O conforto de continuar a fazer vida na própria casa, com qualidade e em mínima segurança, é, possivelmente, o maior sonho de quem chega a velho. Assim, para muitos, isto só é possível tendo alguém que dê uma mão, porque, por vários motivos e doenças que vão surgindo, é complicado estar sem ajuda. Fazer a comida, lavar a roupa, tomar banho e limpar a casa são as maiores dificuldades para quem já não tem as capacidades físicas e mentais que teve noutros tempos. É aqui que entram os benditos serviços de apoio domiciliário, a salvação dos idosos que já não podem fazer o que faziam.
O carinho que os mais velhos precisam
Nazaré Teixeira vive em França, no concelho de Bragança. Com 85 anos, não falando de mais maleitas, as pernas já falham e tem um tubo de oxigénio agarrado, boa parte do dia, ao nariz. Ora, assim sendo, tendo que comer e não podendo estar de pé, encostada a um fogão, a comida tem que chegar à mesa, seja por que meio for. A viver sozinha e sem família na aldeia, não lhe restou outra solução que não fosse chamar os serviços do Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Ponte, sediado naquela aldeia. E que boa aposta foi. “As meninas já aqui vêm há muito tempo a trazer-me o almoço e também me fazem a limpeza à casa. Banho ainda não me dão porque ainda me lavo eu sozinha, mas qualquer dia, já lhe digo para o começarmos a fazer”, assinalou a idosa, que garante que, por enquanto, não quer ir para um lar porque o marido está institucionalizado e “a reforma é pequena”. Ainda assim, para já, está “bem” ali. Óbvio que “se não fosse a ajuda das meninas não era possível”. E as “meninas”, como carinhosamente lhes chama, passam por ali diariamente e, como pouca mais gente vê, acabam por ser “família”. O almoço, que “é bom”, é importante, mas as funcionárias trazem algo bem mais precioso: afecto. “São uma companhia. Dão-me carinho e atenção e eu já sou velha e preciso”, esclareceu Nazaré Teixeira, que, quando as meninas não estão, se vai entretendo com a televisão, a fazer renda e a ler.
“Antes quero estar em casa”
Patrocínia Rosa da Silva, residente também em França, saiu do hospital “tolheitinha”, há bem pouco tempo, segundo contou, enquanto se ia tricotando uns paninhos para decorar mais um pouco os cantos à casa onde vive sozinha. Uma das filhas, que vive no estrangeiro, estava por ali, nesta altura mais aflitiva, e queria levá-la, mas a idosa não aceitou. Sair da aldeia não estava nem está nos planos. Assim, também pouco mais restou que pedir ajuda ao centro social e paroquial da aldeia, o que lhe permitiu continuar em casa. Com 90 anos, a Patrocínia chegam-lhe, há quatro meses, os serviços de comida, de banho e de limpeza da roupa e de casa. “Fazem-me tudo, não fazem mais porque não podem. Até me mudam a cama. Não posso estar mais contente”, assumiu, vincando que “estas pessoas são como família”. “Se não fossem elas estava sozinha e é bom sentir que temos alguém que olha por nós”, rematou ainda. Não podendo já fazer estas pequenas coisas, admite que, por enquanto, não quer ir para um lar. “Não tenho possibilidades e mesmo que tivesse, enquanto há esta ajuda, prefiro estar aqui”, deixou assente.
IPSS de França atende 10 utentes
O Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Ponte existe desde 2012. Em termos de estrutura residencial tem capacidade para 13 utentes. Além disso, neste momento, tem dois em centro de dia e 10 a quem presta os serviços de apoio domiciliário. Elisabete Oliveira, que ali trabalha desde Maio, já conheceu outras realidades, tendo já trabalhado noutras instituições e na cidade mas... idosos como os das aldeias já não há! “Sentimos que o que é mais difícil de ocupar são as vagas para apoio domiciliário porque as pessoas estão um bocadinho reticentes”, explicou. E estão porquê? Ora, é simples. O pedir ajuda é o admitir que já não se consegue fazer tudo sozinho e transmontano que é transmontano quer ser e mostrar que é rijo e de fibra. “É uma zona muito envelhecida e, por isso, podíamos ter mais utentes, mas não temos”, vincou Elisabete Oliveira, que diz que “as pessoas querem estar em sua casa e a fazer as suas próprias coisas”. Com utentes de França, do Portelo, de Rabal, de Meixedo e da Quinta do Reconco, os 10 idosos recebem o almoço, mas apenas cinco têm serviços de limpeza e de banho e só há três a quem se faz a caixa semanal de medicamentos. “Eu acho que este serviço é muito importante. Sou de acordo que as pessoas estejam o máximo de tempo que possam no seu domicílio porque lhes faz bem. Mantêm as suas rotinas, o que não acontece num lar”, admitiu. Nesta IPSS de França, onde as funcionárias também sentem e estabelecem os sentimentos a que as idosas se reportam, de familiaridade, carinho e afecto, os efeitos da conjuntura já se começam a notar. Todos os dias se percorrem, só no que toca a almoços, mais de 30 quilómetros. Às segundas e quintas-feiras ainda há mais estrada para andar, já que são os dias destinados aos outros serviços. Perante a subida do preço do combustível, a factura começa a pesar. E, claro, com os alimentos também mais caros, fazer de comer também tem ficado em custos mais elevados. Ainda assim, “não se diminuiu à qualidade”, esclareceu Elisabete Oliveira.
Genica que não dá para tudo
Duas da tarde, quinta-feira: era hora de ir até casa de Gaudência Monteiro, em Moredo. A porta abriu-se e do outro lado estava alguém com um sorriso de orelha a orelha, que logo esticou os braços em gesto de acolhimento. Com as expressões e a genica que tem não dizem que já soprou as velas 88 vezes. Mas ainda assim já não tem “braços para tanto” e, por isso, teve que recorrer ao apoio do Centro Social e Paroquial de São Roque, em Salsas. Ainda cozinha, mas a limpeza da casa e a lavagem da roupa deixa para quem a pode ajudar. “A minha casa tem 10 divisões em cima e 10 divisões em baixo, eu não posso. A minha salvação é elas virem, limpam, levam-me a roupinha, trazem-ma passadinha a ferro, senão eu não aguentava”, contou, salientando que, às vezes, até fazem “mais do que podem” e logo lhes dá um ralhete, porque não são suas “escravas”. Vive com o marido, Altino Ramos, de 93 anos e com quem está casada há mais de 60. Não têm filhos e, por isso, são a companhia um do outro e claro, as funcionárias do centro social, que diz serem a sua “salvação”. Amor e carinho é coisa que não falta por ali. “Elas são muito queridas e eu também para elas. Elas abraçam-me, são muito meigas, muito tudo”, disse, dando boas gargalhadas de felicidade. E no meio disto tudo vai cantando e dançando e que o dia o Tio João, programa da Rádio Brigantia, para onde liga e canta o seu fado. É a alegria da casa e das mais de 100 plantas que tem e que cuida com todo o carinho. Para já ainda consegue dar conta do recado, com a ajuda do apoio domiciliário. Uma força da natureza, que cuida do marido, um pouco debilitado devido à doença e a quem tem que fazer praticamente tudo. Quando já não conseguir, admite que vai pedir outros serviços, mas ir para o lar, isso é que não. “Tinha que ir com elas lá para o lar e eu ainda não quero. A minha casinha é o meu lar. Eu antes quero que elas venham cá”, frisou, realçando que foi “a melhor coisa” que lhe podiam “arranjar”.
“Parte da mobília”
Já conhecem os cantos à casa e quando chegam já sabem para onde ir e o que fazer. Mal chegaram a casa de Gaudência Monteiro a cozinha foi a primeira a ser limpa. Entre esfregões, panos e detergentes vão dando dois dedos de conversa. Irene Miranda trabalha no centro social de Salsas desde 2009 e adora o que faz. Sabe que muitas vezes é a companhia dos idosos onde vai fazer limpeza. “Se não fossemos nós estavam sozinhos completamente”, afirmou, acrescentando que com os mais velhos vai aprendendo muitas coisas e ensinando outras. Depois de tantos anos a trabalhar no apoio domiciliário, já conhece bem a casa de cada um e, por isso, admite que já faz “parte da mobília”.
Centro Social de Salsas apoia 25 idosos em casa
O Centro Social e Paroquial de São Roque, em Salsas, além do lar, presta apoio a 25 idosos das freguesias de Sendas, Serapicos e Salsas. O serviço de refeição é o mais pedido pelos idosos que querem ficar em suas casas. Mas também solicitam o serviço de higiene da casa e apoio na medicação, visto que muitos são “iletrados” e, por vezes, têm alguma dificuldade na toma de medicamentos. Trabalham 365 dias do ano e o apoio domiciliário é personalizado consoante as necessidades. Um descanso para a família destes idosos, que estão sozinhos nas aldeias, com os filhos no estrangeiro ou nos grandes centros. “Alguns estão sozinhos completamente, outros os filhos estão no estrangeiro ou no litoral e não têm retaguarda e nós somos a única retaguarda. As famílias também ficam um bocadinho mais descansadas porque todos os dias ou quase todos os dias vamos ao domicílio, estamos presentes, e isso para eles também os deixa mais descansados”, explicou a directora Cidália Eiras. Sendo a alimentação o serviço mais pedido no apoio domiciliário, a juntar-se às refeições feitas no lar, esta é a “fatia do bolo” que representa mais gastos para a IPSS, que também não ficou imune ao aumento do preço dos produtos, devido à pandemia mas também à guerra. “Temos tido mais gastos, sobretudo na alimentação que é a maior fatia da instituição e avizinham-se dias complicados para todos, é transversal a todos e a nós IPSS também. Vai começar o Inverno, o gasóleo de aquecimento também é uma das grandes fatias e depois associados ao pessoal. Há gastos mais elevados, sem dúvida que sim e temos que fazer uma gestão muito boa para não entrarmos em ruptura”, frisou. Perante o cenário, o preço cobrado aos idosos do lar aumentou, mas ainda não aconteceu com o apoio domiciliário. A directora reconhece que pode ser feita uma actualização já no início de 2023, mas acredita que não haverá idosos a desistir do apoio.
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