Vários moradores do Bairro Social da Coxa, em Bragança, estão num verdadeiro ataque de nervos, sem saber o que fazer à vida, porque lhes chove em casa. Têm passado os últimos dias a verter água de baldes, de tachos, de alguidares e do que encontram que possa servir para aparar o que lhes cai do tecto que era suposto não cair. Os moradores culpam as obras que ali foram feitas há meia dúzia de anos. Segundo explicaram alguns moradores, além de se intervir na fachada dos prédios e nas caixilharias, por exemplo, a empreitada contemplou a mudança dos telhados dos blocos de apartamentos, onde foram colocados painéis solares. Antes da empreitada, aparentemente, segundo referiram várias pessoas que ali vivem, não havia problemas de maior. Chovia num ou noutro apartamento, num ou noutro canto, devido a uma ou de outra telha velha ou partida… mas nada de especial. Agora, perante a situação, as obras, pelos vistos, segundo contaram, “vieram estragar”.
Tachos, baldes e alguidares
Fátima Mendes vive há 23 anos no Bairro Social da Coxa, em Bragança, e não tem tido mãos a medir para verter a água dos vários tachos e baldes que tem espalhados pela casa, sobretudo na sala de estar e na cozinha. São a única forma de ir aparando a água que cai do tecto, que escorre pelos candeeiros e que, parta das vezes, é como ter uma torneira aberta. A típica expressão do “chove aqui como na rua” encaixa- -se na perfeição, para desespero da moradora, que teve que até que desligar a electricidade, durante vários dias, para não haver curtos-circuitos. “Tenho tudo inundado. Não posso fazer de comer, não posso estar sossegada”, contou a moradora que, no fim da outra semana, abriu as portas de casa para mostrar a situação em que vive. Naquele dia, quinta-feira, em que “choveu a potes”, a água era tanta que a filha de Fátima Mendes teve que ir comer e estudar para o quarto, um dos compartimentos da casa onde ainda se pode estar livre de água. Esta moradora do Bairro Social da Coxa, que vive num último andar, contou que só desde que ali foram feitas obras é que lhe tem chovido em casa. Ainda assim, nos outros invernos a água caia apenas num canto da sala… agora a história é outra. “Nunca tinha sido assim, como agora. Depois das obras ficou tudo pior. Agora, andaram a limpar as caleiras e tem chovido muito aqui dentro e isto não pode ser”, rematou, assinalando que já reportou, por várias vezes, a situação à câmara municipal, mas “nunca fizeram nada”. “Isto é uma porcaria”, sublinhou. Neste momento, devido à água, a moradora já vê alguns estragos, casa fora, sendo que, tem, por exemplo, um móvel, na sala, a “apodrecer”. “Não sei quem vai pagar isto”, vincou, assumindo que também não tem ideia que como é que isto se resolverá nem quanto tempo pode demorar até tudo regressar à normalidade.
Uma “piscina” dentro de casa
No mesmo andar que Fátima Mendes vive Olívia Machado, com mais três filhos. Está há 12 anos naquela casa, mas já a sua mãe ali vivia. Uma porta fechada não mostra a realidade daquela família, que está há duas semanas sem poder utilizar a cozinha. Com um bebé no colo, carregada de compras, Olívia Machado não escondeu o descontentamento e tristeza de viver naquelas condições. Tinha a cozinha completamente alagada. Do tecto, todo amarelado, caia água e já não havia forma de dar vazão à que ia caindo. “Chove cá dentro, temos a casa alagada, não podemos cozinhar”, contou. Inevitavelmente, a chuva provou estragos. “Estragaram-se os electrodomésticos, o frigorífico e o microondas, porque queimaram as fichas”, disse, acrescentando que tenta fazer a comida conforme pode ou então é obrigada a comprá-la já feita. A “sorte” é que é apenas a cozinha. O resto da casa está salva. Mas conseguirá uma família viver sem uma cozinha? Sem electrodomésticos? Olívia Machado já foi à câmara fazer queixa, como os restantes inquilinos e a resposta parece ser a mesma. “Disseram que iam mandar alguém para compor”. Resta saber quando.
Despertadores nocturnos para andar a limpar água
Maria Baptista também é vizinha de Fátima Mendes, vive no andar de baixo. Devido à água que se acumulou no chão da vizinha, que, mesmo com bastante esforço, não consegue limpar tudo, a toda a hora, já lhe chove também em casa, mais concretamente na cozinha. “Em minha casa nunca tinha acontecido isto. É a primeira vez. Logo que começou a pingar em casa da Fátima passou para baixo, para a minha”, esclareceu a moradora. De forma a não haver grandes estragos, sobretudo nos móveis, sendo que chove em cima da mesa, de uma porta e junto ao lava-loiças, a moradora daquele bairro tem tudo cheio de panos e de tachos. O esquema é perfeito, mas dá uma trabalheira do outro mundo. “Tenho que me levantar durante a noite. Ponho o despertador, no telemóvel, para a cada bocadinho vir limpar a água. Se não a limpar ela vai para o chão. Levanto- -me todas as noites para espremer panos. Tenho a cabeça chocha. Isto é uma pilha de nervos”, contou. Maria Baptista, que contou que “desde que andaram com as obras nunca mais isto foi igual”, diz que já foi à câmara a pedir ajuda. “Falaram que iriam ver, mas não deram grande importância. Acho que não pensaram que fosse tão grave”, esclareceu, assumindo que “isto é demais” e que “é preciso ver, de imediato, o que se passa para tanta água cair”. Depois, que se faça o que for necessário.
O medo do tecto cair
O problema já não é apenas nos andares de cima. A infiltração é tanta que chegou ao rés-do-chão, a casa de Amândio Lopes. Tudo começou no fim da Primavera, com o mau tempo inesperado. “Em Junho, na primeira trovoada e chuvada, que virem na primeira semana, fui à câmara e falei com eles por causa disso. Veio o Verão, parou de chover e eu consegui limpar e tirar as manchas. Agora em Outubro vieram estas chuvas e já não sei há quantas semanas estou assim”, contou. Pelo chão da cozinha e da despensa há vários alguidares para amparar a chuva. Por cima do frigorífico, tem já um plástico, para tentar impedir que se danifique. Mas o seu maior medo é poder haver um curto-circuito. “A água cai justamente na zona da lâmpada, porque tem o furo dos cabos e é por lá que vêm”, disse. Enquanto mostrava o estado da cozinha, sentiam-se as pingas a cair na cabeça e na roupa. Nunca viveu nestas condições. Já não consegue dormir descansado. “Dormir não é fácil. Cada vez que me levanto para ir à casa de banho venho aqui ver isto, para ver se já caiu o tecto”, lamentou. Os problemas de saúde que possam surgir começam a preocupar Amândio Lopes, que já foi operado à cervical e à lombar e a humidade só complica. “Esta água deve ser boa para beber, porque passa por três placas, já está filtrada, mesmo que tenha porcaria das pombas, porque as pombas andam lá em cima e entopem tudo”, disse com ironia. A câmara já esteve em sua casa, mas Amândio considera que “não está nem aí” para o que está acontecer. “Já esteve aqui, na altura do tempo bom, e prometeram que iam mandar arranjar, mas já acabou o tempo bom e ninguém veio arranjar”.
“Uma miséria”
Teresa Lopes vive num apartamento no Bairro Social da Coxa há mais de 30 anos. “Desde que fizeram as obras isto transformou-se numa miséria. “Todos os invernos aqui chove”, esclareceu a moradora, que vive com uma irmã. Para que nada se estrague, Teresa Lopes passa este período de mau tempo com baldes “de um lado para o outro”. “Para a água não nos estragar nada, nem as mobílias, nem o resto, temos que andar com caldeiros para aqui, para ali e para além”, esclareceu, dizendo que se já se estragou, pelo menos, uma televisão e uma cafeteira. A ideia é evitar que outros electrodomésticos se estraguem até porque… “quem é que vai pagar os prejuízos?”. Na casa desta moradora chove na sala de estar e nos quartos, apesar de ainda não chover, “há muita humidade”. Na marquise chove também, mas não é o pior deste cenário. Teresa Lopes também já esteve na câmara municipal, a queixar-se acerca do sucedido, mas “não fizeram caso”. “Disse que me chovia em casa e que se estavam a estragar coisas. Perguntei quem ia pagar isto. Disseram que não tinham responsabilidades”, explicou a moradora. Ainda no que toca a prejuízos, “vai ter que se ficar com eles e pronto”. Diz que não acredita que lhe venham a pagar seja o que for e também não está muito esperançosa que a situação se resolva rapidamente e que, assim, lhe pare de chover em casa.
Não se queixa mais à câmara por vergonha
Há mais de 40 anos que Maria Helena Almeida vive no terceiro andar de uma das casas sociais do bairro. Foi ali que criou os dois filhos. Agora os filhos já não vivem consigo e o marido já morreu. Com 75 anos, está sozinha e quando a chuva chegou, valeu-lhe os vizinhos de baixo. “Pus aqui tanto toalhão que nem queira saber”, disse. Com as lágrimas nos olhos apontava para os locais de onde a água caía, pelo fio da luz, na despensa, na cozinha, e ainda na marquise. “Com esta chuva foi muita água aqui, tive que tirar o frigorífico e a arca, porque se empoçou aqui a água. Teve que vir cá o meu genro porque corria a água pelos fios da luz”, contou. Maria Helena disse que isto só acontece desde que o bairro foi reabilitado. Até ali, nunca lhe caiu água dentro de casa. “Eu já fui à câmara quatro vezes minha santinha. Dizem que já vêm e estamos à espera. Passa-se o tempo e nada feito”, lamentou, repetindo, vezes sem conta, “é muita tristeza, muita tristeza, só lhe digo que é muita tristeza”. A idosa já não aguentar estar nesta situação e quer que a câmara faça alguma coisa. “Não temos um presidente da câmara como deve ser. Isto devia ser resolvido rapidamente. Tenho a minha tia, com 85 anos, que vive no bloco F e é a mesma coisa”, disse, vincado “isto é demais”.
Problema está a ser estudado e será corrigido assim que o tempo o permita
O presidente da câmara confirmou que no bairro social, se verifica um “problema estrutural” das caleiras e dos tubos de queda, para além de haver fixadores de painéis solares que ultrapassam a cobertura e, com a dilatação, “deixam entrar água”. “A juntar a isto há detritos acumulados, nas caleiras e tubos de queda, provenientes das centenas de pombas que ali dormem à noite”, esclareceu, dizendo que “o município tem estado atento a esta situação”. Hernâni Dias assumiu ainda que “já foram corrigidas algumas situações”, quer com trabalhadores da câmara, quer com uma empresa contratada para o efeito. “Neste momento, estamos a avaliar a situação para que mais facilmente a consigamos resolver. Nesta altura do ano não é fácil dar a resposta que é necessária, mas vamos corrigir aquilo que for possível, para garantir as boas condições de habitabilidade”, explicou o autarca, que disse ainda que “há aqui um investimento a fazer, mais avultado, que implica o levantamento de toda a cobertura, para colocação das caleiras no exterior”. Quanto a esta matéria, por agora, está a ser feito o “diagnóstico”, para depois ser corrigido com um investimento que, provavelmente, será alocado à Estratégia Local de Habitação. O presidente da câmara de Bragança garantiu também que “já foram identificadas algumas situações mais complicadas” e que “foram resolvidas”. Contudo, dado que este “é um problema estrutural”, não é possível resolvê-lo no imediato. “Teremos que esperar por um tempo mais sereno, onde haja possibilidade de levantar as coberturas e voltar a colocar”, sublinhou, confirmando que há várias pessoas que têm reportado esta situação à câmara e que são “atendidas de imediato”.
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