Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Para grande espanto do Júlio Manso, o Tomé Guerreiro esperava-o sentado num banquinho de madeira, feito pelo Toninho Carpinteiro, já lá vai um ror de anos, em frente da improvisada mesa de pedra que a velha mó de um moinho lhe proporcionava, muito entretido e interessado a olhar para o ecrã brilhante de um novíssimo computador portátil.
— Ora vejam só quem é que já se interessa pela tecnologia. — Ora essa! A informática não é coutada da gente jovem. Não sabe o meu amigo que a infoexclusão de agora é o equivalente ao analfabetismo do tempo da nossa juventude? Além de que é justo ajudar quem nos ajuda.
— Essa agora! Ajudar quem?
— O Bill Gates, claro. O magnata da informática.
— E é esse que nos ajuda? Cada vez entendo menos.
— Caro Júlio, saiba que o empresário americano sendo o homem mais rico do mundo, criou uma Fundação que, entre outras coisas, está a financiar projetos de combate à malária.
— E o que é que isso tem a ver connosco?
— De duas formas: por causa da malária e porque o consórcio que está a desenvolver uma vacina conta com vários investigadores portugueses, do Instituto de Medicina Molecular, do Instituto Gulbenkian de Ciência, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Universidade do Minho.
— Mas isso da malária não é uma doença de África?
— É sim senhor. Uma doença terrível que só em 2015 matou mais de meio milhão de pessoas. Uma doença que afeta, entre outros, vários países de língua portuguesa. Mas também é uma doença que já andou por aqui e que as alterações climáticas podem muito bem criar as condições do seu regresso.
— Malária? Por aqui? Não tenho memória de ter ouvido falar...
— E de Paludismo? E de Sezões? E das Maleitas?
— Não me diga...
— Pois lhe digo. É tudo e a mesma coisa.
— Das maleitas e sezões ouvi falar muito. Quem é que da nossa idade não se lembra?
— Pois é! Tiveram muita incidência nas zonas de arrozais dos vales do Tejo e do Sado, mas também no nordeste, sobretudo no Vale da Vilariça.
— Doença terrível. Havia quem a associasse à Rebofa.
— É provável que sim. O Visconde de Vila Maior descreve o Vale da Vilariça como tendo sido um antigo lago que desapareceu pela deposição de aluviões que foram, por um lado, trazidos das montanhas próximas e por outro depositados pela ação violenta da Rebofa provocada pela configuração específica do Douro ao contornar o Monte Meão.
— E vossemecê sabe como é que uma coisa tem a ver com outra?
— As maleitas, ou paludismo era e é, provocado pela picada de um mosquito.
— E então?
— Então que a nata depositada pelas águas revoltas do Douro a que se juntavam as do Sabor, numa zona quente, exposta ao sol e abrigada do frio pela serra de Bornes, configurava um ambiente natural para a existência de focos de mosquitagem que transmitiam a doença a tantos que se dedicavam às lides agrícolas, sobretudo quando o faziam de forma exposta, com pouca roupa a cobrir-lhes o corpo e descalços.
— Uma doença que atacava sobretudo os mais pobres.
— Tal como agora, já nessa altura era uma doença ligada à pobreza. E é também isso que valoriza a ação da Fundação Bill & Melinda Gates.
— Pode explicar melhor?
— A Malária, tal como muitas outras doenças, pode, tudo o indica, ser combatida com medicamentos mas, sobretudo, ser evitada com vacinas. Mas como os possíveis doentes são gente pobre e com poucos recursos não tem merecido a atenção das grandes farmacêuticas. Por isso é importante que instituições que não procuram o lucro, como são as Fundações invistam nestas áreas para que seja possível chegar a resultados práticos.
— E as entidades portuguesas?
— Todas as entidades portuguesas de que lhe falei, são instituições sem fins lucrativos. O Instituto Gulbenkian de Ciência pertence à Fundação Calouste Gulbenkian que realizou há alguns anos um programa sem precedentes fazendo o rastreamento genético completo da ilha do Príncipe e cujo estudo está na base da atual participação neste consórcio.
— E acha provável chegarem a uma vacina?
— É possível. Tal como é possível e regresso do Paludismo ao nosso país fruto do aquecimento global que cria as condições para a reprodução do mosquito que o transmite!
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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