sábado, 28 de novembro de 2020

Sebastião Alba - Poeta insubmisso

 Quem é este poeta que tanto me apaixona?
Poderia começar por debitar o que, facilmente, ireis encontrar vertido por todo o lado em páginas públicas na Internet. Deixo-vos esse gozo da descoberta.
Resta-me, então, falar do que não está escrito, da emoção que sinto quando toco neste nome maior: Sebastião Alba, pseudónimo do Dinis Albano Carneiro Gonçalves (Braga 1940-2000).
Estareis neste momento a questionar - o que é que me liga a ele?
Quando há dias escrevi o poema NASCI EM TERRA DE POETAS estava a pensar no Nuno Nozelos, no Sebastião Alba, no Ernesto Rodrigues e na Ana Bárbara de Santo António e, no aconchego de berço que Torre de Dona Chama tem.
Para quando um Parque dos Poetas na nossa Torre?
Dir-me-eis: mas o Nuno Nozelos e o Sebastião Alba não nasceram, propriamente, em Torre de Dona Chama.
E estais cobertos de razão. Ser da Torre não advém da condição de nascimento, mas do amor que se tem pela terra. É preciso sentir o fervor crescente do encanto quando se chega à Torre, o cheiro que a natureza emana, o colorido da paisagem, o silêncio, o sossego, a ausência do bulício da cidade. É o reflorescer de emoções despoletadas a cada regresso. É a magia de sentir tudo fresco e novo como se fosse candura divina. É o impensável e indescritível a percorrer as veias mantendo a alma em resplendor. É ser-se genuíno e simples abraçando os seus com clamor.
Tanto o Nuno como o Sebastião, a seu pedido, jazem no cemitério da Torre. Quereis prova maior!?
Hoje, quero centrar-me no Sebastião Alba, o nosso Dinis, filho de gente da Torre.
Quanto mais procuro saber sobre ele, mais cresce a vontade de abraçar a alma deste Grande Poeta e Homem. Não é apenas a obra que nos deixou e que me traz em desassossego, é o facto de eu sentir que tenho de ir ao encontro do Homem, conhecê-lo nas diversas faces e camadas para o compreender, para me aproximar, para saber a cada dia um pouco mais, para lhe tocar na aura e descer à essência.
Descobri um homem sensível, inteligente, cultíssimo, de uma memória extraordinária, um ser inebriante, um nómada que tinha por casa a mortalha, insubmisso aos homens, às leis, às regras, à sociedade, um anarca.
Estareis por esta altura a levantar a ponta do dedo para me lembrar de que este homem vivia como um sem-abrigo, era um ser errante despojado de bens, quando até tinha família; dormia ao relento; andava sempre acompanhado de um rádio sintonizado na Antena 2; trazia no bolso a harmónica de beiços que tocava divinamente; uma garrafa de vinho escondida dentro de um saco de plástico; trazia a roupa do corpo e nada mais; passava fome e algumas pessoas davam-lhe de comer; escrevia divinamente, o que a mente lhe ditava, em qualquer pedaço de papel; deixava pequenos escritos como bilhetes, aqui e acolá, pelas pessoas a quem queria bem. Alguns que se aproximavam, sentiam repulsa pelo cheiro e o modo rude como ele às vezes os tratava. Só os verdadeiros amigos ficavam. Então, o que há nisto tudo de fascinante e arrebatador?
Ah, se pudesse voltar no tempo, ao tempo em que ele deambulava por Torre de Dona Chama, aquando das visitas à terra, à família e aos amigos! Tentaria aproximar-me dele, pouco a pouco, para o ir conhecendo, matando a minha sede na sua imensa sapiência, humanismo e sensibilidade. Quem sabe, não nos entenderíamos e trocaríamos papeizinhos escritos com algum poema, quem sabe!?
Descobri alguns pontos comuns que nos teriam aproximado, julgo eu. Ambos amamos a liberdade, os pássaros e seu canto, o voo livre, o ser humano enquanto frágil, por exemplo: as crianças e os idosos, a música, a literatura, a poesia, o amor romântico, o mar.
Estudei sempre fora e por longe fiquei a trabalhar. No pouco tempo que passei na Torre, nunca tive a sorte de me cruzar com ele.
Dinis viveu além do limite humano e excedeu-se na poesia. Poeta de extraordinária qualidade; Ser Humano a estudar no seu todo.

Deixo-vos, para deleite, com uma poesia sua...

Na sua primordial existência…

Na sua primordial existência
a poesia deixar-me-á da ternura
só o que é defensável

e à margem do papel em que escrevi
as cidades e os campos
através dos quais me acenou

apartará do meu paladar
o sabor do sagrado
com que ainda a nomeie

já não buscarei nos ensaios que cerco lhe moviam!
e nos ideais por que alheada
roçagou
que da janela eu não deslinde
de um cão em paz
a visagem ancestral
e a minha emoção seja enfim sedentária

e recém-chegada a noite finde
sem dar acordo de si.

Sebastião Alba
 
Teresa A. Ferreira, 28-11-2020

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