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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Dois «Bragançãos» na primeira delimitação da fronteira de Portugal (!!!)

Por: Rui Rendeiro Sousa
(Colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


 As chamadas Ciências Sociais, nas quais se enquadrará a História, ao contrário das designadas Ciências Exactas, possuem características muito próprias. Uma delas, embora também se aplique, em algumas circunstâncias, às ditas Ciências Exactas, é a possibilidade de se fazerem pessoais interpretações, suposições, análises, deduções, ou tudo o mais que se lhe queira chamar. Todavia, existe algo que deverá sempre estar presente em quem escreve no âmbito das Ciências Sociais, particularmente na História: ser rigoroso, sério e criterioso. Porque, mais grave do que o desconhecimento ou a ignorância, é a deturpação do conhecimento…

Ao longo da História, e retendo-me na minha região, o distrito de Bragança, foram muitas as incursões a territórios do «outro lado», sendo tomadas várias povoações, algo semelhante tendo acontecido no sentido inverso. Tudo isto desde épocas nas quais ainda não havia o conceito de fronteira, embora se tenha conhecimento da existência de marcos delimitadores. Ou seja, deste lado, «somos nós», desse lado, «sois vós». As linhas de fronteira física nunca foram impeditivas da sã convivência entre «um lado e o outro», não obstante, por vezes, “s’ingaliarim” uns com os outros…

Esta região, contrariamente ao veiculado pela «cartilha da historiografia tradicional», até aos reinados de D. Afonso III e do seu filho, D. Dinis, sempre foi um território ambivalente. Ora estava do lado do Reino de Portugal, ora se virava para o «outro lado», para o Reino de Leão, “ó cunsuante” das expectativas dos seus efectivos «donos e senhores», os célebres Bragançãos. Estirpe cujos membros tão rapidamente estavam a exercer cargos de relevância «deste lado», como o estavam a fazer «do outro lado».

Por isso, de facto, entre muitas outras razões, ainda se fala Leonês por estas terras. Efectivamente, e historicamente, sempre fomos mais Leoneses do que «Portugalenses». Aliás, os próprios documentos das chancelarias do «outro lado», até à integração definitiva destas terras no Reino de Portugal, fazem uma distinção, claríssima, entre o que eram «portugueses» e o que eram «bragançanos». Isto era, mesmo, um mundo à parte… Um mundo no qual não havia cavaleiros «portugalenses», mas estava “tchêinhu’e” de cavaleiros leoneses… E ordens religiosas leonesas... 

Um mundo que foi tão da «Lusitânia» como do «Condado Portucalense», ao qual nunca pertenceu, sequer, que quem por aqui “butaba” ordem era D. Afonso VI de Leão e, posteriormente, a sua filha D. Urraca. Como tal, o seu sobrinho, D. Afonso Henriques, andou sempre a tentar «subornar» o efectivo Senhor destas terras, Fernão Mendes de Bragança, até o tendo casado com a irmã, a infanta Sancha Henriques. E só assim a Coroa Portuguesa conseguiu, à custa desse casamento, algumas terras por aqui, entre as quais a actual Bragança... 

Estranho, como tal, que se até, pelo menos, D. Afonso III, os monarcas portugueses pouco conseguiam «pintar» nestas terras, confrontar-me com o facto de que tinham pretensões a outras situadas do lado de lá, como Zamora, Astorga e outras que tais… Há uma grande distância entre ilusões e realidade… Por isso, quando as coisas não corriam “ó cunsuante”, lá tínhamos os Leoneses a entrarem por aqui adentro, como aconteceu em 1199, com a tomada de Bragança, ou em 1212, ainda com Afonso IX de Leão, com a tomada de todas estas terras, as quais deixou a «ferro e fogo», muitos castelos tomando, sem que os nossos reis alguma coisa pudessem fazer. Incursões essas, suspeita-se, com a conivência dos ditos Bragançãos… 

Por isso houve o primeiro «tratado sobre fronteiras», em 1231, quando os «do lado de lá» acordaram devolver-nos «Santo Estêvão de Chaves». E, antes do tal de Alcanizes, ainda haveria o de Badajoz e o da Guarda. Tal como existiria a chamada «Carta de Sevilha», em 1264, aquele que é considerado o primeiro instrumento jurídico formal para a delimitação e demarcação entre os reinos castelhano e português. E é esse que, efectivamente, aqui me traz. Porque é através desse «instrumento jurídico», que D. Afonso III e o sogro D. Afonso X, rei de Castela e Leão, nomeiam procuradores para presidirem à demarcação da fronteira entre os rios Minho e Caia, nos lugares onde subsistiam dúvidas sobre o seu traçado.

Previamente a isso, na sequência da ideia de que estas nossas terras eram um mundo à parte, D. Afonso III, “guitchu c’mó catantchu’e”, baseado num princípio do «se não consegues vencer o inimigo, junta-te a ele», por intermediária pessoa, que era tio materno do «último Braganção», conseguiu convencê-lo a tomar o partido «deste lado», nomeando-o Meirinho-mor do Reino, em simultâneo lhe entregando a elevada tarefa de educar o infante Dinis, atribuindo-lhe, igualmente, a superior responsabilidade de Aio do futuro monarca. “Ah peis é”, o nosso grande D. Dinis foi educado por um bragançano! De seu nome D. Nuno Martins de Chacim, cujo pai ainda, em alguma documentação, surge como «de Bragança»... 

Bragançano esse, o «último Braganção», que muito antes do célebre Tratado de Alcanizes, foi nomeado como um dos procuradores para a tal de primeira demarcação das fronteiras entre o Reino de Portugal e o Reino de Castela e Leão. Tendo sido responsabilizado, conjuntamente com mais três figuras eclesiásticas (os Bispos da Guarda e do Porto, e o Abade de Pombeiro), pela demarcação da fronteira entre o Sabugal e o Minho. Sendo que o local indicado para se encontrarem, conjuntamente com os nomeados por Afonso X, para acordarem na dita delimitação seria… Bragança! Embora, na nossa região, já estivessem os limites bem definidos anteriormente, apenas tendo sido necessário ajustar alguns pormenores, particularmente na região de Vinhais. 

A sul do dito Sabugal, a demarcação ocorreria até ao Caia, na alentejana região de Elvas (que o Algarve, só no posterior Tratado de Badajoz é que entraria nas contas…). E para esta empreitada, pelo lado português, foram nomeados o Mordomo-mor de D. Afonso III e… mais um «Braganção»! 

Naturalmente, quem consultar a documentação, há-de ver por lá o nome do Rico-homem, governador de várias terras, Diogo Lopes de Baião. Particularmente os «tartufos sabetudólogos», logo virão por aqui destilar as suas frustrações, afirmando, convictamente, que os «de Baião» eram outra família. E eram… Porém, uma das netas de Fernão Mendes de Bragança, filha do não menos importante Mordomo-mor de D. Afonso Henriques, Pedro Fernandes de Bragança, casaria com um «de Baião»! Por isso, os «de Baião» também passaram a ter, por herança, vastos territórios no actual distrito. E um deles até seria «Tenente de Bragança», ou seja, seu Governador. Porque também eram Bragançãos, por via feminina. Portanto, este Diogo Lopes de Baião era neto da referida Teresa Pires de Bragança e, dessa forma, primo do referido «último Braganção», Meirinho-mor de D. Afonso III e Aio de D. Dinis, sobrinho-neto da dita Teresa. 

Como tal, tivemos dois «Bragançãos» com a responsabilidade da efectiva primeira delimitação da fronteira portuguesa! Já agora, o Tratado de Alcanizes, efectuado um pouco mais de 30 anos após a «Carta de Sevilha», em nada mexeu nas fronteiras do actual distrito de Bragança, limitando-se a acertá-las abaixo do Rio Douro, com a incorporação de diversas vilas e castelos da região de Riba-Côa, no Reino de Portugal. «A César o que é de César», sem devaneios…

(Imagem: © Diana Pardal)


Rui Rendeiro Sousa
– Doutorado «em amor à terra», com mestrado «em essência», pós-graduações «em tcharro falar», e licenciatura «em genuinidade». É professor de «inusitada paixão» ao bragançano distrito, em particular, a Macedo de Cavaleiros, terra que o viu nascer e crescer. 
Investigador das nossas terras, das suas história, linguística, etnografia, etnologia, genética, e de tudo mais o que houver, há mais de três décadas. 
Colabora, há bastantes anos, com jornais e revistas, bem como com canais televisivos, nos quais já participou em diversos programas, sendo autor de alguns, sempre tendo como mote a região bragançana. 
É autor de mais de quatro dezenas de livros sobre a história das freguesias do concelho de Macedo de Cavaleiros. 
E mais “alguas cousas que num são pr’áqui tchamadas”.

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