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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Crónicas da minha cidade

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

No meu tempo de rapaz havia como que uma instituição popular que era escola sem método mas, por isso mesmo, atrativa e competente. Chamava-se Barbearia, vulgo Barbeiro.
Paravam aí todos os personagens dignos de menção honrosa ou pitoresca. O oficial barbeiro era como que um oráculo! Do alto da sua sapiência, conseguida com a paciência de qualquer bonzo que da china tivesse vindo e nas idas ao Barbeiro lhe tivesse transmitido o saber ouvir e calar, era o Barbeiro capaz de guardar segredo e botar faladura quando conveniente ao bom exercício da atividade desbastadora de barbas e cabelos. Ouvindo a gregos e troianos, falava de cátedra para amanuenses e mecânicos. 
Eu vivia fascinado pela magia que sentia pairar e acreditava que havia ali, à mão de semear, uma ocasião de aprender os segredos que só os iniciados conheciam, quer fosse no decorrer de um diálogo ou na enunciação de um caso, vindo a talhe de foice, permitia que fôssemos esclarecidos por um dos sábios de serviço.
Ficava eu a saber de coisas que os menos atentos a estas, para mim preciosidades, nunca teriam a chance de saber. Era eu, nesse tempo, um apreciador de discurso que fosse proferido, de preferência, na lusitana língua. Eram assíduos frequentadores, alguns cavalheiros de bom nome e também outros mais rústicos mas também espirituosos, a par com uma assembleia de populares que não davam nem tomavam e que entravam calados e saíam mudos. Digo mudos e não surdos porque as discussões e argumentos soavam alto e tornavam a Barbearia em tertúlia onde apenas o oficial Barbeiro tinha autoridade suficiente para serenar os ânimos e dizer de sua justiça, mesmo que a sua capacidade de influenciar as mentes mais brilhantes ou as mais obtusas não fosse assim tão linear como alguns pensavam. 
Eram habituais, os Padres Miguel e Carneiro, os doutores Flores e Gonçalves, o primeiro médico e o segundo advogado, ambos famosos pelos ditos espirituosos que se lhes conheciam ou inventavam do que pela excelência nos seus mesteres. Havia para além dos doutores e licenciados, que eram muito mais que os mencionados, um senhor que eu escutava sempre com atenção e reverência. Comerciante com nome estabelecido, homem de boas falas e muito saber que dava pelo nome de Senhor Lopes, do Lopes & Pires. Homem bem apessoado, sereno e lúcido, falava comedidamente e era um admirador da capacidade que a diplomacia brasileira possuía de produzir embaixadores de alto gabarito. Havia um que admirava sobremaneira e do qual não retenho o nome mas que não será difícil sabê-lo numa investigação minimamente cuidada. 
Contava o Senhor Lopes que num dia em que, discursando na Assembleia Geral das Nações Unidas, o efeito da sua eloquência e gestualização produziu ovação no final do discurso! Não tardou a formar-se fila para lhe darem parabéns, estando entre os mais ilustres o Embaixador da antiga União Soviética, vulgo Rússia, homem corpulento e de grande influência nos meios diplomáticos. Ter-lhe-á dito que estava impressionadíssimo com o discurso, mas mais ainda com o facto de, sendo o brasileiro homem pequeno e de trajar sem exuberância, ter conseguido arrebatar toda a Assembleia e arrancar uma ovação que o honrava a ele e ao povo que ali representava! Resposta pronta do Embaixador brasileiro que em português com açúcar, vogais bem abertas ripostou: Vou dizê pa você meu segredo: no meu país cachaça se mete em garrafão mas essência rara metêmo em frasquinho píquinino. O senhor Lopes sorria com a estupefação dos ouvintes e acrescentava: “Eles é que sabem como falar bem em português!”
Resta-me acrescentar que, naquele tempo, no Brasil se cultivava o bom uso da Língua de Camões e que no Gabinete Português de Leitura se exibia, num escaparate à entrada, uma primeira edição dos Lusíadas impressa em Lisboa e levada para o rio por portugueses emigrantes que amavam Portugal! Quem o dizia era um irmão do Nuno da Rosa d´Ouro, o Adão, que quando vinha de férias e se sentava no Chave D´Ouro ou na Barbearia, salvando as devidas distâncias, conseguia o efeito do Embaixador, tal era musicalidade das suas palavras e o impacto das suas estórias contadas aos patrícios por quem já só sabia falar bem português com sotaque brasileiro. 
Resta dizer que a tertúlia da Barbearia me fascinou sempre um pouco mais do que a do Café. As recordações que estão impressas no meu “ disco duro” são o património que para mim é mais precioso.
São recordações de lugares, pessoas e acontecimentos que moldaram o meu carácter e me ensinaram a amar esta terra que é minha e de todos aqueles que a sabem amar.





A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. Impressionante texto.
    Gostaria que o autor lesse (e comentasse) os textos que este escriba brasuca publica (e já publicou) no MOC.
    Sinto saudades das coisas e fatos que vi e vivi.
    Assim como esse autor .......

    ACAS

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