Foto: Nelson Garrido |
O americano Mark Squires é, desde 2006, o provador da Wine Advocate, de Robert Parker, para os vinhos portugueses. Prova também os vinhos de Israel, do Líbano, da Grécia, da Bulgária, da Roménia, da Sérvia, da Macedónia e do Chipe (estão a ver em que campeonato nos colocou Parker?). Nos primeiros anos, muitos produtores queixavam-se das suas notas baixas. Agora anda meio mundo contente, porque, de repente, Squires começou a atribuir notas altas aos vinhos portugueses.
Não o conheço, nem me atreveria a julgá-lo. Penso que Squires fez o caminho natural de qualquer pessoa que é atirada para um país desconhecido: primeiro reage mal, depois começa a compreender e, com sorte, acaba apaixonada. Nem os vinhos portugueses eram tão rústicos e tinham aromas e sabores tão estranhos quando começou a escrever sobre eles, nem passaram a ser os melhores do mundo. Estão, é verdade, cada vez melhores. A evolução tecnológica e enológica foi enorme, a concorrência é maior e o consumidor está mais informado e exigente.
A única crítica que sou capaz de fazer a Mark Squires é à forma como prova quando vem a Portugal. Entre uma ou outra visita, instala-se numa sala e avalia uma série de vinhos. Consta que não aprecia vinhas — nem crianças e cães. Admito que seja um excelente provador, mas acredito pouco neste tipo de prova mecânica, solitária, longe do lugar onde nascem os vinhos — as vinhas. Como é possível conhecer um vinho na sua plenitude se não conhecemos a sua origem e quem o produz? O carácter de um vinho descobre-se conhecendo as vinhas, o tipo de solo, a forma como este é trabalhado e também a filosofia do produtor.
Numa prova mecânica ou às cegas as pessoas avaliam aquilo que julgam ser o valor intrínseco do vinho. Mas, na verdade, o que fazem é avaliar o vinho de acordo com a sua disposição no momento e o seu gosto pessoal. Muitas vezes, o mesmo vinho provado sem ser às cegas sabe-nos de maneira diferente, e não é só pelo nome do produtor ou pelo seu preço. É verdade que a marca e o preço podem influenciar-nos, mas numa prova técnica não dominamos todas as variáveis do vinho. Qualquer vinho pode ter um outro valor se soubermos o que está por trás dele. É como avaliar uma pessoa: quantas vezes nos enganamos no juízo que fazemos de alguém só porque não gostámos de determinada atitude? Podemos torcer o nariz a um determinado vinho da Bairrada, por exemplo, mas, se conhecermos a forma de trabalhar do produtor e o historial dos seus vinhos, se soubermos que estes podem parecer algo duros em novos mas que evoluem sempre admiravelmente, a nossa avaliação será forçosamente diferente. Contra mim falo: todas as provas e pontuações de vinhos, sobretudo aquelas que não levam em conta o lado B do vinho, a sua espessura cultural e humana — e são a maioria — devem ser relativizadas. Elas representam apenas a opinião de uma pessoa.
Se os produtores seguissem a opinião dos críticos, quantos não tinham já desistido? É o consumidor que paga as contas dos produtores, não é o crítico. A crítica pode ser virtuosa, mas o mais importante é cada um definir o seu caminho, acreditar nele e ser coerente e consistente. No fundo, ter um perfil bem definido e não tergiversar consoante as modas e as preferências de quem avalia e classifica vinhos. E isto tanto vale para um produtor como para uma região.
Há uma polémica em Espanha que envolve Luís Gutierrez, o provador de Robert Parker para este país. Num artigo que publicou em Agosto, Gutierrez desencou na Ribera del Duero, dizendo que lhe custa “manter a motivação” para provar os seus vinhos e que a região, das mais famosas, é uma das que menos lhe apetece visitar. E acrescentou: “É certo que há alguns nomes interessantes, mas creio que a maioria dos vinhos são demasiado parecidos, demasiado previsíveis, pouco originais, excessivos e, em definitivo, aborrecidos.” Sob anonimato, diversas personalidades de Ribera del Duero responderam com uma carta aberta, com muitas críticas a Luís Gutierrez, como a de provar apenas os vinhos escolhidos por ele e a descoberto, sem ser às cegas, por “pavor de se enganar-se ao pontuar erradamente os vinhos de adegas de renome e prestígio”.
Não vou fazer a defesa de Luís Gutierrez, que considero um grande provador e por quem tenho grande estima. Ironicamente, ele é, no gosto, a antítese de Robert Parker. Tal como Gutierrez, também não sou um grande apreciador dos vinhos de Ribera del Duero. Mas já fui. Podemos dizer que são vinhos um pouco fora de moda, por serem, em regra, bastante concentrados e com longos estágios em barrica. No entanto, também percebo o enfado dos produtores desta região. Apesar de Gutierrez estar no direito de não gostar de Ribera del Duero, os vinhos desta região foram e continuam a ser um êxito comercial — e o juiz mais importante de um vinho é o consumidor. Mesmo sendo, digamos, pouco “modernos”, os vinhos de Ribera del Duero têm um estilo bem definido e isso é muito importante. Acontece o mesmo com o Douro, o Alentejo, o Dão ou a Bairrada. Ter um estilo próprio, mais ou menos fácil de perceber por parte do consumidor, é uma enorme mais-valia no negócio do vinho, não um anátema.
Rioja também tem um estilo bem definido e já esteve em baixa. Agora volta a estar em alta. A Borgonha está mais na moda do que Bordéus, mas Bordéus será sempre Bordéus. Estilo não significa fazer tudo igual. Há sempre espaço para inovar e ser diferente. Os vinhos que Dirk Niepoort faz no Douro ou na Bairrada, vinhos mais finos, leves e frescos, são um bom exemplo. No entanto, seria um suicídio colectivo se a Bairrada e o Douro passassem a produzir à imagem e semelhança de Dirk Niepoort. Ou se Ribera del Duero começasse só a produzir o tipo de vinho que Luís Gutierrez gosta. Ir atrás das modas e dos críticos, contrariando a tradição e a natureza dos lugares, é a receita certa para o fracasso.
Pedro Garcias
Fugas
Jornal Público
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