Por: Carlos Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Um dia qualquer, Henrique, cheiinhos de tresandar a cheiro à capital, deu-nos para regressar a horta e galinheiro, onde mal-amanhamos a gosto meia dúzia de pés de couve, plantamos umas batatanhas de sequeiro e passámos a acordar quando o galo abre as golas. Um dia qualquer, já lá vão 22 anos, com vontade de por ali fazer pelo menos outros tantos! Que o diga o meu Milhão, que já arranjou conhecimento com todos quantos ali passam, e a quem ladra como que a defender gado de lobo nos confins dos altos da aldeia onde nasceu, de que herdou nome.
Vem ao caso no intróito, não a ida à feira do 21 de Agosto em Bragança, para comprar as couves e rabas da consoada, mas a sementeira de uma leirinha de grelos, que por mais areia na mistura – “quem quiser um bô nabal peça a Deus que nasça mal” – nunca sai semeadura de gabar.
Cá para nós, este Outubro caprichei, com semente de nabos verdadeiros, dos daí, daqueles que dantes se davam à cria, que ao arrancar saem assim meio azulados e ao rilhar, descascadinhos a fio de palaçoula, só não chora por mais quem os não rilha.
Se caprichiei desta vez! Devo a caridade da semente a um primo, que ma trouxe de Macedo, comprada ainda a vulso e religiosamente trazida em cartuxinho de papel pardo, como minha avó, tudo a fiado, fazia no soto para embrulhar dez réis de mel coado. Contar-vos nem sei contar, quando ele me chega de nabinha que nem hóstia a sair de píxide, não minto se disser que desviei os olhos a lembrar-me de quem tanta lembrança nesta pequena vida nos deixou. O Armando não viu, claro. Fiz-me de forte, peguei na semente e, meio desentendido, foi como se nada tivesse acontecido. Mas aconteceu. E foi como se tivesse comungado…
Isto para dizer que semear semeei, uma leirinha de grelos. E para dizer também que, desta vez, no caprichar, segui conselho de pessoa já ida, natural de Vilas Boas, lados de Chaves: "No fim, nāo te esqueças, calca a terra semeada com o engaço, não vá a passarada comer-te a semente!"
Ao lembrar-me do senhor Guedes, ido na casa dos 100, com histórias de vida deliciosas por brasis e venezuelas, deu-me a risa e apeteceu-me responder-lhe: "Obrigado, tio Guedes, mas não há perigo!..."
É que, ao recordar conselho de gente sábia como ele, me veio à cabeça a observação irónica de um outro amigo, também transmontano, mal viu o resultado de outra minha sementeira, anos atrás: "Eh, pá, nasceram como pêlo em lombo de cão!"
Assim como assim, Henrique, lá calquei a terra com o engaço. Como irá nascer, deixa passar Novembro e logo vemos…
Carlos Pires é natural de Macedo de Cavaleiros, tendo adoptado a pequena aldeia de Meles, onde crestou à solta nas férias grandes, como o seu verdadeiro berço. Como jornalista, fez parte das Redações do "Tempo", "Portugal Hoje", " Primeira Página", "Liberal", "Semanário" e da revista de economia "Exame" (de que foi editor). Em Bragança, colaborou no semanário "Mensageiro de Bragança" (1970-72), tendo sido co-fundador do semanário "ÈNÍÉ - uma voz do Nordeste Português" (1975) e da publicação "Domus", da Casa de Cultura da Juventude de Bragança (1977-78).
Foi assessor de imprensa de Maldonado Gonelha, ministro da Saúde (1983-85).
Entrou para o Infarmed em fins de 2000, depois de ter sido assessor de imprensa da ministra Elisa Ferreira, nos dois governos de António Guterres, primeiro no Ministério do Ambiente, depois no Planeamento (1995-2000).
No Infarmed criou o Gabinete de Imprensa, tendo sido porta-voz da instituição durante mais de uma dúzia de anos.
Alguns aspetos marcantes: a iniciativa da realização de um curso para jornalistas (2001), ministrado por peritos do Infarmed, em que os principais órgãos de informação estiveram representados, sobre o ciclo de vida do medicamento; a elaboração do jornal da instituição, "Infarmed Notícias", trimestral (de que é coordenador/editor/redator). A edição especial de Janeiro de 2018, com 120 testemunhos sobre o INFARMED na altura conturbada da ideia controversa da sua deslocalização para o Porto (depois editada em livro); e ainda a publicação de um livro, editado pela Âncora, "Redondilhando", que nasce no seio da instituição e cujo prefácio foi assinado por Ernesto José Rodrigues.
A última "missiva" que recebi foi nos anos 70. Esta, vinda de ti, fez-me abrir o envelope, ter o cuidado de não rasgar o selo, desdobrar a folha e ler... e sentir. Forte abraço.
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