No dia anterior à entrada em vigor do novo mapa judiciário, a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) reconheceu existirem dificuldades de transporte público em Miranda do Douro. Cancelou, por isso, a transferência de dois funcionários judiciais para Mogadouro que tinham reclamado da mudança. A extinção do tribunal, com a sua passagem a secção de proximidade, manteve-se, porém, apesar dos cidadãos residentes naquele concelho terem dificuldades de transportes acrescidas. Todos os que tiverem de recorrer à Justiça terão de percorrer quase 70 quilómetros até Bragança, para onde todos os processos foram transferidos. Para Mogadouro, os funcionários teriam de andar 48 quilómetros. “O único horário compatível com o horário de funcionamento das secretarias (das 9h às 17h) é a saída de Miranda do Douro às 6h30 e a chegada a Miranda do Douro às 19h45, o que obriga a que” o funcionário “dispense cerca de 14 horas diárias para assegurar as suas funções. Trata-se, sem dúvida, de um esforço que ultrapassa os níveis que podem ser exigidos a qualquer trabalhador”, diz o despacho do director-geral da DGAJ, ao qual o PÚBLICO teve acesso, que foi comunicado aos oficiais de Justiça pela directora de serviços daquela entidade numa comunicação recebida já quando a reforma estava no terreno há doze dias.
“Se reconhecem que para nós a situação é difícil, então porque não reconhecem que para os cidadãos a situação é ainda pior. E que não fez qualquer sentido passar o tribunal a um mero balcão de atendimento. A população envelhecida e com poucos rendimentos como ficará?”, questiona Vítor Bernardo, um dos funcionários que apresentou uma reclamação contra a transferência. Para o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, esta decisão “é a assunção de um tremendo erro”. Se “a DGAJ reconhece a razão aos funcionários, tem de reconhecer razão aos cidadãos que se queixem do encerramento do tribunal”, defende o dirigente. O PÚBLICO questionou, sem sucesso, o Ministério da Justiça sobre este caso. Miranda do Douro é uma das nove secções onde se devem "preferencialmente" realizar julgamentos.
E a verdade é que DGAJ reconheceu o erro. “Assiste-lhes [aos funcionários] razão”, disse em despacho decidindo reafectar os mesmos a Miranda do Douro, de onde nunca saíram. A 13 de Agosto, aqueles oficiais de justiça, colocados em situação de supranumerários, alegaram que o único transporte colectivo entre os dois municípios não é regular e que o “tempo de ia de volta” é de 90 minutos acrescidos dos “conhecidos e constantes atrasos na deslocação”. Na reclamação, os funcionários lembravam ainda que, de acordo com o Estatuto do Funcionário Judicial, não poderiam ser colocados a mais de 90 minutos de distância. O estatuto não permite que um oficial de justiça de categoria 1 ou 2 seja colocado a mais de 30 quilómetros se não concordar com essa transferência.
“Sabemos de centenas de reclamações deste tipo que terão tido provimento, mas esta é a primeira conhecida publicamente. Isto mostra a forma como a reorganização foi feita com teimosia”, apontou Fernando Jorge.
No primeiro dia do mapa judiciário, foi conhecida outra situação provocada pela falta de meios de transporte. Doze funcionários de Leiria, colocados temporariamente em Alvaiázere, a cerca de 60 quilómetros, foram de táxi por o ministério não ter autorizado o pagamento da sua deslocação em carro próprio. A viagem dura pelo menos uma hora, de acordo com o relato de um dos funcionários.
Apesar da reorganização judiciária já estar em marcha, os autarcas da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (CIMT) entregaram ontem na Assembleia da República uma petição com cinco mil subscritores contra a extinção dos tribunais na região, uma acção que consideram "oportuna pela ineficácia" do novo mapa judiciário.
Em declarações à agência Lusa, a presidente da CIMT, Maria do Céu Albuquerque (PS), que também preside à Câmara de Abrantes, afirmou ser "de toda a actualidade" a apresentação desta petição, numa altura em que as populações "verificam uma justiça paralisada, o fecho de tribunais com condições em simultâneo com obras apressadas em alguns dos restantes, bem como um distanciamento da justiça sem precendentes".
Jornal Público
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