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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 20 de outubro de 2018

O “bando dos quatro” e o renascimento das periferias do vinho

Há muito mais Douro para além dos postais ilustrados junto ao rio e dos vinhos concentrados e maduros. O Douro dos altos está a começar a ter uma segunda oportunidade. E há outros bons exemplos que mostram que outras regiões se reinventam e o vinho português se diversifica e avança. Merecem uma vénia.


Durante a vindima, um grupo de jovens do planalto de Alijó-Favaios, o maior do Douro, desce até junto ao Pinhão e, de noite, rebusca umas caixas de uvas em várias quintas famosas das redondezas. “Rebusco” é um eufemismo. Tecnicamente, trata-se de um roubo, mas é um daqueles roubos piedosos e divertidos que não fazem mal a ninguém. “Vindimam” uma caixa em cada quinta (uma caixa leva uns 20 quilos de uvas) e, no final fazem um vinho, a que chamam “Roubado”.

Não enchem mais do que uma barrica de 225 litros. No lote entram uvas das vinhas onde é feito o tinto Pintas ou de quintas como a Noval, por exemplo. Uvas de várias castas, tintas com algumas brancas à mistura, porque o “roubo” é feito às escuras e de forma rápida. O prejuízo para os proprietários das vinhas é ridículo (10 a 15 euros) e o único lucro dos jovens é o gozo de beber um vinho que, na sua soma, reflecte o melhor da região. Não há vendas, o vinho é para ser bebido apenas em confraternizações do grupo.

Já há pelo menos duas colheitas de “Roubado”. Quando o vinho estiver pronto, é provável que os jovens enviem umas garrafas a cada um dos “extorquidos”, como recompensa. Só lhes ficava bem.

Directa ou indirectamente, todos os membros do grupo estão ligados ao vinho. Alguns são enólogos recém-licenciados. O “Roubado” é apenas um  pretexto para se encontrarem e fazerem provas de vinhos. São jovens que se divertem a ir “roubar” umas caixas de uvas mas que também cedem vinhos próprios em favor de causas sociais. O que os move é o gosto pelo vinho e a necessidade de tornar mais fácil e interessante a vivência num concelho (Alijó) cada vez mais desertificado e envelhecido e onde a oferta de vinhos, em bares e restaurantes, é muito limitada e regional.

O “Roubado” é apenas um fait-divers. O lado verdadeiramente interessante desta história é ela ser um bom exemplo da irreverência e do sangue novo que uma nova geração de enólogos e enófilos está a insuflar àquele planalto do Douro. Historicamente ligado à produção de vinho Moscatel fortificado, o planalto de Alijó-Favaios está quase no limite para a produção de vinho do Porto (600 metros de altitude), o que, de algum, modo, explica a sua pouca visibilidade no contexto regional e nacional. Durante muito tempo, o Douro que realmente contava ia da meia encosta até à borda do rio e dos seus principais afluentes. As uvas dos altos valiam pouco. Hoje, com o boom dos vinhos DOC Douro e as alterações climáticas, as vinhas de altitude passaram a despertar interesse e a ter cada vez mais valor. Começa a haver mais gente a querer comprar vinhas no planalto do que a querer vender. Até há alguns anos, os espumantes e os brancos Vértice, os brancos da Quinta da Granja, da Real Companhia Velha, e os Moscatéis da Adega de Favaios eram praticamente as únicas boas referências. Agora já podemos somar à lista a Gran Cruz, a Quinta da Faísca (Vale da Pôpa e Lacrau) e os vinhos Olho no Pé, de Tiago Sampaio, Bardino, de João Pires, Pedigree, de Pedro Branco, e Finger Print, de Pedro Guedes.

João Pires, Pedro Branco e Pedro Guedes ainda são produtores de garagem, mas os seus vinhos, cada um com o seu estilo próprio, são muito interessantes. Nesta vindima, começaram todos a vinificar na nova adega de Tiago Sampaio, que é, na verdade, a velha adega cooperativa de Sanfins do Douro. Tiago Sampaio adquiriu-a este ano à Gran Cruz. Esta empresa planeava fazer ali o seu principal centro de vinificação na sub-região do Cima Corgo, mas acabou por construir uma adega nova junto à zona Industrial de Alijó.

A adega de Tiago Sampaio é uma espécie de incubadora, uma pequena fábrica de experiências. Cada um dos elementos desta espécie de “bando dos quatro” faz o vinho à sua maneira. Nada é igual. Nesta vindima, por todos, chegaram a fazer mais de uma dúzia de vinhos diferentes.

Os quatro produzem os seus próprios vinhos e trabalham também para outros produtores. Pedro Guedes trabalha com Celso Pereira nos espumantes Vértice; João é o enólogo da Quinta da Pedra Alta (Freguesia de Favaios), que foi recentemente adquirida pelo vice-presidente do Manchester United, Ed Woodward, o mesmo que dizem estar em rota de colisão com José Mourinho; Pedro Branco é o enólogo da Quinta da Foz, junto ao Pinhão; e Tiago Sampaio é o consultor dos vinhos Aphros, na região dos Vinhos Verdes, Tiago estudou em Oregon, nos Estados Unidos, Pedro Guedes e João fizeram estágios na Austrália. São jovens enólogos já com mundo e residem todos no concelho de Alijó. Não são os únicos. Ana Hespanhol (vinhos Calços do Tanha e Zimbro), por exemplo, também trocou a Régua por Alijó.

Há muito mais Douro para além dos postais ilustrados junto ao rio e dos vinhos concentrados e maduros. O Douro dos altos, seja o de Alijó, seja o de Sabrosa, Vila Real, Carrazeda de Ansiães, Vila Nova de Foz Côa, Meda, Armamar ou Tabuaço, está a começar a ter uma segunda oportunidade. A frescura que as vinhas de altitude trazem aos vinhos é um chamariz cada vez mais poderoso, tanto para os brancos e espumantes como para os tintos. A irreverência dos jovens do “Roubado” e o exemplo do grupo dos quatro de Alijó mostram-nos que há algo a acontecer na periferia da região, longe da geografia (e do mediatismo) dos Douro Boys, das quintas de renome do Douro e do monopólio do Moscatel.

O fenómeno não se cinge ao Douro. Os casos, entre outros, de António Madeira, que trocou Paris pelas vinhas velhas e quase abandonadas do sopé da serra da Estrela, de Diana Silva, que está a fazer vinhos tranquilos com a improvável casta Tinta Negra em São Vicente, na Madeira, e de Rodrigo Filipe, produtor de belíssimos vinhos orgânicos perto das Caldas da Rainha, na região de Lisboa, por exemplo, enquadram-se nesse ressurgimento das periferias, das zonas esquecidas mas com tradição vitivinícola. São fenómenos isolados? Podem ser, mas é assim, com estes bons exemplos, que as regiões se reinventam e o vinho português se diversifica e avança. Merecem uma vénia.

Pedro Garcias
FUGAS
Jornal Público

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