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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 12 de março de 2020

Mirandês: mais do que uma língua, uma questão identitária

“Se you falar debagarico cun bós, bós cumprendereis todo, ora si?”, atira Alcides Meirinhos, membro da Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa e um dos grandes impulsionadores do mirandês. E a verdade é que sim, conseguimos compreender tudo, ainda que nunca tenhamos tido contacto com a língua mirandesa. “Porque a língua mirandesa é principalmente uma fala”, explica o também escritor e tradutor.

Miranda do Douro. Por RnDmS

Durante muitos anos, Portugal teve apenas uma língua oficial: o português. O dialeto mirandês sobreviveu centenas de anos no isolamento, e só em 1999 lhe foi reconhecido o estatuto de segunda língua oficial do país, pela Assembleia da República.

Muito antes disso, em 1882, o filólogo José Leite de Vasconcelos já tinha revelado a Portugal e ao mundo que havia uma outra forma de falar na conhecida como Terra de Miranda, formada pelos concelhos de Miranda do Douro, Vimioso e Mogadouro, no distrito de Bragança.
Distribuição do asturo-leonês na Terra de Miranda. Por Denis Soria

Isolada naquele espaço durante centenas de anos, dadas a condições geográficas do seu próprio território natural, a língua foi sendo transmitida por via oral a partir do latim popular e como uma ramificação do asturo-leonês.

Foi apenas em 2008 que foi estabelecida uma convenção ortográfica, patrocinada pela Câmara de Miranda do Douro e levada a cabo por um grupo de linguistas, com vista estabelecer regras claras para escrever, ler e ensinar o mirandês, bem para como estabelecer uma escrita o mais unitária possível.

Alcides Meirinhos não tem dados de quantas pessoas possam falar mirandês neste momento, mas garante que, para além das aldeias de Miranda do Douro, “no Porto fala-se muito mirandês, em Bordéus fala-se imenso mirandês. Portanto, as pessoas que estão na diáspora falam a língua mirandesa”.

Para o escritor e tradutor, “houve uma época em que se falou pouco mirandês”. “Porque o estigma era demasiado grande”, confessa. O próprio Alcides recorda que em casa e na escola não podia falar mirandês. Era apenas nas brincadeiras com os amigos, na rua ou no recreio, que o escritor se expressava em mirandês, correndo até o risco de ser colocado de parte se falasse em português.

Sé de Miranda do Douro. Por Dantadd

“Havia este contra-senso: se eu falo português em casa, aprendo o português, na rua não posso falar português porque senão sou logo apontado e dizem-me ‘sós fidalgo’”, explica Alcides Meirinhos. “A língua mirandesa sempre foi escorraçada quer das igrejas quer das escolas”, continua. E por isso, o escritor ouviu várias vezes uma frase que lhe ficou gravada na memória: “Se não falares português nunca hás-de ser ninguém”.

Apesar de tudo, Alcides acredita num futuro sorridente para o mirandês e tem fé nas novas gerações. “As crianças sentem vontade em falar a língua mirandesa”, afirma. “Esta geração mais jovem vê a língua mirandesa como uma questão identitária”, atira.

A introdução do ensino da língua mirandesa, como opção, no currículo das escolas do ensino básico do concelho de Miranda do Douro, no ano letivo de 1986/87, terá também contribuído para o aumento do interesse em aprender mirandês por parte das crianças e jovens.

A tradução de obras tão conhecidas como “Astérix”, “O Principezinho” e “Os Lusíadas” para o mirandês foram outras medidas que também contribuíram para encorajar os jovens a aprender a língua.

A música também foi um dos grandes responsáveis pela manutenção do mirandês ao longo destes séculos como língua mais usada pelos mirandeses. Um exemplo disso é o grupo musical Galandum Galandaina com canções em mirandês como “Nós tenemos muitos nabos”.


Estes fatores terão contribuído, cada um à sua maneira, para a emergência de um renovado interesse pela língua e pela cultura mirandesas, cujas faces mais visíveis são também o nascimento de uma literatura em mirandês, a colocação de toponímia em quase todas as localidades linguisticamente mirandesas e o aparecimento em diversos órgãos de comunicação social.

Contudo, há ainda muito por fazer. Alcides Meirinhos considera que o futuro passa pela assinatura e ratificação, por parte do Governo português, da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias (CELM), dando assim um novo impulso ao mirandês.

Mas o tradutor é otimista e acredita que estamos numa mudança de paradigma. “Neste momento há uma franja de pessoas que tem vaidade em falar a língua mirandesa, tanto os jovens como os adultos”, explica. “No fundo é isso que nos identifica”, conclui.

Ls Dies de la Criaçon
haberien, dizen, ls diuses criado
cielo i tierra, lhuç, auga, streilhas, sol i lhuna,
i todo l que la tierra i augas bibe:

tamien haberien criado homes i mulhieres,
de barro assoprado, de costielhas:
rastreiros diuses, artesanos de puolo i uosso;

ls homes i mulhieres criórun la fala, que se fizo lhéngua,
recriando-se nesse antre todos más houmano ato:
assi maciu lálma:
assi daprendimos l tiempo, que mos fizo stória,
atando-mos zde hai séclos cun rosairos de palabras.

Amadeu Ferreira
Ângela Coelho

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