Na segunda classe já estava em Bragança, a professora seca de carnes, a Dona Aninhas Castro, ensinava uns quarenta rapazes a serem homens, não tolerava mudanças de carteira, avisava os mais novos de irem engrossar o grupo de repetentes, no termo das aulas repetiu a selecção feita pela Dona Emília. Uma e a outra não queriam obter chumbos, eis a razão do ajuste entre os escolhidos e os preteridos. No fim de contas, apesar da diferença de estatuto e vencimento, as duas docentes não queriam ficar mal vista, menos ainda a averbarem classificação capaz de colocar uma pedra negra no seu currículo.
Nunca mais vi a Senhora Dona Emília, voltei a ter a Dona Aninhas Castro na quarta classe, a terceira obtive-a em Macedo de Cavaleiros, o professor Meireles era exigente jovial, no correr dos meses avisava da possibilidade do «não ir a exame» como aconteceu no ano imediato a rapaz da rua do Paço, em Bragança. A mãe entendeu pedir explicações à Senhora Dona Isabel, ante a negativa da Tia do Zé Toninho bradou palavrões e exclamações que correram circularam nas ruas, ruelas e calejas da cidade durante muito tempo.
Atrevo-me a recordar nomes de professoras e professores porque se salientaram enquanto educadores, repito educadores respeitados e famosos por via dos resultados, correndo o risco do olvido fragmentário de há mais de sessenta e quatro anos trago à colação o Professor Dionísio Gonçalves, o Professor Rombo, as professoras Dona Beatriz Monteiro, Dona Aninhas Castro, as duas Donas Isabel, a Dona Luzia (célebre explicadora), a Menina Mariazinha Tombo, uns e outras tinham a primazia nos passeios e vénias de respeito.
As quatro Escolas do plano dos centenários recebiam centenas de alunos ricos (poucos), remediados e pobres. Na Escola o dia repartia-se em dois turnos, além da matéria tínhamos prédicas políticas e religiosas, o Salazar revelava-se nas inscrições de propaganda «se tu soubesses quanto custa mandar obedecias toda a vida», «tudo pela Nação, nada contra a Nação», as qualidades pedagógicas das Mestras e Mestres faziam-nos gostar da Escola.
Os tempos mudaram, o Mundo evoluiu, no que tange à Escola perdeu-se o cívico respeito pelos professores em geral, em particular os do Ensino Secundário foram menorizados no estatuto e no vencimento comparativamente com profissões de exigência académica e profissional idênticas, o abastardamento singrou até ao corolário de agressões a professores por parte de alunos e pais passar à condição de banalidade. Os Ministros e Secretários de Estado fingem preocupação aos costumes dizem nada, ao invés tudo muda de figura. Não quero continuar a carpir evidências negativas, no entanto, não podemos ficar surpreendidos quando os pedagogos e as pedagagas (imensas e muitos) vomitam imprecações justificativas dos denominados chumbos. Por essa e outras razões o Ministro, os ministros, tentam ocultar os números dos chumbos e lançam planos sobre planos, mágicos ou milagreiros a fim de as estatísticas do desaire baixarem, a todo o tempo desmentidas pela crescente iliteracia a atingirem níveis preocupantes. Prevalece a propaganda e a ilusão.
Em todos anos da instrução primária fui submetido a prova de exame, não fiquei traumatizado, nem o Francisco Cepeda, o José Luís, o Mansilha, o Romeu, o Augusto e por aí adiante, íamos a pé para a Escola, os livros e os cadernos em pastas de cartão e sacolas de pano, reguadas corrigidos os ditados, as cópias e as contas. Até cantávamos as estações de comboio da linha da Beira Alta. Passaram seis dezenas de anos, inovações materiais de tomo facilitam a vida dos meninos e das meninas, experiências pedagógicas a rodos não cessam, a Escola continua a ser laboratório alquimista, só que o segredo da água de vida obriga a disciplina, rigor, trabalho e novamente trabalho. Dizem que trabalhar dá saúde, responde o sistema educativo: que trabalhem os doentes.
Não chumbar ninguém é que dava jeito!!!
Armando Fernandes
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