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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Bragança nos anos de 1870, através dos Relatórios dos Governadores Civis

Para a década de 1870, dispomos de relatórios impressos, apresentados pelos governadores civis à Junta Geral do Distrito, que nos elucidam, com informações pormenorizadas, sobre os mais variados assuntos e matérias atinentes a Bragança e seu Distrito, sobre os problemas que existiam e sobre soluções que se propunham. E, claro, também nos elucidam sobre diferenças existentes no pensamento dos governadores civis, no que respeita a matérias e assuntos que traziam à Junta para que esta se pronunciasse.
Igreja do Convento de Santa Clara, para onde estava proposto o funcionamento de uma roda-hospício, creche e asilo
O poder central queria conhecer o País, mesmo as parcelas mais recônditas. E queria que o País fosse conhecido. Interesses científicos e “desenvolvimentistas” assim o exigiam. Apreciações qualitativas surgem apoiadas em manifestas preocupações quantitativas. São muitas as análises, as apreciações e as decisões fundamentadas em dados e elementos numéricos, a traduzir preocupações de rigor. Havia a intenção de dotar a administração de elementos que lhe permitissem programar, decidir, intervir. Só assim seria possível progredir e ultrapassar atrasos e marasmos…
Era fundamental conhecer melhor, para saber mais e para melhor poder decidir, em ordem a tentar resolver problemas e a equacionar e aplicar soluções. Acontece que, frequentemente, é grande a distância que medeia entre os diagnósticos e propostas avançadas, e as soluções encontradas. Por falta de meios e condições, vai-se ficando, não raras vezes, pelo campo das boas intenções. Fica-nos a sensação de que, se os problemas não se resolvem, não é por não saber ou por não querer, é por não poder. Por tudo isto e pelo que nos podem ensinar sobre o Distrito e a sua capital (a sua cabeça), fazemos uma abordagem destes relatórios, sublinhando aspetos que nos parecem significativos, sob o ponto de vista social, para melhor conhecer a história destas terras e das suas gentes.
Deparamos com informações preciosas não só sobre o Distrito, mas também, não tantas como desejaríamos, sobre a sua capital. Como é evidente, a história dos dias de Bragança – com os seus problemas e os seus anseios – também se faz dentro do Distrito, em interação com as terras que o compõem. A sua esfera de ação exerce-se, em boa medida, nesse espaço de que Bragança é “centro”.

No limiar do último quartel do século XIX, não obstante o que ainda vai permanecendo, a sociedade era, como se poderá comprovar pelas suas estruturas, pela sua organização, pelas suas vivências, problemas e valores, bem distante da dos nossos dias. Veja-se, por exemplo, o preocupante e absorvente dossiê dos “expostos”, que tantas atenções e preocupações desperta e que tantos meios mobiliza – “assunto” que não havia outro, como diz um Governador Civil, de “maior transcendência” – em formações sociais que parecem estar tão distantes das nossas. Uma sociedade que, embora apresentasse graus e subsistemas de ensino que ainda se mantêm, tinha um “sistema educativo” em que cabiam estabelecimentos escolares que, apesar de continuarem a ostentar o mesmo nome, apresentavam manifestas diferenças – como se verá, quando falarmos, por exemplo, do Liceu de Bragança.
Uma última nota para realçar, a propósito, que aparecem homens com uma sólida formação intelectual a ocupar cargos públicos importantes, mas que também aparecem no funcionalismo e na administração, no ensino, na vida militar, na imprensa. Pertencem a uma elite que integra gente com diversas formações ideológicas, que pensam e escrevem, que dão provas, pela cópia de informações que possuem e pelas matérias que dominam, de uma sólida e multifacetada preparação, de uma grande riqueza cultural, e que sabem, além disso, cultivar a plasticidade da língua.

Analisemos, mais detalhadamente os relatórios de 1870, 1872 e 1875.

No Relatório apresentado à Junta Geral do Distrito de Bragança na sessão ordinária de 1.º de Dezembro de 1870, pelo Conselheiro Governador Civil Jerónimo Barbosa de Abreu e Lima, o Governador relata aos procuradores à Junta Geral o estado da administração “nas suas mais próximas relações com os assuntos da competência da Junta”. A situação era, em muitos domínios considerados essenciais, particularmente difícil. O Governador como “delegado do Rei” e os “delegados do Povo”, com assento na Junta têm a obrigação de dar o seu contributo e concurso para ajudar a debelar tão difícil situação.
Começa por dar notícia das últimas deliberações da Junta. Ficamos desde logo a saber que verbas votadas no orçamento vigente não vão ser aplicadas, como, por exemplo, a de 400$000 réis para “estudos de uma estrada distrital” e a de 350$000 réis “para compra de livros para uma biblioteca distrital com assento no Liceu”. Avança uma outra informação que nos ajuda a radiografar o estado da Cidade a propósito de instrução e cultura, lembrando que no Paço Episcopal existem “alguns milhares de livros num estado deplorável”. O prelado diocesano, acrescenta-se, “quando Bragança chegue a lograr a sorte de o ter aqui residente”, não quererá “presenciar… a crescente destruição de tantos livros”.
Outra grande preocupação era a criação da “estação experimental de agricultura” – o decreto de 2 de dezembro de 1869 mandara criar “em cada distrito, estações experimentais de agricultura” e “um curso elementar de agricultura em todos os liceus, tanto de 1.ª como de 2.ª ordem; o qual fará parte do curso geral”; o problema é que não aparecia em Bragança, ou perto da Cidade, “uma quinta com as condições exigidas”. E sobre o projetado “Curso Elementar de Agricultura”, não se despendeu a verba para gratificar o professor da cadeira, porque esta ainda não havia sido ainda estabelecida.

O tema quente que vinha a levantar grande controvérsia dizia respeito à supressão das rodas e aos expostos.
A 29 de março de 1870, a Junta tinha deliberado a sua supressão em sete concelhos do Distrito, continuando nos de Bragança, Mirandela, Moncorvo, Mogadouro e Vinhais. A decisão não tinha sido, contudo, executada.
O Governador antecedente era defensor da necessidade de existirem estas instituições em todos os concelhos.
Mas este, Jerónimo de Abreu e Lima, como faz notar, não partilhava de tais receios; aplaudia a resolução de reduzir o número e executá-la-ia se a Junta, na presente reunião, a confirmasse.
É um assunto que merece sustentadas considerações… São de monta os argumentos teóricos aduzidos para defender a extinção nos moldes em que funcionavam: “inspira-me horror uma instituição que designa o lugar onde a mulher pode abandonar o seu filho. Nasceram as rodas, e têm vivido, sob inspirações de uma caridade, que ainda direi sincera, mas demasiado indulgente, e mais preocupada dos sofrimentos individuais que dos interesses gerais da sociedade. Aos próprios olhos dos que defendem as rodas não têm estas outro merecimento senão o de prevenir os infanticídios, encobrir a vergonha, a fraqueza e o escândalo, proteger a honra das famílias e a paz, algumas vezes, no próprio matrimónio. Mas a horrorosa história das rodas desmente o pretexto, atestando nelas um número de infanticídios incomparavelmente superior ao que com elas se pretende prevenir. A diferença apenas está em que os infanticídios, nas rodas, têm o seu cunho oficial, permita-se-me dizê-lo”.
O miserável grupo dos expostos acaba – como lembra –, por desaparecer da sociedade. É grande a tragédia. “Entre os mancebos recenseados para o serviço militar, ainda abundam os expostos. Mas afinal, nas inspeções, aparecem mui raros. Entre os criados de servir, entre os jornaleiros, entre os artistas, e nas outras classes, não escasseiam menos. Irão povoar as prisões? Engrossar as massas dos mendigos? Nem isso, talvez! Esta infeliz classe só representa nas rodas para esmagar os distritos e os municípios. Depois, desaparece quase completamente, a não ser das estatísticas da miséria, do vício e do crime!”. Constituem “a classe mais miserável e desgraçada que pode imaginar-se; porque destes, os poucos que escapam à morte, não têm ao menos uma mãe, nem nome, nem família, nem parentes, nem outra Pátria, senão a que lhe assinou a sua desgraça; parasitas da sociedade, que por sua vez incomodam e perturbam; vitimas da própria lei, que tolera a sua exposição, para a qual designa lugares”.
Palavras que dão a dimensão de um verdadeiro drama social e do peso que representavam para os magros orçamentos.
Situações terríveis surgiam, ainda, quanto ao destino posterior. Deviam os expostos, “findos os sete anos da criação, ser entregues pelas Câmaras Municipais aos juízes orfanológicos, para estes lhe darem tutores e os assoldarem; deixando-os de preferência, o que é de boa razão, às amas que os tiverem criado”. Ora este trabalho com a “classe mais mísera” não era feito. Havia outros problemas, como o dos subsídios “às mães ilegítimas… para a criação de seus próprios filhos”. Existiam, em 30 de junho de 1869, 295 crianças subsidiadas. Em 1869-1870 foram feitas intimações “a mulheres solteiras, grávidas, para darem conta dos filhos”. Estranho e complexo mundo este, com rodas e amas, com juízes e administradores, com subsídios e grandes encargos para o erário, com muita dor
física e moral, muito sofrimento e infortúnio.
A Instrução Pública, pela importância que lhe era atribuída, é objeto de várias considerações. “A instrução pública, especialmente se a fizermos compreensiva da educação propriamente dita, é o primeiro gérmen de todas as virtudes morais e sociais, a mais essencial condição da verdadeira civilização, progresso, prosperidade e bem-estar dos povos; e para ela, portanto, devem convergir todos os cuidados”.
O Seminário de S. José, em Bragança, é “o único estabelecimento de instrução superior que há no Distrito…
No ano letivo de 1869-1870, fora frequentado por 14 alunos, nas sete cadeiras que constitui, por três anos, o seu curso superior de estudos teológicos”. Da baixa frequência, escreve que “não pode inferir-se a falta de vocação dos habitantes do Distrito para o estado eclesiástico. Antes deve considerar-se que uma grande parte do Distrito pertence ao arcebispo de Braga, aonde vão ainda estudar muitos alunos naturais deste bispado de Bragança.” O Seminário reabrira em 1852, tendo estado fechado 21 anos208. O currículo, alguns anos depois, continuava a ser pouco ambicioso – no 1.º ano do curso superior, História Sagrada e Eclesiástica e Direito Natural; no 2.º ano, Teologia Moral, Direito Canónico e Lugares Teológicos; no 3.º ano, Teologia Dogmática, Teologia Sacramental e Pastoral, Cerimónias Religiosas e Cantochão.
O mesmo se poderá dizer do Liceu, com um conjunto pobre de disciplinas e com graves insuficiências, como se pode ver pelos dados alusivos à “frequência e estado” no ano letivo de 1869-1870. A Junta devia fixar-se em vários factos: “Das 12 cadeiras, em que se ensinam as disciplinas que constituem o curso do Liceu, seis estão vagas.
Das outras seis, a uma, a de filosofia, não pertenceu exercício naquele ano letivo”. Era um estabelecimento de ensino – único da “instrução secundária” – com uma oferta curricular muito limitada. Era de supor que pudesse dispor de um plano de formação mais ambicioso, mas estas escolas ainda estavam longe do que viriam a ser. As humanidades pesavam muito no conjunto das cadeiras e seria preciso esperar pela reforma de Jaime Moniz, de 1894-1895, que instituiu o regime de classes que, com as alterações de 1905, está na base da estrutura do ensino liceal que ainda hoje se mantém.

Sobre a instrução primária, os números falam por si e dizem-nos do universo limitado dos alunos que frequentavam as escolas e da desproporção entre os dois sexos. Tinha o Distrito “119 cadeiras públicas de instrução primária, das quais são 104 para o sexo masculino; e 15 para o feminino; aquelas frequentadas por 2 965 alunos; estas por 609”. Na perspetiva de quem tem de gerir os escassos dinheiros públicos, conclui que o ensino primário “está caríssimo”. A “pouca concorrência da mocidade educanda às escolas” era imputada “aos magistrados e funcionários locais, que não cumprem o disposto no decreto de 20 de setembro de 1844, compelindo os pais e todos os superiores dos menores de 7 a 15 anos a mandá-los às escolas”.
No âmbito da assistência, engloba neste setor os estabelecimentos de piedade e beneficência, não só porque quase todos participam “desta dupla qualidade, mas porque entre os encargos de piedade e os de beneficência existe a mais íntima relação”.
O Distrito tinha então seis hospitais, incluindo o de Bragança, com pequeno movimento – “média de 23 o movimento dos enfermos recolhidos neles” –, devido à sua pobreza.
O Asilo Duque de Bragança recolhia poucas órfãs, tinha custos elevados e a educação aí ministrada era de duvidosa “utilidade”. A posição do Governador é muito crítica: “poderia aplicar aos asilos o que expus com respeito aos hospitais. A tudo passa a sua época. A vida, a instituição e a educação, em comum, de um certo número de pessoas submetidas a uma regra uniforme, não tem dado nem pode dar boas provas. Cortar entre as pessoas as relações de família, os hábitos e costumes locais, e criar-lhes novas necessidades e aptidões impróprias, oferece seus perigos, os quais ainda sobem de ponto com um asilo que recebe e sequestra meninas de sete anos de idade para as expulsar aos 15 anos”.
Alude à importante ação das confrarias que, para além de outras funções, eram “uma espécie de bancos de crédito rural, onde os lavradores, em suas frequentes necessidades, encontram dinheiro com baixo juro, em lugar de usura mordente”. Em número de 91, em todo o Distrito, constituíam “os mais antigos estabelecimentos, todos de piedade, muitos também de beneficência, alguns ainda de instrução”.
A Saúde Pública e a Polícia fornecem-nos elementos sobre o viver, o sofrer e o morrer desses tempos. As principais preocupações prendiam-se com o grande o défice de práticas sanitárias e higiénicas e com a atividade criminosa. Os meios, as práticas e os recursos eram insuficientes e impróprios para zelar pela saúde, pela morigeração dos costumes e pela segurança dos cidadãos. Um dado particularmente positivo diz respeito à nomeação para todos os concelhos dos respetivos subdelegados de saúde pública, nos termos de um decreto de 1868.
Ainda faltavam muitos cemitérios: “Há cemitérios em 157 freguesias; não os há em 153; e estão em construção em três. Neste Distrito, os povos, honra lhes seja feita, não são fanáticos a ponto de repugnarem aos enterramentos fora das Igrejas”. O decreto de 3 de dezembro de 1868, e respetivos regulamentos sobre enterramentos, “vão tendo execução regular em alguns pontos do Distrito”; contudo, mesmo no fim do século, em algumas aldeias ainda iam enterrando os seus mortos nas igrejas.
Os crimes, em 1869, haviam diminuído em relação ao ano anterior. Mas as cifras, em particular as do Concelho de Bragança, preocupam o Governador. “Chega mesmo a horrorizar, ver que o Concelho de Bragança, capital e sede do governo do Distrito, não chegando a ter a sexta parte da população deste, concorresse com cinco assassinatos para os dez de todo o Distrito; e com mais de terça parte para os crimes de rixas, desordens e ferimentos!”
A justiça não funcionava como devia. “Quase todos estes assassinatos… foram acompanhados de circunstâncias que manifestam a premeditação. E é tal o favor que o crime encontra entre os habitantes deste Distrito (falo na generalidade), que quase nunca é preso o delinquente em flagrante delito”. “Ainda que queiramos atribuir esta espantosa criminalidade só à ignorância, à rudeza e maldade dos habitantes do Distrito, não podemos deixar de reservar uma grande parte da responsabilidade aos magistrados e funcionários administrativos”. A ignorância seria – na perspetiva deste espírito iluminado – “a primeira fonte do crime”.

A emigração, que lá para o fim do século irá ser tão marcante, era apenas residual. “A ambição da riqueza [que] em alguns distritos, como nos do Minho, impele uma boa parte dos seus mais vigorosos filhos a ir procurá-la a troco da própria vida, em longínquas regiões, fora da Pátria, da família e dos amigos, domina pouco neste Distrito”. “Treze varões tiraram passaporte para o Brasil, quatro para Espanha, em 1869. A emigração para o interior do País é igualmente rara”.
Ainda uma informação significativa sobre os problemas que levanta uma reforma em curso: a aplicação dos “novos pesos e medidas marcha a passo mui lento. Só resta a esperança de que as novas gerações, ao saírem das escolas… venham vencer a repugnância que os povos, mais por ignorância do que por propósito, têm a esta inovação”. Numa região de arcaísmos e de apego a “costumeiras” consagradas, as coisas não eram fáceis. Havia resistências à inovação.
No Relatório apresentado à Junta Geral do Distrito de Bragança na sessão ordinária de 1872 pelo Governador Civil do mesmo Distrito…, este magistrado, Tomás António Ribeiro Ferreira, confessa o intuito de lançar uma vista sobre as “pessoas e as coisas do Distrito”.
Em relação à população, pelo mapa do movimento da população de 1871, conclui o Governador Civil que “o número de óbitos aumenta, ao passo que a cifra dos habitantes diminui; e conquanto aumentasse também o número de nascimentos, o obituário sobrepuja-os… Os resultados podem atribuir-se a muitas causas, tais como à falta de cuidados higiénicos no Distrito, ao estacionamento de sua riqueza, e porventura, o que é pior, a relaxamento nos laços da família, o berço, o abrigo, a égide da sociedade”. Entre as razões para o decréscimo, sobrevaloriza assim as causas morais, que residiam no “relaxamento” dos laços familiares, considerando que a família deveria ser o esteio fundamental da sociedade.
“Tendo crescido a população”, nos últimos dez anos, em 9 386 habitantes “apenas houve a mais… 66 casamentos; tendo assim proporcionalmente decrescido em notável e estranhável escala o número dos enlaces legítimos; ao passo que o movimento dos expostos, se tem decrescido nos dez anos últimos, havendo para menos catorze, o das mães subsidiadas, que não são legítimas, tem crescido de 89 a 164”.
Conclui-se que a emigração continuava a pesar pouco “porque nos últimos dez anos apenas se contam 217 emigrados, o que prova em favor de sua riqueza”. Duvidosa explicação. Não provaria, antes, uma certa inanição que caracterizava a sociedade? Não provará o peso de rotinas que levavam a um apego à terra que se receava deixar? Não seria antes prova de resignação e de receio do desconhecido? Certo é que, anos depois, quando as condições se deterioram, a emigração dispara, como referimos noutro capítulo desta obra.
Demonstrando ideias e valores profundamente conservadores, considera que os perigos e os riscos sociais vinham, por um lado, das oficinas e, por outro, das “salas” (isto é, dos salões). “Há tudo a esperar da população deste Distrito: é laboriosa, sóbria, valente e obediente aos mandados da autoridade; quase exclusivamente agricultora, não está contaminada nem pelas simulações, às vezes desculpáveis, do pequeno comércio, nem pelos moles efeminamentos das salas, nem pelos sonhos dissolventes das oficinas; reconstrua-se-lhes ou ampare-se-lhes a família, e não há que recear”.
No âmbito da Instrução e Cultura, fala com entusiasmo do Liceu. “A nova reforma dos liceus, decretada em 23 de setembro e regulamentada na portaria de 5 de outubro último, veio melhorar as condições dos alunos dos liceus de 2.ª classe; assim, a concorrência, que decrescia no Liceu de Bragança, tende a aumentar, e certo estou de que a matrícula do ano imediato há de mostrar os salutares efeitos da reforma”. Regista que a livraria distrital “começou a funcionar em março de 1872”, devendo-se assim, “continuar a consignar uma verba, pequena que ela seja”, para a mesma. O Seminário de S. José “carece sobretudo de melhoramentos materiais”, sendo em novembro de 1872 frequentado por 16 alunos.
O tema dos Expostos continuava a justificar grandes narrativas por parte deste Governador Civil. Na sua opinião, tornava-se fundamental lançar a Roda-Hospício de Bragança. “Assim, pois, ouso lembrar à Junta a conveniência de reformar o serviço dos expostos sobre as seguintes bases: Artigo 1.º Ficam reduzidas a duas as rodas no Distrito de Bragança, com a denominação de ‘Rodas-hospícios’, e terão a sua sede, uma na Cidade de Bragança, outra onde a Junta designar”. O artigo 2.º definia quem aí podia ser recebido e sustentado “a expensas do Distrito”.
A Junta foi além do proposto e votou a substituição das rodas, que ainda funcionavam, por um só hospício em Bragança. “Os maiores males que afligem a população incontestavelmente são o abandono ou exposição, e a perpetração de crimes”.

Ao contrário do que se defende no Relatório de 1870, valoriza-se, agora, por justificadas razões, uma instituição como o Asilo Duque de Bragança, uma vez que, com uma orientação correta, era possível transformar este estabelecimento em órgão educativo de grande valor. Propunha o Convento de Santa Clara para aí estabelecer as seguintes instituições: roda-hospício; creche; asilo, a cujos cuidados a creche será confiada.” É “criada uma creche, na Cidade de Bragança, como complemento da respetiva Roda-hospício e anexa ao Asilo Duque de Bragança…
Nesta creche serão admitidas todas as crianças até à idade de sete anos, cujos pais, educadores ou criadores, tiverem trabalhos que os inibam de cuidar delas durante o dia, ou ainda durante a semana.” Diz o Governador Civil que a sua ideia “é fazer um estabelecimento, novo no seu género, composto de três secções, a saber: berço, recreio e guarda, escola”. São ideias de um pedagogo, avançado para o tempo, as que dá sobre a creche.
Finalmente, o Relatório apresentado à Junta Geral do Distrito de Bragança na sessão ordinária de 4 de janeiro de 1875, pelo Governador Civil Adriano José de Carvalho e Melo, abre com uma profissão de fé, proclamando “sincera e convencidamente a liberdade, a igualdade e a fraternidade dos homens”, mas consagrando “com igual convencimento e sinceridade o lema que sempre fez, e hoje mais que nunca, a honra, a força, o respeito, a glória e a admiração de Portugal: Deus, Pátria, Rei e Carta”.
As informações sobre a instrução primária do Distrito, então frequentada por 4 113 alunos, mantêm-se idênticas. Para o sexo feminino, apenas havia 22 escolas pagas pelo Estado e quatro subsidiadas pela Junta Geral – 287 freguesias careciam de escolas para este sexo. Eram frequentadas por 1 440 alunas.
Considera “em geral desleixados e pouco habilitados os professores retribuídos pelo Estado, e profundamente ineptos e improfícuos os que regem cadeiras criadas pela Junta Geral… As somas despendidas pelo Distrito com tais escolas redundam em pura perda, e, se alguma significação têm, é apenas a de subsidiar vadios e afilhados”.
É de opinião “que todas as cadeiras criadas pela Junta devem suprimir-se, aplicando-se a soma destinada a subsidiá-las, a ampliar a dotação do Asilo do Duque de Bragança “por modo que seja, não só parte complementar do Hospício dos Expostos, servindo para aí se educarem as meninas expostas e abandonadas que não forem reclamadas por seus pais até aos sete anos de idade, mas para que nele se estabeleça uma escola do sexo feminino em condições de servir de escola normal e de habilitação para as meninas ou senhoras que se consagrem ao magistério, e que ao mesmo tempo possa receber e instruir quaisquer alunas externas que a queiram frequentar”.
Está aqui o essencial das propostas que, na prática, integram o “pensamento social” do Governador Civil: fazer do Asilo uma instituição complementar da roda-hospício (a “roda”, como vimos, havia sido extinta pelo seu antecessor) e dotá-lo de outras funções, de outras valências educativas e pedagógicas.
Quanto ao Liceu Nacional, o número de alunos aprovados em 1872-1873 cifra-se em 113, número que o entusiasmava. Mas logo de seguida, lembra que o Liceu se achava “num estado pouco próspero por muitas considerações que me abstenho de desenvolver, mas principalmente porque o pessoal do professorado se compõe, na sua máxima parte, de elementos provisórios. De seis professores, apenas dois são proprietários e efetivos!”.
O Seminário Diocesano, em 1873, contava apenas nove alunos matriculados. Lamenta a morte do prelado José Luís Alves Feijó, primeiro professor do Seminário depois de reaberto, que tanto havia feito por esta instituição.
E da “Livraria Distrital” – cuja criação só se concretizou em 1872, adquirindo logo nesse ano cerca de duas centenas de livros –, considerava que era um instrumento de “liberdade e de progresso”.
No capítulo dedicado à Segurança, Ordem Pública e Criminalidade, lembra que as lutas partidárias também seriam responsáveis pela insegurança das pessoas e das propriedades, “designadamente, em alguns concelhos e comarcas do Distrito, onde as lutas partidárias, mais de campanário do que gerais, têm estado mais acesas, e onde, mau grado a ação dos magistrados da ordem judiciária, a impunidade tem sido distribuída a mãos largas pelos beligerantes como prémio de serviços eleitorais.” Os receios acentuam se porque a agitação social alastra por todo o lado: este número crescente dos atentados seria “em qualquer época irrecusável e autêntica revelação de um mal social… mas na quadra difícil que estamos atravessando – quando tempestades sociais troam e turvam os ares por todo o mundo – os sintomas notados… podem ser precursores de acontecimentos gravíssimos se a Providência não continuar a velar por nós”. Durante três anos, entre setembro de 1871 e outubro de 1874, na comarca de Bragança, foram cometidos 148 atentados “contra as pessoas” e 127 “contra as propriedades”.
Nas suas considerações, valoriza sempre o papel da família: “Os crimes tem sempre por origem a imoralidade – e a imoralidade procede não só da falta de educação moral e religiosa, de obliteração do sentimento do dever, da relaxação dos laços da família e dos costumes; mas também da impunidade”.
É grande a penúria de meios: “É estranhamente difícil, se não impossível, senhores, prevenir ou ao menos reprimir os atentados contra as pessoas e contra as propriedades num Distrito onde não há elementos alguns de polícia urbana ou rural que mereçam este nome.” Aponta duas causas principais para este estado de coisas: “uma é a deficiência da organização destes elementos de polícia obrigatória e gratuita… e a principal procede da impunidade do crime decretada nos tribunais, não pelos magistrados judiciários… mas pelo júri… e pela influência de protetores natos de criminosos”. Submete, por isso, à deliberação dos procuradores uma proposta que o autorize a “organizar um pequeno corpo de polícia civil… destinado a fazer a polícia urbana e municipal da Cidade de Bragança, a desempenhar o serviço da extinção de incêndios da dita Cidade e a responder às necessidades policiais da perseguição dos criminosos em todos os concelhos do Distrito”.
Prossegue com a saga dos Expostos, como se pode ver, quer pelas considerações doutrinais produzidas, quer pelas propostas apresentadas. Aproveita as palavras do seu antecessor, Tomás Ribeiro, para caracterizar o enjeitado, o abandonado, o exposto: “o enjeitado é aquele que se atirou fora; aquele a quem os autores de seus dias não quiseram e não reconheceram”.
É com entusiasmo que refere o salto qualitativo que representou a passagem da “roda” a hospício, decidida pelo seu antecessor, votando grande admiração à excelência da administração deste estabelecimento. Os números dão-lhe razão: “A média dos falecimentos anuais ocorridos nas rodas é de mais de 25 por cento”. Para que o funcionamento fosse eficaz, era necessário “vigiar” e “punir”. E foi o que aconteceu, com êxito, no Distrito. Em conclusão, entende que a roda-hospício não “custa tanto como a roda cega e muda, não mata como ela, não é prémio e incitamento à imoralidade, não é fonte e origem de crimes e de vícios: mas protege caridosamente a inocência abandonada, reanima o amor materno e aperta os laços da família”.
Tendo que ver, em primeira análise, com os problemas da exposição e do abandono, considera que o Asilo Duque de Bragança “deve ser alvo de um investimento sério, porque pode funcionar como complemento da Roda-hospício”. O Asilo contava com “17 asiladas, das quais 16 são órfãs e pobres e uma é pensionista que paga 3$000 réis mensais”. E propõe, como se já acentuou, que sejam atribuídas outras funções a esta instituição, continuando a defender a instalação do Asilo no extinto Convento de Santa Clara. Segue-se um apontamento que, à mistura com preocupações morais do autor, nos elucida acerca da ocupação que estava destinada a muitas destas jovens, empregadas como criadas de servir.
Enfermaria do Hospital Militar de Bragança, no início do seculo passado
Os Relatórios – feitos já depois da idade pré-estatística (o 1.º recenseamento é de 1864) – são de facto importantes para conhecer as ambiências política, económica, social e cultural. E se depois vai haver alterações, talvez possamos dizer, pedindo palavras emprestadas a um dos governadores, que “a agricultura deste Distrito que era ainda infante e já decadente”, assim vai continuar a ser e que o “trabalho industrial quase se resume na agricultura”.
Por outro lado, não se confirmaram as previsões otimistas do Governador, Carvalho e Melo, quando escrevia que “a transformação do País e deste Distrito será completa em breves anos”.

Bragança na Época Contemporânea
Edição: Câmara Municipal de Bragança

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