Fixando-nos na família, teremos que considerar, sobretudo, a família nuclear, devidamente estruturada (pais e filhos), cujo funcionamento se opõe a outra família, na qual se instalou uma desorganização de tal ordem, que leva ao difícil entendimento entre os seus membros, e sua consequente transposição para a vivência com o exterior. Embora, tanto uma como outra possam vir a ser alvo de carências a nível económico, financeiro, e cultural, a verdade é que essas faltas são mais evidentes naquelas cujo comportamento procura pôr de lado os valores tradicionais que, durante muito tempo, as formaram e moldaram.
Quem, neste País, teve a oportunidade de acompanhar as transformações, a nível da família, as quais poderemos situar, desde o terceiro quartel do século XX até hoje, pode muito bem pensar, com natural constatação e compreensível admiração, que teve a oportunidade de viver em dois mundos antagónicos: o mundo da família maioritariamente estruturada e o mundo da família a tender para a sua desestruturação.
Num visível tempo de mudança, podemos ainda encontrar muitos agregados familiares, onde a coesão e o dia-a-dia se regem, sobretudo, por valores humanos que, hoje, muita gente contesta. Neles, sobressai o respeito pelo outro, além da consciencialização da necessidade de valorizar o trabalho, no qual, cada um, na sua área, se sente responsável. Noutros, cujo gradual abandono da população que emigra ou se realoja no litoral, parece não existir já o modelo que aqueles valores criavam. E, então, novos valores emergem, alicerçados essencialmente nas raízes de um mal compreendido e mal assimilado conceito de liberdade (o qual tem vindo a expandir-se), valores que atribuem à liberdade tudo quanto de alegadamente errado se implantou e vem crescendo; e parece que, lentamente, se vai imiscuindo na população que deixou para trás a terra que lhe foi berço. Embora ninguém possa proibir a liberdade de pensar, já a sua exequibilidade está sujeita a determinados limites que vão contrariar a vontade de quem sente necessidade de dar corpo ao pensamento.
A par da liberdade, é também sobrevalorizado o conceito dos direitos. Hoje, mais do que nunca, se invoca esse conceito, de tal modo que alguns tentam fazer crer que os seus direitos são valorizados de tal forma que, para eles, se esbate o conceito dos deveres, não querendo aceitar que, sem cumprir deveres, é muito difícil, se não impossível, invocar direitos.
Os tempos mudaram, e cada vez mais a sociedade se transforma. Consequentemente, teremos de assistir alheados e impávidos a essa transformação ou, pelo contrário, iremos sentir a necessidade de participarmos numa crítica, de tal forma verdadeira e alicerçada naqueles valores que, pouco a pouco, se vão perdendo, deixando, por isso, de influenciar as decisões que, no dia-a-dia, temos de tomar?
É no seio da família que temos a oportunidade de iniciarmos uma caminhada de forte caráter e de tolerância. Mas, se a família deixar de exercer a responsabilidade que lhe cabe, decerto que, ao deixá-la, partindo de mãos vazias para a aventura da vida, dificilmente se encontra o caminho certo pelo qual é forçoso caminhar, para se alcançar a ambicionada felicidade.
Manuel António Gouveia
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