Por: António Orlando dos Santos
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Cheguei a Londres na Primavera de 1986 mais precisamente no dia 15 de Março
O primeiro trabalho que consegui foi em Highbury Corner, North London, perto do Estádio do Arsenal Football Club, célebre clube inglês. Trabalhei ali entre Março e Outubro de 86, tendo mudado para Acton Vale na zona West da cidade.
A semana de trabalho, na fábrica de Pastelaria onde laborava de segunda a sexta tinha um horário das 05:00am até às 15:00pm e no sábado começava também às 05:00 e terminava às 12:30pm. Recomeçava de novo segunda às 05:00 da manhã. A firma era de dimensão média e chamava-se Pontis. De origem italiana, o seu staff era quase todo dessa nacionalidade e de primeira geração, comportando também alguns portugueses e sul-americanos.
A localização da fábrica era na área de Islington e estava perto da estação de "Overground"da British Railways e da de "Underground "da Victoria Line, linha azul clara, que servia as duas estações mais perto do Estádio, Highbury & Islington e Gillespie Road que também se chama Arsenal.
O Arsenal é o único Clube de futebol inglês que nunca esteve na segunda divisão e tem a maior base de apoio de todos os clubes em Londres! Tem por isso uma mística que passa de pais para filhos e é patente na afluência de famílias que se deslocam ao Estádio para assistir aos jogos, pois este está sempre esgotado e é um espetáculo lindo de se ver já que ali se pratica futebol de primeira classe e o fair play não é letra morta. Tem o Arsenal uma falange de apoio grandiosa e viam-se inúmeros pais com os seus filhos pequenos vestidos com as camisas com as cores do clube e cachecóis que orgulhosamente exibiam demonstrando um fervor que transcendia o apoio que normalmente os adeptos dispensam aos seus clubes de eleição.
À porta da estação do Metro, Tub Station, estava, em dias de jogo, sempre atenta à multidão em trânsito, uma equipa de agentes da Met.Police, com cães amestrados. Normalmente os cães encontravam-se em jaulas dentro de carrinhas preparadas para o efeito e os cães só saíam em caso de absoluta necessidade.
Ora, um sábado tendo terminado o trabalho, dirigi-me à estação para apanhar o metro (tub) para ir para Brixton, pois eu residia em Stockwell e Brixton era a estação mais perto da minha morada. Da saída do metro vi sair um cavalheiro com dois meninos que teriam entre seis e oito anos. Logo que as crianças encararam com os cães que estavam dentro da jaula no interior da carrinha mas que tinha as duas folhas de porta abertas, fizeram uma grande algazarra de contentamento pela presença dos cães que estavam quietos e calmos, sentados com as patas traseiras fletidas e abanando a cauda em sinal de vigilância. Aproximando-se da carrinha ambos pediram ao agente policial que lhes deixasse acariciar os bichos, dois lobos de Alsácia que impunham respeito.
O agente consultou o colega e ambos concordaram em tirar os cães para fora. Fizeram sentar os bichos em frente da jaula e os cães algo nervosos mas obedientes deixaram aproximar as crianças que falando diretamente para os animais começaram a fazer-lhes carícias e metiam-lhe as mãos na boca ao mesmo tempo que os beijavam na cabeça e nariz!
Cena digna de se ver pois a alegria das crianças perante a paciência e direi entendimento dos bichos, era contagiante! As pessoas passavam e sorriam já que os cães rosnavam mas de um modo satisfeito e felizes eles próprios por estarem em consonância com os miúdos! Durou está cena uns quinze minutos. Eu com satisfação e à distância devida vine vivi momentos que sempre recordarei.
Seguidamente o agente falou para os miúdos e também para o pai, dizendo-lhes que era hora de irem para o Estádio pois o início do jogo se aproximava a passos largos.
Com um sorriso despediu as crianças que seguiram com o pai contentíssimos com a experiência e acenando com a mão se despediam dos seus amigos recentes mas sempre fiéis. Cães treinados para condicionarem a Acão dos homens desordeiros mas também com sensibilidade e compreensão para suportarem o autêntico assalto que os miúdos lhes fizeram, com paciência, tendo chegado ao ponto de lamberem os dedos das crianças quando estas lhes meteram os seus dedos na boca! Entrei para o hall de acesso à plataforma perplexo com o que havia presenciado. Pensei, mas que gente é esta que cuida dos animais tão perfeitamente que quase os faz comportar como gente, prontos para o combate quando as alternativas não existem e para uma cena de carícias se a ocasião se apresenta. Cultivam o serviço público com o esmero com que se apresentam à luz do dia, perante os mais variados perigos e com a mesma serenidade com que entram numa igreja para fazerem as suas orações.
Haverá naquelas paragens gente menos educada e até criminosa um facto, mas as instituições estão em regras e vontades que são dirigidas apenas e só para o bem-estar e proveito das gentes. Daí o alto conceito em que a população tem algumas delas, sendo que a Polícia será a mais conceituada junto e ao lado da Fire Brigade, Bombeiros, bem assim como os Professores(as) que têm sofrido bastante com as infelizes mudanças de paradigma adotado pela sociedade hodierna.
Nesta terra o trabalho é valorizado, sendo os mais diligentes recompensados, mas onde nunca falta o apoio aos menos aptos e incapazes de se governarem por si próprios.
Resta-nos aos que lá viveram em comunhão com os ideais humanistas e solidários do povo britânico, difundirem sem temor o exemplo destes dois agentes da Met.Police que eu recordarei como dois homens que por exemplo tão simples, dado num sábado à tarde, fizeram felizes dois miúdos que hoje serão homens e se recordarão de passagem tão feliz.
Bragança, 05/09/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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(Henrique Martins)
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