas, todas ou quase todas as cegonhas migravam para África para passar o Inverno em locais mais quentes e com maior disponibilidade de alimento. Mas esse comportamento está a mudar e cada vez mais cegonhas decidem não migrar”, nota Inês Catry, coordenadora do projecto Birds on the Move, no âmbito do qual se realizou o censo de 2020.
No entanto, para a equipa confirmar se o peso de cegonhas residentes face à população total continua a subir, independentemente do crescimento do número de aves, faltava comparar os resultados agora obtidos com outros números. Calcular essa percentagem é possível “se soubermos o número total da população, dada pelos censos de Primavera, e o número de cegonhas que ficam cá e não migram”, explica a investigadora do CIBIO/InBIO, na Universidade de Lisboa.
Os censos de Primavera são censos internacionais, coordenados em Portugal pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, e realizam-se de 10 em 10 anos. O mais recente foi em 2014.
Cegonhas-brancas no Alvito, Alentejo. Foto: Inês Catry |
Em 2015, foi pela comparação entre censos de Primavera e de Inverno que os investigadores perceberam que o peso de cegonhas residentes estava a aumentar: “A proporção de residentes em 1994/1995 era 18%, tendo subido para 51,6% em 2004/2006 e para 61,7% em 2014/2015”, descreve Inês Catry.
E apesar de não se contarem os casais reprodutores desde 2014, pelo que não é possível repetir agora essa avaliação, é “muito provável” que a tendência se mantenha. Pelo menos a avaliar pelas cegonhas que a equipa segue por GPS, no âmbito do “Birds on the move”.
Uma das cegonhas do projecto, com emissor GPS. Foto: Carlos Pacheco |
Entre as cerca de 60 cegonhas adultas marcadas nos últimos dois anos, “77% são residentes e apenas 23% passam o estreito de Gibraltar.” Algumas ficam em Marrocos, mas outras “continuam até ao Sahel, passando o Inverno na Mauritânia, Mali, Senegal, ou até mesmo no Niger e Nigéria”, indica a bióloga, que adianta que algumas cegonhas passam o Inverno, ou parte dele, no sul de Espanha.
Por onde andam as cegonhas?
Os censos ajudam também a saber onde ficam estas cegonhas no Inverno: cerca de metade residem nos arrozais do Tejo, Sorraia e Sado; segue-se o Barlavento algarvio, incluindo o aterro sanitário situado no concelho de Portimão. “Para se ter uma ideia da importância dos aterros, no aterro de Ermidas do Sado e no do Barlavento foram contadas cerca de 2000 cegonhas – em cada um! – em 2020”, sublinha a investigadora.
A importância dos aterros já tinha sido notada pela equipa em 2015, quando concluíram que as cegonhas-brancas em Portugal estão a render-se ao fast food.
Por outro lado, acrescenta Inês Catry, não só a população de cegonhas continua a aumentar como “também a área de distribuição se está a alargar para o interior e norte do país” – tal como mostram os mapas elaborados no âmbito do projecto:
Porquê no Outono
Cerca de 30 pessoas foram para o terreno neste último censo de Inverno, concentrado em cinco dias para evitar a duplicação de contagens. Aos voluntários e técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e de outras instituições, juntaram-se outras 10 pessoas que enviaram observações pelas redes sociais e por mail.
As contagens fizeram-se por todo o país, com visitas aos locais onde se sabe que há mais cegonhas fora da época de reprodução, nas zonas de Viana do Castelo, Vila Real, Fundão, Aveiro, Baixo Mondego, Vieira de Leiria, Tejo e Sorraia, Sado, Santo André e Algarve. No Alentejo, os aterros sanitários de Beja, Évora e Ermidas são pontos de concentração importantes.
Cegonhas num aterro sanitário. Foto: Inês Catry |
Mas porque decidiram realizar um censo de Inverno ainda no Outono? É que “nesta altura já todos os adultos e juvenis que migram para África abandonaram o país, e por isso sabemos que só estamos a contar aves que não migram”, nota Inês Catry. Por outro lado, não chegaram ainda muitas cegonhas invernantes do Norte da Europa, “pelo que estamos a contar as cegonhas portuguesas.”
A seguir estas aves desde 2012
O projecto “Birds on the Move” – que significa “Aves em Movimento” – é coordenado pelo CIBIO/InBIO, tem como parceiros a Universidade de East Anglia e a British Trust of Ornithology, do Reino Unido, e ainda a universidade espanhola de Castilla-La Mancha. Começou em 2018 e para já tem financiamento previsto até 2021.
Mas já há quase uma década, em 2012, Inês Catry e uma colega portuguesa, professora na Universidade de East Anglia, tinham iniciado “um pequeno projecto de marcação de cegonhas-brancas com aparelhos GPS, para seguir os seus movimentos ao longo do ciclo anual”.
Ao longo do tempo cresceram as parcerias e também a equipa, que hoje inclui “inúmeros investigadores, bolseiros, pós-docs e alunos de mestrado e doutoramento”. Foram também obtendo diferentes apoios, que lhes permitiram desenvolver a investigação.
No âmbito do “Birds on the Move”, o principal foco são as “questões relacionadas com as mudanças no comportamento migratório das cegonhas e tentar perceber quais as vantagens e desvantagens de migrar”, descreve Inês Catry, coordenadora.
Nesse contexto, os aterros têm sido um dos grandes pontos de atenção para o projecto, por serem “um dos factores mais importantes, senão o mais importante para as mudanças de comportamento observadas”, pois têm “alimento disponível todo o ano”. Os investigadores querem também perceber se o número de cegonhas residentes continua a aumentar – motivo para a realização do censo de Inverno.
O projecto inclui ainda uma componente de estudos genéticos, “em que tentamos perceber se há uma base genética que explique estas mudanças no comportamento migratório.” Outra parte é dedicada aos riscos de comer nos aterros – quer para a saúde das cegonhas quer dos humanos – e o papel destas aves como vectores de transmissão de doenças.
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