Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Quantas vezes durante os meses de Agosto e Setembro o meu pensamento foi dirigido para um tempo ameno que viria mais tarde e me desse a calma e o bem-estar que só Outubro traz no seu cinzento acetinado. A natureza é como as mães que dão a sua vida e o seu carinho, sempre que as forças cósmicas fazem que a vida se apresente mais dura e o descanso necessário ao bem-estar nos falta e nos sentimos fora do nosso conforto e em que a natureza amena nos abandona e nem os luxos do ar condicionado são suficientes para nos relaxar.
É tempo de serena vontade de viver, o céu não cospe labaredas e a criação regressa à paz que nos sossega e nos faz mais humanos e complacentes. A passarada muda de estratégia e já não é castigada pelo rigor dos dias grandes com calor, que a fazia esconder debaixo da folhagem seca e mirrada pela falta de chuva. A criação está alerta e pressente um período de lazer e conforto que só vem com o Outono.
Dos versos que o homem fez, destacam-se alguns que eu aprendi no tempo da minha meninice e que preencheram a minha Alma que conservadora, nos relembra quando o tempo próprio chega e eu sinto a paz que o Outono me dá.
Era no Outono que reabriam as Escolas e se enchiam da garotada que cansada da canícula, que parecia eterna, daria lugar a outras tarefas que se coadunavam com o tempo fresco e que nos abria o espírito às coisas espantosas que a Senhora Professora sabia e caprichava em ensinar-nos. "Os calções davam lugar a calças que usávamos e que nos faziam sentir mais crescidos, na senda dos nossos pais que ao domingo se vestiam com aprumo, celebrando-o com elegância, indo à missa de calça vincada e casaco de golas largas por cima de camisa branca, bem passada a ferro e de gravata.
O Outono que nos acalmava, dava-nos a serenidade que nos fazia mais obedientes e nos tornava mais toleráveis ao juízo das nossas mães que ganhavam o tempo precioso que usavam para fazerem a marmelada que naquela estação abria o apetite da petizada que ainda hoje conta estórias que mostram como cada um de nós utilizava estratagemas para comer a marmelada do fundo da tigela que estava à janela a secar debaixo do papel vegetal que comprávamos na Papelaria Silva e que depois de o riscarmos com lápis seguindo a circunferência da boca era colada ao topo para não secar em demasia. Era também em Outubro que se iniciava a safra das castanhas que naquele tempo sem televisão tornava os serões alegres e agregadores de sentimentos de pertença e motivo de narração de contos, os mais incríveis que eram fascinantes e os mais velhos ouviam pela milésima vez e a criançada pedia ao contador que repetisse.
O sol de Outono diz-se: não ter calor, mas diz-se também que possui poentes de céu rubro e manhãs de luz risonhas e nada se compara ao Outono para nos refrescar do Verão e nos preparar para o Inverno. O mês de Outubro na terra transmontana é como um "céu aberto" que se nos dá à contemplação da Natureza tomada de cores e serenidade. A paisagem transforma-se e dá -nos quadros que nem os maiores da pintura conseguem reproduzir na sua totalidade, já que o momento mostrado pela cor na tela nos dá apenas o captado num certo momento e não a autêntica metamorfose que sofreu a manhã quando a tarde surge. Os verdes já são amarelos e as outras cores seguem o percurso que lhe confere um prodígio de tons que só vendo tranquilamente se consegue justificar.
Das quatro estações que Deus escolheu para que nós tivéssemos a ventura de as viver e usufruir é o Outono aquela que mais me agrada viver e que mais luz lança no meu espírito.
Falei no princípio desta crónica na poesia de Outono que me deliciou na minha juventude e da qual continuo a gostar. Vou tentar passar para vós um poema musicado, interpretado por Maria Clara, uma das vozes maiores da música portuguesa e que eu adorava ouvir. A letra foi escrita por Silva Tavares e a música por António Melo.
Quando chega o doce Outono
Todo o Sol perde a beleza
E abençoa do seu trono
Toda a terra portuguesa
Foi à plena claridade
Desta bênção que talvez
Deu o brado da saudade
O primeiro português
Com poentes de céu rubro
E manhãs de luz risonha
Não há mês como o de Outubro
Não há mês como o de Outubro
P' ra quem ama e p' ra quem sonha
Outubro não tem rival
E é preciso que se diga
Que o Abril em Portugal
Que o Abril em Portugal
Não é mais que uma cantiga.
Bragança, 24 de outubro de 2022
A. O. dos Santos
(Bombadas)
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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