Um príncipe, passeando no campo, viu um pobre homem, que andava muito satisfeito, a lavrar a terra. Pôs-se a conversar com ele. Depois de algumas perguntas, soube que o campo não pertencia ao homem, mas que trabalhava nele mediante um salário de doze vinténs por dia. O príncipe, que para as suas despesas de administração e representação necessitava de quantias avultadas, custou-lhe ao princípio a perceber, como se vivia com doze vinténs diários, andando-se ainda por cima satisfeito. Manifestou o seu espanto ao aldeão, que lhe respondeu:
“Gasto diariamente comigo a terça parte dessa quantia; outro terço é para pagar as minhas dividas; e o resto é para ir juntando algumas economias.”
Era um novo enigma para o príncipe. Mas o alegre camponês explicou-lhe deste modo.
“Reparto quanto ganho com os meus velhos pais, que já não podem trabalhar, e com os meus filhos, que ainda não têm força para isso. Aos primeiros pago-lhes o amor de que me deram tantas provas na minha infância; e espero que os segundos não me abandonem, quando os anos tiverem pesado sobre mim.”
O príncipe, ouvindo isto, quis premiar o honrado camponês; encarregou-se da educação de seus filhos; e a benção que lhe deram os seus velhos pais, os seus filhos merecerem-na depois pela sua vez, rodeando igualmente a sua velhice de cuidados piedosos e da mais terna dedicação.
Mas posso desgraçadamente citar-vos outro filho, que procedeu de uma maneira tão indigna com seu velho pai doente e aleijado, que este teve de pedir que o levassem para o hospital da misericórdia. O filho ingrato recebeu com alegria o desejo do infeliz velho, que nessa mesma tarde foi conduzido ao hospital. Como este estabelecimento de caridade fosse muito pobre, decidiu-se o velho a mandar pedir a seu filho, como última esmola, um par de lençóis, para cobrir a palha que lhe servia de leito. O mau filho escolheu os lençóis mais usados, e disse ao seu pequeno, de dez anos de idade, que os fosse levar a esse velho rabugento. Mas notou que a criança ao partir tinha escondido um dos lençóis a um canto, atrás da porta.
Quando voltou perguntou-lhe o pai, porque fizera aquilo.
Foi, respondeu a criança desabridamente, para me servir mais tarde deste lençol, quando pela minha vez te mandar também para o hospital.
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.
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