A Associação Humanitária dos Bombeiros de Freixo de Espada à Cinta (AHBVFEC), no distrito de Bragança, recebeu por testamento uma vivenda situada no centro aldeia de Ligares, que, de acordo com o testamento a que Lusa teve acesso, seria destinada para a criação de um museu com motivos referentes ao corpo de bombeiros e outras curiosidades.
O testamento foi lavrado no Cartório Notarial de Freixo de Espada à Cinta, em 25 de julho de 2003.
No entanto, a AHBVFEC emitiu um aviso público, em 04 de maio de 2021, em que refere estar "aberta a receber propostas de possíveis interessados na aquisição do imóvel, situado na Rua da Amargura, em Ligares".
Perante este anúncio, habitantes locais demonstram indignação e até alguma surpresa com a decisão tomada pela direção do AHBVFEC, porque garantem que a casa foi doada pela benemérita para a aí se instalar um museu, como ainda se pode ler numa placa de metal colocada na varanda central do edifício.
"Se a benemérita deixou em testamento o imóvel aos bombeiros, já que são instituições que devemos apoiar, sentimo-nos revoltados e contra a decisão da atual presidência da AHBVFEC. Este património foi doado para se construir um museu. O aviso que foi publicado é estranho porque não apresenta uma base de licitação para a aquisição do imóvel, e eu considero que a venda seja feita pelo valor mais conveniente", disse à Lusa Fernando Caetano, habitante de Ligares.
Por seu lado, Sónia Lopes, outra das habitantes da aldeia transmontana, é da opinião de que, se o imóvel foi deixado aos bombeiros, por bem devia ser cumprida a vontade da benemérita que deixou em testamento que a casa era para construir o museu.
"O museu era para o benefício da aldeia de Ligares", o objetivo não era que a casa fosse vendida "como estão a tentar fazer. Esta decisão da direção dos bombeiros está a prejudicar a população", vincou a habitante.
Em declarações à Lusa, o presidente da AHBVFEC, Edgar Gata, refere que após algumas tentativas em encontrar interessados em apoiar a recuperação do imóvel nunca ninguém se mostrou interessado.
"Em 16 de julho de 2020, a assembleia geral da AHBVFEC aprovou, por unanimidade, colocar o imóvel à venda através de propostas. Esta venda poderá ajudar financeiramente esta associação e ao mesmo tempo evitar que o prédio entre em degradação, porque não temos verbas para a sua reabilitação", explicou o dirigente.
Segundo Edgar Gata, a associação humanitária que dirige não tem condições financeiras para salvar o imóvel da ruína, que é o que está a acontecer.
"Os habitantes de Ligares sabem perfeitamente que a casa está num processo de degradação total", observou, acrescentando que toda a população "foi informada por infomail" da pretensão de venda do imóvel.
O responsável disse ainda que já foi mostrar casa a algumas pessoas interessadas e que nunca sentiu desagrado por parte da população.
O presidente da Junta de Freguesia de Ligares, Ademar Bento, indicou que a aldeia vive um sentimento de indignação total face ao anúncio da venda casa da benemérita Veneranda Martins.
"Estamos a preparar algumas ações para impedir que a vivenda seja vendida, como o senhor presidente dos bombeiros pretende. Como autarca e como habitante de Ligares não entendo o facto de a casa ter sido colocada à venda. Ele não tem direito de fazer isto a Ligares já que se trata de um legado com um fim específico", frisou.
Ademar Bento justifica que está tudo escrito na placa que se encontra na varanda do imóvel e o que está em testamento.
"A Junta de Freguesia está disposta, dentro das suas possibilidades, a ajudar a salvar o imóvel", disse.
O presidente da Junta de Freguesia deixou a garantia de que a população de Poiares marcará presença na próxima assembleia geral da AHBVFEC, prevista para as 20:30 de segunda-feira, sendo que um dos pontos da ordem de trabalho é a autorização para a venda da casa.
A herança inesperada recebida em 2010 transformou os bombeiros de Freixo de Espada à Cinta em empresários agrícolas, dispostos a tirar da terra o "desafogo financeiro" para servir a comunidade sem dependência dos subsídios do Estado, já que, para além de dois imóveis, a benemérita deixou terras agrícolas com mais de 50 hectares, nas quais ao longo dos anos foram plantadas várias culturas. Estes terrenos servirão de hipoteca a um empréstimo bancário pedido pela AHBVFEC.
Outro dos bens recebidos foi uma casa em Cascais, distrito de Lisboa, que, segundo o testamento, a renda do seu aluguer revertia a favor dos bombeiros. Esta moradia acabou por ser vendida pelo tribunal devido a uma dívida da associação a um empreiteiro local.
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