« – Como se obtêm estas batatas, ó abade? (…) – O segredo está nos três quindins:
terra granita, água granita e caganita, com perdão de Vossa Excelência.»
Aquilino Ribeiro
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A batata veio do Peru, entrou em Espanha e chegou ao Papa.
Uma confusão deturpou-lhe o nome, mas não a impediu de iniciar um imparável reino.
Por volta de 1524, os soldados de Pizarro, esse amável conquistador espanhol que avançou pelo Peru como um carro de assalto e destruiu o império inca, descobriram uma planta maravilhosa que se cultivava nos planaltos onde o milho já não podia crescer.
Jardineiros hábeis, os incas cultivavam-na desde tempos imemoriais.
Sabendo escolher os tubérculos de reprodução e obter várias variedades desse alimento a que chamavam pappa.
Pedro Cieza, companheiro de armas de Pizarro, mandou amostras de tubérculo para Espanha, de onde as enviaram de presente ao papa de Roma.
E foi assim que a batata e a Europa se travaram de relações.
Os espanhóis chamaram-lhe patata porque a confundiram com outro tubérculo peruano, a patata (batata- doce).
Os ingleses, a quem foi revelada por Walter Raleigh, seguiram-nos no erro e batizaram-na de patato.
Em 1588, em Viena de Áustria, o sábio francês Charles de L’Ecluse, mais conhecido pelo apodo latinório de Clusius (divulgador e tradutor para latim dos «Colóquios» do nosso Garcia de Orta), elaborou a respetiva árvore genealógica botânica. Como legenda escreveu: pequena fruta (tartufoli).
Os italianos adotaram este nome, que descambou em Kartofel na Alemanha e em Kartoscka na Rússia.
De início, a batata era pouco apreciada
A batata expandiu-se timidamente em Espanha, durante o século XVII, sobretudo em asilos e quartéis.
Aquando da Guerra dos Trinta Anos, os camponeses da Saxónia e da Westafália e achavam-na preferível à simples erva.
E embora a pobre Irlanda se tenha resignado a adotá-la, o certo é que a batata recebeu acolhimento deplorável.
Nada apreciada, tinham-na por boa apenas para o gado ou, nas melhores tradições de caridade cristã, para os pobres.
Felizmente para ela e para nós, apareceu o farmacêutico militar francês Antoine Parmentier, que levou a cabo uma intensa campanha de propaganda que, em 1785, obteve a aquiescência real.
A adoção da batata na alimentação humana, que só viria a verificar-se intensamente no decorrer do século XIX, provocou uma autêntica revolução no regime alimentar, sobretudo nas classes populares.
Quanto a nós, a primeira referência que dela se encontra num lexicógrafo nacional é em 1647, no «Thesouro da Língua Portuguesa», de Bento Pereira.
Além de cultivos esporádicos, parece ter sido Trás-os-Montes onde se cultivou pela primeira vez a batata com intensidade.
Atribuiu-se a D. Teresa de Sousa Maciel a sua introdução naquela província, sendo por isso premiada, em 1798, com uma medalha de ouro pela Academia Real das Ciências.
E assim começou o reino glorioso da batata, que veio ocupar o lugar até então preenchido pelas castanhas e, em menor grau, pelos nabos.
«Castanha-da-índia» lhe começou por chamar o nosso povo.
Rapidamente lhe foi reconhecida a versatilidade e foram sendo desenvolvidas inúmeras maneiras de a cozinhar.
Batatas cozidas (em água ou em vapor), fritas, salteadas, guisadas, assadas, em puré, gratinadas, batatas que tanto entram na sopa, como são entrada, guarnição, salada, e até prato completo.
Tubérculo amigo, o povo sempre esteve contigo!
Guia da Semana – EXPRESSO – Edição Norte (texto editado e adaptado)
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