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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

As estagiárias, os estagiários e a Escola da minha meninice

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Ainda hoje lá está, branca e airosa com o seu arco de meia circunferência na entrada e as janelas rasgadas nas salas de aula. Parece-me ver com nitidez as quatro Professoras que de bata branca vinham à porta, cavaqueando entre si na hora do recreio. Dona Aninhas de Castro, Dona Beatriz Monteiro, Dona Isabel Belchior e Dona Maria de Lurdes Almeida ( Miranda Braga). Simbolizavam estas senhoras o Magistério Primário de que tinham sido incumbidas qual Aarão de ser o baluarte primeiro e último da luz que advinha do Senhor, sendo que elas haviam-no sido de mostrarem a luz que vem do conhecimento que deve ser transmitido para que não se concretizassem as palavras de Moisés que rezam: Cidade em que as crianças não vão à Escola está destinada a perecer! Eram por isso o facho que iluminou o nosso caminho, missão de que tinham sido incumbidas e que cumpriram cabalmente.


Humberto Delgado em Bragança

Claro que os tempos bíblicos e as palavras de Javé quase se tinham diluído na imensidão do tempo. Até a palavra divina era agora a do Messias que anunciou a Nova e Eterna Aliança.

Este preâmbulo serve apenas para eu tentar fazer perceber o conceito em que eu sempre tive e mantenho as mulheres, quais sacerdotisas que ensinaram a ler e a escrever à minha geração e a quem todos devemos a máxima consideração, respeito e agradecimento.
Dir-me-ão, és um romântico, e eu responderei, eventualmente sim se o agradecimento devido a quem nos mostra o caminho é passível de se chamar assim e não dever de gratidão.
Mesmo considerando sermos todos da cidade ou pelo menos nela vivermos e por conseguinte menos rústicos que os nossos contemporâneos das zonas mais rurais, havia também entre nós alguns companheiros com dificuldades de toda a ordem e muita dislexia que é termo que naquele tempo não se usava.
Define uma patologia que os estudiosos adotaram para definir a dificuldade de alguns alunos em aprenderem "as letras" com a facilidade com que o fazem os seus pares.
Ora as nossas professoras quando confrontadas com estas situações eram obrigadas por brio e honra a soluciona-las elas mesmo sem ajuda de psicólogos e essa parafernália de entendidos que se enredam em saberes de laboratório, mas dos quais têm resultado mais traumatizados e deprimidos do que os disléxicos da minha criação que iam para o fundo da sala voltados para a parede. Eu, entendia essa regra como corretora dos que para lá eram mandados e motivadora do máximo empenho aos que ficavam sentados na sua "carteira" a escutarem a professora que continuava a sua missão de nos preparar para a vida.
Sei que é difícil para alguns aceitarem que as pessoas moldam o seu caráter influenciados pelo meio e o tempo cronológico em que vivem. Quiçá os métodos de ensino hoje sejam mais eficientes, mas a verdade inquestionável é que no nosso tempo de escola esses métodos eram desconhecidos. Os próprios castigos corporais sendo deploráveis em determinadas situações, nas que eram com o devido sentido de justiça e bom senso, aplicadas, eram eficientes e resultavam benéficas para o aluno.
Acontece que o aforismo diz: -Em Roma sê romano e é avisado segui-lo para aplanar o caminho que está coberto de escolhos.
Mas as minhas considerações valem o que valem e era o tempo das alunas e alunos da Escola do Magistério Primário de Bragança se tornarem Estagiários e passarem a fazer parte da docência dentro da sala de aula coadjuvando a Professora titular. O primeiro impacto sentido pela classe teve que ver com a juventude de quem passava a ter missão de nos transmitir o saber institucionalizado. Efectivamente as quatro professoras eram já senhoras de provecta idade. Sem dúvida a mais jovem seria a Dona Maria de Lurdes Almeida. Ora ela tinha dois filhos e o mais velho era no mínimo da nossa idade, pois o Tó-Lis era dois anos mais novo do que nós! Quer isto dizer que a senhora era já de Meia-idade. As outras três eram evidentemente muito mais velhas, embora ainda com bastante vitalidade. As estagiárias eram assim como filhas delas. 
Foi uma lufada de ar fresco que entrou pela porta de acesso à sala de aula depois de transposto o arco de meia circunferência que dava e dá dignidade ao edifício. A nós só nos calharam meninas! Creio que quatro, embora eu só me recorde do nome de duas. Menina Conceição e Menina Dárida.
Remexendo no baú creio mas sem certeza que a que é esposa do Cândido Barros, Maria do Carmo, fazia parte do grupo ,mas a Catequese como ponto de encontro parece-me mais plausível.
Ora a influência das estagiárias ,e falo por mim, não tardou a notar-se, até porque a própria professora, não sei se por imposição do programa, quando elas nos deixaram continuou com o sistema que elas levaram e em boa hora expuseram e fizeram questão de implementar. Para além das contas ditado e leitura passamos a ter contacto com a poesia, o teatro, a arte de declamar e até os primeiros rudimentos de História de Portugal. Isto aconteceu na segunda classe.
É aqui que nasce o meu fascínio pela poesia que gosto de ler ou ouvir mas para a qual não possuo grande aptidão para escrever. Entrámos no Afonso Lopes Vieira, Augusto Gil, um cheirinho de Almeida Garret, A nau Catrineta e daí em diante quando ouvia o João Villaret declamar Lopes Ribeiro/Tocam os sinos/Na torre da Igreja/Há rosmaninho e alecrim/Pelo chão/, o meu fascínio aumentava pois era-me difícil conceber em mim capacidade para expressar tanta harmonia e simplicidade.
Do Teatro apenas houve algumas lições, nunca se chegando a ensaiar peça alguma. Já a declamação teve honras de primeira dama pois recitámos Augusto Gil, Balada da Neve, Guerra Junqueiro, A Moleirinha e outros poemas que faziam parte do livro único que era de lei usar naquele tempo. 
As críticas a este método deixo-as para os ressabiados e para os políticos da esquerda radical, eu só digo que se me delicio hoje com Eugénio de Andrade, Vinicius de Morais e Pablo Neruda foi devido às minhas estagiárias que me ensinaram os rudimentos primários da poesia simples de Gil e Afonso Lopes Vieira.
Seria necessário que decorressem vinte e seis anos para que a madrugada do 25 de Abril de 1974 raiasse e trouxesse com ela todo um tempo novo que se impôs ao outro tempo em que os dias raiavam da mesma forma mas a febre do desejo de Liberdade ainda não havia dado notícia na fronte do povo português.
De repente quase como num passe de mágica elevou-se transportado nas ondas de éter das estações de rádio o grito de Liberdade daqueles que a desejaram antes e para a obterem se sujeitaram a grandes perigos e que contagiou todo o povo, que até o mais empedernido dos apoiante do Estado Novo veio para a rua gritar Liberdade e confessar que sempre havia sido democrata, só que não o tinha confessado publicamente por cautela, pois como todos sabiam os esbirros da PIDE escutavam detrás das paredes e às vezes até nas casas de banho, que eles não eram esquisitos na escolha de locais onde pudessem caçar incautos para os meterem no xadrez!!! Vem isto a propósito que foi exactamente nesse ano de 1958 que se realizaram as eleições para a Presidência da República Portuguesa, sendo adversários na candidatura o Contra-Almirante Américo Tomás e o General Piloto Aviador Humberto Delgado. A data exacta da passagem por Bragança não me recorda com exactidão, mas foi num dia de semana em que estávamos na Escola da Estação e as meninas estagiárias nos transmitiam o seu saber recém adquirido, que o candidato Delgado passou por aqui fazendo campanha e tendo sido recebido com entusiasmo por parte do Zé Povinho, o governo mostrou o seu lado antipático de conduzir as eleições pois deu ordem imperativa ao pessoal docente da Escola da Estação para manterem os alunos dentro da sala de aula desde as 09:00 da manhã até por volta das 1 8:00, hora essa em que o General já tivesse abalado para outras paragens. Aconteceu que nos coartaram o direito que a garotada tinha a participar na festa da Campanha Eleitoral que naquele tempo nem sequer acontecia no dia em que o Rei fazia anos.
É uma lacuna que ainda hoje me incomoda pois eu que gostava tanto de uma festinha transporto comigo desde esse dia este hiato que foi o de não ter assistido ao acto do tio Minhoca, Barbeiro, pai do meu amigo Alvarinho Minhoca escanhoar os queixos do lídimo General Sem Medo. Acto heróico de resistência à vontade iníqua dos esbirros da Polícia Política.
Para coroar a desilusão ,as estagiárias capricharam no ensino recorrente ao nos obrigarem a cantarmos em coro e repetidamente um hino que já a nossa velha mas querida Dona Isabel Belchior nos havia ensinado e que nós cantávamos quase na perfeição. -Somos pequenos lusitos /Mas já firmes e leais/Amamos e respeitamos/nossos chefes nossos pais/ , ... Até hoje tenho comigo esta constatação que naquele dia considerei verdadeira; Não há bela sem senão, pois aquelas meninas que nos ensinaram tanta coisa linda, serviram de obstáculo intransponível que resignadamente aceitámos e nos impediu de vermos o General Humberto Delgado.



Disse anteriormente que também nos ensinaram elas os primeiros rudimentos da História de Portugal, tendo como elemento primeiro o grande Afonso Henriques que teve a sorte de ter por aio a D. Egas Moniz e que realizou façanhas inenarráveis tendo até sido abençoado por Deus que lhe deu um filho chamado D.Sancho I que caridoso como era deu a Bragança o seu primeiro foral que ainda hoje admiramos pois ainda existe e pode ser consultado mas que para entender o que está lá escrito é preciso recorrer à tradução feita pelo Professor Mina que realizou trabalho limpo, pois acabou por descobrir o primeiro simpatizante das feministas portuguesas ao mencionar como esposa concordante a D.Dulce e também as filhas. Foi assim um acto caridoso da família de D.Sancho I a concessão deste foral porque senão não havia Bragança, nem Castelo nem Dómus nem coisa nenhuma e a capital do distrito seria Mirandela para mal dos nossos pecados que não nos deixam sossegar ,pois já vendem mais alheiras do que nós e têm os cafés (és) abertos aos domingos e aos outros dias para além das 20:00 h.

Bragança 05/Outubro/2018. Aniversário da República proclamado no dia homónimo da era de 1910.





A. O. dos Santos
(Bombadas)

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