Dados da monitorização de coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus) realizada pela Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural no período 2016-2020 na Zona de Caça Associativa (ZCA) de Santulhão (concelho de Vimioso), localizada na Zona de Proteção Especial (ZPE) Rios Sabor e Maçãs da Rede Natura 2000, revelam que a população desta espécie diminuiu naquele período e que a continuação da implementação e reforço das medidas de gestão e avaliação de coelho-bravo é essencial, tendo em conta que esta é uma espécie em risco.
Monitorização da população de coelho-bravo na ZCA de Santulhão. Fotografia Iván Gutiérrez/Palombar.
Em dezembro de 2019, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) reviu o estatuto de ameaça do coelho-bravo nas áreas onde este é nativo (Portugal, Espanha e França), tendo este passado de “Quase Ameaçado” para “Em Perigo” de extinção, devido à diminuição continuada das suas populações. No Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, o coelho-bravo está classificado como “Quase Ameaçado”, contudo, o seu estatuto poderá sofrer alteração no novo Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal Continental, cujo projeto que promoverá a sua edição está atualmente em desenvolvimento, e para o qual a Palombar contribuiu com dados sobre várias espécies.
Densidade média (indivíduos/ha) de coelho-bravo por mês em 2016 e 2020 na ZCA de Santulhão. |
A Palombar realizou, de 2016 a 2020, a monitorização e gestão desta espécie, ao abrigo dos protocolos e metodologias do Projeto SOS Coelho, e com o apoio técnico-científico de investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO), tendo verificado que, apesar das medidas implementadas nesta zona de caça para promover o aumento da população de coelho-bravo, tal como a criação de sementeiras, a instalação de comedouros e bebedouros e a construção de marouços, o número de efetivos da espécie registou uma tendência decrescente.
Com o propósito de contribuir para a rede de epidemio-vigilância do projeto SOS Coelho, desde 2016, a Palombar também efetuou o controlo sanitário de coelho-bravo na ZCA de Santulhão naquele período, com o objetivo de detetar a mortalidade deste e da lebre-ibérica (Lepus granatensis) relacionadas com a mixomatose e a doença hemorrágica viral (DHV), não tendo encontrado, nesses cinco anos de monitorização, indivíduos afetados por estas patologias.
Para aprofundar o debate neste âmbito, a Palombar organizou, em 2017, uma Jornada Técnica dedicada ao tema "A nova doença hemorrágica e os seus efeitos nas populações naturais de coelho-bravo”, que contou com a participação de gestores e representantes das Associações de Caçadores e Zonas de Caça locais, associações de conservação da natureza e desenvolvimento sustentável, comunidade científica e administração pública.
A redução da população de coelho-bravo na ZCA de Santulhão no período avaliado poderá dever-se a novos surtos de DHV ainda não identificados e a fatores antrópicos e condições climáticas adversas, nomeadamente falta de chuva nos últimos anos.
Estes resultados revelam a importância fulcral de continuar com as ações de monitorização das populações de coelho-bravo na ZCA de Santulhão, de forma a compreender melhor as flutuações das suas populações reprodutoras a longo prazo. Adicionalmente, é essencial avaliar a existência de novos surtos da nova estirpe de DHV, bem como dar continuidade às medidas de gestão do habitat para promover a recuperação e conservação desta espécie-chave dos ecossistemas ibéricos, um trabalho que continuará a ser realizado pela Palombar em 2021.
O coelho-bravo
O coelho-bravo é uma espécie cinegética que tem como habitat preferencial as paisagens de mosaico que apresentam tanto zonas fechadas, que funcionam como locais de abrigo, com matos e bosques; como zonas abertas, onde procura alimento, nomeadamente pastagens naturais e artificiais e terrenos agrícolas. Reproduz-se em tocas durante todo o ano, embora a maioria das ninhadas nasçam entre fevereiro e agosto e tem normalmente entre três a 12 crias por ninhada (cerca de três a sete por ano). Apesar de estar presente em quase todo o território nacional, a densidade das suas populações varia de alta, sobretudo no sul do país, a residual, principalmente no norte.
Depois de afetadas pela destruição de habitats e por doenças como a mixomatose, desde os anos 50, e a DHV, no final dos anos 80, as populações de coelho-bravo no país tinham estado a recuperar, no entanto, começaram a diminuir novamente a partir de 2012. Atualmente, o que mais tem afetado as populações de coelho-bravo é uma segunda estirpe do vírus que provoca a DHV, a qual, ao contrário da primeira, afeta também os coelhos juvenis. Estima-se, na atualidade, que as populações de coelho-bravo diminuam, em média, 20% por ano em Portugal.
A alteração do estatuto do coelho-bravo foi realizada pela UICN devido ao registo de uma descida global das suas populações na ordem dos 70% nos últimos anos e à existência de populações muito fragmentadas.
O coelho-bravo é uma presa-chave de várias espécies ameaçadas, quer de mamíferos, como o lince-ibérico (Lynx pardinus), quer de aves, como a águia-de-Bonelli (Aquila fasciata), a águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) e a águia-real (Aquila chrysaetos).
O projeto SOS coelho
O SOS Coelho foi um projeto nacional coordenado pelo CIBIO-InBIO e pela Associação Nacional de Proprietários e Produtores de Caça (ANPC) que teve como objetivo recuperar as populações de coelhos selvagens em Portugal e combater a DHV.
No âmbito deste projeto, foi implementado um conjunto de ações concertadas que permitiram compreender melhor a etiologia, a biologia e o impacto da nova estirpe da doença hemorrágica viral sobre as populações de coelho-bravo, bem como identificar soluções para assegurar a conservação desta espécie, que é fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas mediterrânicos ibéricos.
Atualmente, o projeto + Coelho, coordenado pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), dá continuidade às ações do SOS Coelho, com o propósito de promover o controlo sanitário, recuperação e proteção desta espécie em Portugal.
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