quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Estranhas festas do Corpo de Deus em Bragança no ano de 1908

Um “anúncio” feito em O Nordeste, em 1908, dá-nos a dimensão das festas do Corpo de Deus, em Bragança, com letras bem destacadas e uma composição característica das mensagens publicitárias que se querem apelativas.

Sabemos que as festas do Corpo de Deus, para além do profundo significado religioso que lhes era atribuído, mobilizavam 
todas as forças políticas e sociais – em especial as associações de inspiração corporativa. O espaço transfigurava- se no dia maior dos festejos, para assistir à magnífica procissão. As representações cénicas – de inspiração profana –, incorporadas no cortejo processional, eram ricas e variadas.
Neste apelo aos crentes para participarem nos grandes festejos de 1908, referem-se rituais e manifestações de caráter religioso e sagrado, com componentes, elementos, encenações e representações que se revelam misteriosos, bizarros e de difícil descodificação. No Nordeste de 12 de junho de 1908, lia-se: “Grandes Festas de Corpus Christi em Bragança! S. Jorge no seu cavalo e Ugolino na sua égua! A exposição da comenda de Isabel a Católica, depois de quinze anos de contrabando encoberto! Ugolino, com ela ao peito, levará a umbela do andor do Santo guerreiro”.
Para incentivar a afluência de público, anunciavam-se comboios a preços reduzidos. Faziam ainda parte da programação grandes sessões cinematográficas “com vistas e episódios da Ponte de Valbom!”. E um apelo final: “Às Festas de CORPUS CHRISTI!!!”
Compreendemos as sessões cinematográficas que integravam os festejos, embora seja difícil imaginar o que seria o conteúdo alusivo a “vistas e episódios da Ponte de Valbom”! Justifica-se, para atrair sobretudo gentes dos meios rurais, a existência de comboios a preços reduzidos.
Quase tudo o mais é mistério… “Ugolino e a sua égua”. A misteriosa “comenda” de Isabel a Católica. E que “contrabando encoberto” é este? Como se misturaram – que é isso que parece acontecer – as festividades do Corpo de Deus com as de S. Jorge?
Complementarmente, regista-se – provavelmente com algum exagero – que a procissão ia desacompanhada “quase por completo” das classes cultas. Classes que, como se afirma, o bispo tem sabido, “com uma falta de tato extraordinário”, desviar da sua pessoa”. O conflito com o bispo teria contribuído para afastar pessoas das elites – em sinal de protesto – da mais importante manifestação religiosa da Cidade. Mas tal afastamento também poderá ser fruto de ideias que pugnavam pela descristianização e pela secularização. Esta prosa, com esta visão e estas acusações, pode ser ainda, mais prosaicamente, resultante da posição do jornal, que acoitava “inimigos” do bispo.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

Sem comentários:

Enviar um comentário