Américo Pereira foi eleito há um ano presidente da Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes. O autarca de Vinhais destaca o papel dos seus colegas presidentes de Câmara no futuro da região e deixa uma mensagem ao poder central: “não somos uns coitadinhos”.
Mensageiro de Bragança: Quais são os objetivos que tem para este mandato?
Américo Pereira: As Comunidades Intermunicipais aparecem no seguinte contexto. Portugal, durante muitos anos, teve, consagrado na Constituição, o caminho para a regionalização. Por motivos meramente eleitorais ou de estratégia pessoal dos líderes dos partidos políticos, nunca foi possível concretizar a regionalização. Do meu ponto de vista, o maior responsável pelo não avanço da regionalização foi Marcelo Rebelo de Sousa. Havia acordo entre PS e PSD mas, por uma necessidade de afirmação pessoal, Marcelo tinha de ter uma bandeira e agarrou-se a uma bandeira populista, arranjando dois argumentos falaciosos, de que com a regionalização aumentavam os tachos e os custos. São argumentos completamente falsos mas que a população compra.
As CIMs aparecem um pouco pela frustração da não introdução de regiões em Portugal. A Europa é cada vez mais a Europa das regiões. Com a abolição do Governo Civil está aberto o caminho para que se criem entidades administrativas e de planeamento estratégico, ao nível de micro-regiões. Estas comunidades visam estabelecer estratégias comuns e supra-municipais. No nosso caso, na primeira tentativa, foi criada a Comunidade de TMAD, onde estavam incluídos os concelhos do Tâmega. Por iniciativa dos colegas da região, esta CIM foi dividida. Neste momento temos a CIM de TM constituída por nove concelhos, e são estabelecidos os órgãos para que entre em funcionamento. Foi um processo muito rápido, em três meses estava em funcionamento.
Pela primeira vez, provavelmente tendo em conta uma nova visão que existe sobre o território e ao facto de as infraestruturas estarem praticamente todas construídas, os autarcas pensam o território de forma integrada.
Chegou a altura de olharmos para os nossos concelhos não como sendo o nosso umbigo, como se fosse a nossa capelinha, mas pensar que se inserem num território muito maior e que toda a estratégia de crescimento terá de ter em linha de conta esta visão supramunicipal. E, aí, os colegas autarcas interiorizaram muito bem esse conceito e têm feito um esforço no sentido de o concretizarmos e todos os colegas estão a dar um contributo importante para que assim aconteça. Tanto assim é que na última reunião do conselho intermunicipal chegámos a acordo para distribuição de pelouros por todos os colegas. A partir de agora, as responsabilidades estão divididas por todos os colegas, para que possamos fazer um trabalho mais forte.
“Pela primeira vez, provavelmente tendo em conta uma nova visão que existe sobre o território e ao facto de as infraestruturas estarem praticamente todas construídas, os autarcas pensam o território de forma integrada.”
MB.: Quais têm sido as prioridades?
AP.: Temos estado a trabalhar no PEDI, o Plano Estratégico de Desenvolvimento Intermunicipal. Será a nossa bíblia para o território para os próximos sete anos. Toda a estratégia territorial que queiramos implementar, todos os projetos que queiramos implementar, têm de ter cabimento neste plano. Os grandes objetivos são, por isso, planeamento da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental do território, através do PEDI, articulação dos investimentos de interesse intermunicipal e participação na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional – QREN. São três aspetos fundamentais que temos em mãos. Gizar o nosso plano estratégico; fazer uma articulação entre todos os investimentos intermunicipais. É importante que cada investimento seja uma mais-valia para o território pensado no seu conjunto. Não devo executar, na área do concelho de Vinhais, um equipamento que esteja a replicar outro equipamento que já existe neste território e possa ser utilizado pelos meus munícipes. Enquanto até agora cada autarca corria em pista própria, em que alguns até escondiam alguns investimentos para que o vizinho do lado não se apercebesse, a filosofia agora é exatamente a contrária. Os investimentos devem ser discutidos para, em conjunto, percebermos se há articulação com o interesse supramunicipal. Estou a falar, por exemplo, de uma rodovia. É importante saber se o melhoramento de uma estrada serve mais do que uma ou duas aldeias ou um território. Estamos a falar de um plano de mobilidade.
Hoje em dia estão desatualizadas as linhas de carreiras diárias. É preciso articular isto em conjunto. Cada município não se pode preocup ar a resolver só os problemas dos seus munícipes. Se se puser este problema na CIM, poderemos arranjar, através de uma equipa especialista, implementar um plano de transportes mais eficiente, a custos mais reduzidos e que abranja a totalidade do território.
O terceiro objetivo é a participação na gestão de programas de apoio ao desenvolvimento regional. Isto é, as CIM têm de ser agentes ativos da aplicação dos fundos do programa 2020. Temos de protocolar a utilização de algumas verbas que se devem destinar às regiões.
MB.: Falou numa questão de capelinhas. Por que é que estas comunidades não funcionavam? Havia divisões entre os autarcas?
AP.: Há aqui um problema endémico. Compreendo que os casamentos por conveniência têm cada vez menos êxito. Bragança com Chaves era um casamento por conveniência. Faltava alguma afinidade, que tem a ver com anos de história. Na primeira oportunidade deu-se o divórcio. O assunto está resolvido e o Alto Trás-os-Montes é um território com uma identidade específica e que tem boas condições para um bom trabalho a este nível. Há quem entenda que os municípios do Douro poderiam participar neste processo. Parece-me que não. O Alto Trás-os-Montes está perfeitamente identificado e tem todas as condições para ter sucesso. Estamos a falar de uma área com 1173 quilómetros quadrados e uma população na casa dos 120 mil habitantes, distribuídos por nove concelhos.
“Sob um ponto de visto rigoroso, a região de Bragança não é a região dos coitadinhos.”
MB.: Para além da questão com o Alto Tâmega, mesmo entre os municípios da região havia algumas divisões. Isso está ultrapassado?
AP.: Não havia divisões. O que havia era um conceito de exercício do poder e do autarca completamente diferente do que existe hoje. A visão hoje é uma visão integradora do território, do pensar os projetos numa ótica supra-municipal. Até agora, os autarcas ocrreram em pista própria, não se preocupando muito com o vizinho do lado. E até agora as autarquias estiveram a construir as suas infraestruturas. Neste momento estão criadas as condições para que se tenha uma visão estratégica do território. Enquanto estavam a construir as suas infraestruturas, isto não estava articulado comos seus vizinhos. Agora está na altura de pensarmos no território no seu conjunto.
MB.: Exemplo disso é a água. Qual é o objetivo?
AP.: É um dos dossiês mais importantes que temos. Não existe um único sistema dentro da CIM de abastecimento de água às populações. Existem vários.
A questão é que a água é um excelente negócio. Há sinais claros de que o Governo pretende privatizar o setor das águas, porque é apetecível para os investidores. Mas há uma questão importante. Num sistema puramente economicista, os custos serão todos imputados à tarifa. Quem vai pagar o investimento e a viabilidade da empresa são os consumidores. Se entrarmos num sistema de verticalização e entregarmos às Águas de TMAD a distribuição em alta e em baixa, deixamos de mandar na questão das tarifas. Nunca mais conseguimos abrir a boca em relação aos preços que vão praticar. Alguma vez a EDP pergunta às populações se o preço da energia está bem? Na água acontecerá o mesmo.
O que nós, autarcas, queremos, é que as populações recebam água de qualidade, em quantidade, ao preço mais baixo possível. Enquanto os autarcas mandarem nesse processo, as pessoas têm a garantia de que entraremos o menos possível no bolso dos contribuintes. Deixaremos de ter essa garantia se forem as Águas de Portugal a mandar em todo o sistema.
Precisamos é de harmonizar as tarifas, que é o grande problema. Os municípios do litoral compram a água mais barata do que nós. Eles precisavam de subir para nós baixarmos. Mas o problema é o calendário político, que não permite que o Governo mexa nesse dossier. Não tem coragem de dizer a milhões de pessoas do litoral que tem de subir a água para baixar o preço no interior. Não tem coragem porque isso terá consequências eleitorais. A maneira de contornarmos estes problemas é criar uma empresa em que os municípios sejam os donos da distribuição da água em baixa e paulatinamente renegociarmos os contratos com as Águas de TMAD para nos ser transferida também a distribuição em alta. Isso permite fornecer a água ao preço que as câmaras entenderem.
Como temos uma empresa que já faz a distribuição dos resíduos, não haverá grande problema em alargar o seu âmbito e aproveitar toda a experiência e pessoal que tem para este processo.
Neste momento tem sido difícil porque a Águas de Portugal tem, do meu ponto de vista, feito ofertas às autarquias no sentido de as aliciarem para entrarem na verticalização e poderem viabilizar a empresa que existe. A ATMAD só e viável se aumentar o preço da água e aumente o número de consumidores. Como essa lógica lhes está a escapar, estão a tentar à força, de uma forma pouco ética, contornar e aliciar algumas autarquias, começando pelos que estão em posição mais frágeis, pela dívida que têm às ATMAD. Se lhas cobrarem, também terão de subir o preço da água. Por isso, entendemos o problema dessas autarquias.
Quero acreditar que até final do processo alguma autarquia entre na verticalização. Mas se entrarem é porque não têm outra saída.
Mas as autarquias, no seu conjunto, estão no bom caminho.
MB: Como caracteriza esta região da CIM, em termos económicos?
AP.: Não se trata de crenças mas de números. Os grandes programas de apoio do Norte existem não por causa do Porto mas por causa das regiões periféricas. Porque a Europa é solidária mas não ajuda quem não precisa. Quando chegam a Bruxelas os índices económicos do Norte de Portugal, vão todos misturados. Não se sabe se são de Vimioso se de Matosinhos. Por isso, esta continua a ser uma região de convergência. Ao Porto interessa-lhe fazer a propaganda de que todo o interior do país é uma região própria, porque assim cumprem os índices necessários para continuar a ter subsídios que só numa ínfima parte são canalizados para as regiões que lhes deram origem e são, na sua maioria, canalizados para o Porto.
Sob um ponto de visto rigoroso, a região de Bragança não é a região dos coitadinhos. Há números e há dados que nos permitem concluir que esta região tem sabido aproveitar não só alguns investimentos públicos – como as estradas, por exemplo – mas, também, os fundos comunitários. Aliás, foi agora adjudicado ao IPB algo fundamental, a constituição de um observatório económico e social para a região. A CIM quer ter números trimestrais que nos permitam saber se a nossa estratégia é a melhor ou se temos de mudar o caminho. E confrontar o país com os números corretos. Por exemplo, se hoje quiser saber quanto é que os bens produzidos em Trás-os-Montes geram em impostos, não é possível. Porque algumas empresas têm a sede fora daqui. Temos de saber o que valemos. E há números que têm de ser tornados públicos e deixar-nos orgulhosos e dizer ao Governo que tem de continuar a investir na região porque vale a pena. Esta região, tem que dizer que não está moribunda e não deve ser prejudicada.
No que diz respeito ao PIB per capita, há sinais objetivos que nos dizem que está a haver uma convergência com todo o país, nomeadamente com a região norte. Em 2008, o PIB do Alto Trás-os-Montes cifrava-se nos quatro por cento da média nacional, enquanto que o do Norte andava nos sete. A partir de 2008 há um decréscimo mas a região de Alto Trás-os-Montes não chegou a baixar tanto. É um sinal de que estamos a caminhar para o que se designa convergência nacional.
Há outro dado importante que tem a ver com o seguinte. O setor mais relevante é o dos serviços, com 69 por cento. Mas está abaixo da média nacional (74 por cento). E é de realçar o valor que o setor primário (agricultura, caça, pesca) tem, de 6,9 por cento, superior à média nacional. Esta região tem de continuar a apostar forte no setor primário.
Quanto ao valor das mercadorias que entram e saem de Trás-os-Montes. O valor das exportações é muito superior ao das importações. É uma região autossuficiente. Por outro lado, esta região produz 24,5 por cento da energia elétrica produzida em todo o país. Produzimos um quarto de toda a energia produzida em Portugal. Não estamos a viver dos impostos das pessoas do litoral.
Tendo em conta estes números, tem de abandonada a ideia de que o Alto Trás-os-Montes vive à sombra do resto do país. É completamente falso. Está na altura de começarmos a reivindicar que o produto do que produzimos seja redistribuído pela população daqui, algo que seria conseguido com a regionalização.
MB.: Acredita que ainda é possível a regionalização?
AP.: Não no modelo que tínhamos previsto, mas com grandes regiões, como é o caso do Porto e Norte de Portugal, e que serão dadas novas competências às comissões de coordenação e desenvolvimento, que são um elo de ligação entra as sub-regiões e a própria região norte.
MB.: Dos vários projetos que têm em mete, quais destacaria?
AP.: Por exemplo, a estruturação da oferta integrada dos produtos endógenos. Estamos a falar de algo simples de concretizar. Quantos agricultores temos que, devido às quantidades reduzidas das suas produções, não conseguem colocar os seus produtos nos mercados tradicionais? A maior parte. Mas é possível alterar isto. Está a ser produzida legislação que permita a comercialização destes produtos. Temos de arranjar um mecanismo para transacionar esses produtos e pô-los à disposição das estruturas de apoio social. Ou seja, concentrar a produção e fornecê-los a lares e centros sociais a preços mais acessíveis. É um projeto de um valor enorme e será feito através das cooperativas locais. Falta-lhes a tal lógica de funcionamento em rede.
Ainda a criação de centros de investigação científica. É algo que está a começar a ser feito mas que, infelizmente, não temos tido grande recetividade do Governo, nomeadamente no que diz respeito ao centro de competências do azeite. Também a valorização dos recursos piscículas e cinegéticos. Está a ser feito um estudo para sabermos quais as possibilidades para valorizar a caça e a pesca, que não estão a ser convenientemente aproveitadas.
Outro projeto é a rede de casas de turismo low cost (ver texto na próxima página).
Para além disso, na área florestal, temos a ousadia de querer, conjuntamente com a direção geral de agricultura e com a direção geral de florestas, pegar em todas as terras abandonadas e nos baldios e reordenar a floresta no nosso território. Salazar fez muitas coisas más mas fez algumas muito boas. Ainda hoje estamos a tirar lucro da floresta que foi plantada há dezenas de anos. Existe outro projeto ao nível da proteção civil, no que diz respeito ao combate de incêndios de forma supramunicipal.
MB.: De que forma?
AP.: Basta que o Estado diminua o peso no que diz respeito à coordenação de meios e entregue a uma entidade da região. Não precisa de ser uma entidade nova. Terá de haver uma mudança de mentalizados do ICNF, que funciona mais como um obstáculo do que como uma ajuda. Não conserva a natureza e traz as pessoas zangadas.
A par deste projetos, que passam pelo património, existem projetos municipais que serão integrados na estratégia, desde que sejam reconhecidos como tendo interesse supramunicipal, em que os promotores são as autarquias, acontecem num território específico mas são vistos pela CIM e será dado o aval no caso de estarem de acordo com a estratégia coletiva.
MB.: Nessa estratégia, onde se enquadram as feiras temáticas?
AP.: Todos os certames são instrumentos de promoção do território e quantos mais existirem, melhor. Mas temos de ter uma estratégia comum. Não podemos sobrepor datas. Não pode haver um ou dois fins de semana em que exista muita coisa e depois três ou quatro em que não exista nada. Já fizemos o levantamento dos certames mais emblemáticos.
Por outro lado, a Feira dos Gorazes de Mogadouro não deve ser apenas de Mogadouro, deve ser de toda a região e todos nos envolvermos na sua promoção. De forma a que a região capte pessoas.
MB.: Acha que as CIM vão acabar por absorver os municípios?
AP.: Não, nem é desejável que assim aconteça.
MB.: Na questão dos transportes, poderá a CIM adotar um sistema comum?
AP.: São coisas diferentes, mas o princípio é o mesmo. Há concessões que já não funcionam. É preciso apresentar ao Governo um novo plano de mobilidade territorial. Ninguém melhor do que os autarcas conseguem fazer esse trabalho. Com as novas rodovias é possível fazer um novo esquema de mobilidade que dê resposta de forma muito mais rápida.
MB.: E a ligação à Sanábria?
AP.: É extremamente importante, não por ser a Sanábria, mas por causa de duas vias importantes, o TGV e a Autoestrada das Rias Baixas. Não nos podemos esquecer que aqui ao lado temos milhões de habitantes e que não existem ligações.
in:mdb.pt
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