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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

OVO, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“ – Mas nem bocado agora me podia entrar, meu irmão! Com uma galinha inteira me atochei! E depois uma fritada de ovos! E de vinho branco um quartilho!
[in Contos. Eça de Queiroz]

O formidável romancista muito padeceu porque a tentação sobrepunha-se à frugalidade que a sua delicada saúde exigia, adorava galinhas e ovos debaixo de inúmeros preparos, sendo confesso praticante do sétimo pecado mortal – a gula – quando lhe apresentavam ovos queimados. O autor da Cidade e as Serras, atochava uma galinha, cujos ancestrais eram galinhas selvagens do Norte da Índia, e que o homem domesticou por volta de 2000 a.C., mas como se comiam ovos de outras as aves (o ovo sem outra designação é o da galinha), só mais tarde é que ganhou a universalidade. Todos sabemos da existência de outros ovos comercializados, mas é-lhes mencionada a origem: avestruz, codorniz, gansa e pata.
Os egípcios, os gregos e os romanos revelaram-se expeditos criadores de galinhas, tudo indica que estes últimos as introduziram nas ilhas britânicas, os portugueses levaram-nas para o Brasil, os nativos terão visto um galináceo pela primeira vez ao anoitecer de uma sexta-feira, dia 24 de Abril de 1500, segundo a carta de Pêro Vaz de Caminha, o zangado connosco Cristóvão Colombo também as levou na primeira viagem.
Ao longo dos milénios os ovos têm sido considerados como alegoria da abundância e prosperidade, em termos simbólicos considera-se que contém o gérmen a partir do qual se desenvolve a matéria, explicando-se por si só. Os celtas, os gregos, os egípcios, os cananeus, os tibetanos, os vietnamitas, os chineses, os siberianos, os japoneses e outros povos defendiam que o nascimento do mundo partia de um ovo. O ovo cósmico, nascido das águas primordiais, incubado à superfície pela pata Hamsa, diz-se na Índia que é o Espírito, o Alento divino, que se separa em duas metades dando origem ao céu e à terra. Esta dualidade vamos encontrá-la noutras doutrinas, o ovo de Leda dá nascimento a dois Dióscuros, frequentemente, a partir de Eurípides, admitia-se que era a própria Leda quem, devido aos seus amores com Zeus, tinha posto um ovo (ou então dois), gerando os dois casais: Pólux e Clitemnestra, Helena e Castor.
O simbolismo que estabelece a ligação do ovo à génesis do mundo e a sua diferença progressiva continua a ser objecto de estudo, por o aludido gérmen propiciar a multiplicação dos seres. Os espanhóis quando chegaram a Cuzco verificaram que o templo inca de Coricancha exibia como principal ornamento uma placa de ouro de forma oval, flanqueada pelas efígies da Lua e do Sol.
O ovo deu origem a grande número de mitos, é símbolo da renovação periódica da natureza, atente-se na tradição dos ovos de Páscoa, dos ovos coloridos em dezenas de países. O historiador e filósofo das religiões Mircea Eliade, defende que o ovo é: em vez de um nascimento, um retorno, uma repetição.
O ovo é símbolo de maternidade, as imagens da Virgem grávida que podemos observar nas Igrejas e Museus, mostram entre os dedos das mão repousada no ventre cheio, um ovo, o óvulo, por isso são chamadas Senhoras do Ó, a forma do ovo, é a forma da letra o.
Diversas sepulturas, descobertas na Rússia e na Suécia, têm gravados ovos de argila mostrando emblemas de imortalidade e ressurreição, em sepulturas gregas apareceram estátuas de Dionísios com um ovo na mão, promessa e signo de retorno à vida.
O ovo expressa-se em numerosos signos a gerarem teorias que por seu turno deram origem a milhares de livros, a milhares de obras em todas as artes, inspirando poetas e romancistas. O ovo obriga os filósofos a meditar, um dos cineastas mais geniais da história do cinema Ingmar Bergman realizou o Ovo da Serpente, terrível alegoria da peste nazi. A mensagem do génio do mal dissecada por Bergman, é compensada pelo ovo quanto imagem de aconchego, de repouso, de estarmos em sossego no ventre materno.
Terá sido Santo Agostinho quem formulou a ideia de o ovo representar a ressurreição de Cristo, a Igreja a partir do século IV proibiu a sua consumição durante os quarenta dias da Quaresma por ser gordo, aí reside a razão de ser benzido no sábado de aleluia. O interdito levou a grande acumulação de ovos, dessa ocorrência virá o costume da utilização de ovos em jogos, concursos, festas e na confecção de comeres e lambiscos, caso das bolas e folares. Até ao século XVII, os ovos pintados e coloridos apenas se ofereciam no dia de Páscoa.
Alimento completo, a casca de um ovo de galinha de sessenta gramas pesa sete, é calcária, porosa e forrada por uma membrana, no espaço mais arredondado tem um espaço chamado câmara-de-ar, que aumenta de volume à medida que o ovo envelhece, quanto menos fresco for o ovo, mais ele flutua junto à superfície num tacho de água. A clara, trinta e cinco gramas de massa translúcida de água e albumina, a gema dezoito gramas contém o germe (visível se o ovo está fecundado, a não impedir o ser comido), mais a lectina (gorduras com fósforo), o ferro, as vitaminas A, B, D, e E, são a sua essência. Alimento plenamente equilibrado o ovo é relativamente pouco energético, setenta e seis calorias, contém todos os ácidos aminados imprescindíveis ao homem.
Desempenhando importante papel na dieta das gentes nordestinas, os ovos chegavam à cidade para serem vendidos de porta a porta, ou no mercado, apesar de na cidade existirem numerosos galinheiros domésticos. As compradoras mais desconfiadas acerca da frescura dos ovos olhavam-nos e rodavam-nos cuidadosamente nas mãos, desconheço se alguma seguia a recomendação da senhora Beeton, que defendia a aplicação da língua no extremo mais redondo do ovo, estando quente é sinal de frescura. São múltiplas as propriedades culinárias dos ovos, ligam ingredientes como pastéis e almôndegas, fazem parte da composição de numerosas receitas de biscoitos, bolos, doces, gelados e massas. Na cozinha, dá consistência às ligações, a panados, dourados, recheios, emulsões, saladas, guarnições e sobremesas.
No domínio das bebidas entra na composição do leite de galinha, do consagrado cocktail servido frio ou quente, o egg-nog, e em licores. A indústria alimentar elevou o ovo à condição de produto de grande consumo, dado seu baixo custo e às numerosas composições culinárias de fácil confecção que permite.
Na cozinha urbana o ovo ganhou a afeição das cozinheiras pela versatilidade a permitir utilizá-lo de toda a forma e feitio, independentemente da sua própria individualidade representada em centenas de receitas, um receituário escrito por Rosa Maria intitula-se 100 Maneiras de Cozinhar Ovos.
Na cozinha das aldeias cresciam em importância, como produto principal de refeições modestas, quebrando a monotonia do consumo de carne de porco, na categoria de elemento crucial na confecção de bolos e doces de colher. No dia a dia, um comer onde entravam ovos era um autêntico ovo de Colombo, a evidenciar a mais valia económica do poleiro, como o dão a entender as duas quadras transcritas do Cancioneiro Popular Português.

A mulher da aldeia
Quando foi à vila,
Co’a cestinha de ovos
E a galinha em cima,
Ao passar da ponte
Caiu-le a cestinha,
Quebraram-se os ovos,
Fugi’a galinha.

Como já referi as mulheres das aldeias vinham à cidade venderem a criação e ovos, resultando dessa prática duplo lucro a dividir pelas compradoras e vendedoras. As primeiras adquiriam produtos de grande valor qualitativo, as segundas conseguiam réditos amortecedores da pungente falta de dinheiro na sua escorrida bolsa.

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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