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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 22 de maio de 2022

Crónicas naturais: rouxinol repenica o cante

 Paulo Catry, biólogo, escreve sobre um dos mais notáveis cantores do mundo das aves, o rouxinol. É em abril que os concertos noturnos são os melhores; nas noites de maio já se vão calando. É aproveitar enquanto ainda há espectáculo.

Maio 2022

Rouxinol-comum (Luscinia megarhynchos). Foto: J. Dietrich/WikiCommons

Se não fosse a escuridão viam-se, misturadas no silvado, as roseiras bravas floridas (de rosas singelas, mas lindas de morrer). O pequeno regato que corre ali por debaixo está reduzido a um fio. Não há distrações de cores nem de ruídos: o grande palco da noite está, todo ele, à disposição do rouxinol.

Rosa-brava Rosa cf micrantha. Foto: Paulo Catry

E o rouxinol aproveita. Se o tempo estiver calmo, ouve-se a léguas. De perto, o canto é de cristal. Sem outros entreténs, oiçamos com atenção o concerto que sai das entranhas da selva ribeirinha. “Duu-duu-duu-duu-duu-duu-duu”, num crescendo afirmativo, seguido de uma explosão “tidluitidididui!” de pasmar. Mas mal há tempo para espantos e respirações. Um ou dois segundos de pausa e vem já outra frase, tão límpida quanto a primeira, também curta, mas completamente diferente. E depois outra, e outra e outra ainda. Cada uma invariavelmente diferente da precedente. Às vezes o rouxinol faz que vai repetir-se, mas o verso que parecia igual traz no final uma ornamentação distinta. Ouviram? Foi uma brincadeira. Anda nisto durante tempos sem fim, sempre variando. Mas que artista!

O rouxinol é uma ave comum entre nós, praticamente só falta no litoral do Minho e nas ilhas. Mas não se encontra nas grandes cidades. Muito discreto na plumagem e recatado nos hábitos, ninguém dá por ele quando não canta. Mas quando canta, senhoras, faz-se ouvir!

Os rouxinóis chegam em março de além-mar e começam a cantar em força em abril; neste mês os concertos noturnos são os melhores**. Nas noites de maio já se vão calando, salvo algum infeliz que não pôde atrair uma namorada que lhe desse uma postura de 4 ou 5 ovos cor-de-azeitona. O canto noturno serve para a corte. Depois de emparelhados, escusam já os machos de se esfalfar com serenatas ao luar; continuam de dia, anunciam a sua presença e assim defendem o território, desencorajando eventuais invasores.

De Shakespeare a Fernando Pessoa, de Beethoven à Amália, dos gregos clássicos à modernidade, toda a gente fez alusão ao rouxinol. Mais que alusão, fizeram do rouxinol personagem e musa inspiradora. O rouxinol é a ave nacional do Irão e da Ucrânia*. Rouxinol é apelido de portugueses e de tantos outros, noutros idiomas. Não é difícil encontrar textos, até em obras ditas científicas, que afirmam que o canto do rouxinol é a expressão sonora mais sublime do mundo natural.

Rouxinol-comum (Luscinia megarhynchos). Foto: Georgi.petrov66/WikiCommons

É aproveitar, que o grande concerto do mais prestigiado dos cantores alados está a chegar ao fim. Em junho ficam só uns restos que já mal dão para despedida. 

“Rouxinol repenica o cante,
E ao passar da passadeira,
Nunca mais tornes a Beja (oh ai),
Sem passares à Vidigueira”.

Apostava que mais gente em Portugal identifica o rouxinol do cante que o canto do rouxinol. 

Toda a gente conhece o rouxinol, de nome, e as rosas dos jardins.

* O nosso rouxinol é o rouxinol-comum Luscinia megarhynchos, o rouxinol da Ucrânia e do nordeste da Europa é o Luscinia luscinia, mas são quase indistinguíveis, embora o nosso tenha um canto mais refinado.

** Há outros passaritos para além do rouxinol-comum que cantam de noite, mas são mais escassos e menos ouvidos: o rouxinol-bravo Cettia cetti e o rouxinol-dos-caniços Acrocephalus scirpaceus são os dois exemplos mais salientes. Em noites de lua cheia, as cotovias-dos-bosques Lullula arborea também podem cantar com afinco. Outros pássaros cantam de noite se expostos a iluminação artificial.

Paulo Catry

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